43• Chantagem

Quando o dia da primeira competição de Yohan pelo Songdong chegou, eu me surpreendi. Com toda a situação de Minho, acabei esquecendo completamente do campeonato do meu melhor amigo. A essa hora, Yohan provavelmente já embarcou na van do colégio junto com os outros integrantes da equipe rumo ao ginásio onde a competição vai acontecer.

Como de costume, eu me aprontava para ir torcer por ele, mas dessa vez eu estava ainda mais animada, afinal, eu poderia ver Yohan ficar em primeiro lugar pelo Songdong e deixar Yeonjun extremamente louco por perder o seu posto de número um do nosso colégio. Pensar nisso já elevou as minhas expectativas para esse campeonato. 

Talvez eu estivesse me arrumando demais só para ir a um ginásio, mas o fato de Minho estar indo também não me deixava colocar um conjunto de agasalho e amarrar o cabelo num coque como eu geralmente fazia. Liguei por videochamada para Yena, queria a sua opinião sobre a minha aparência, já que ela também iria conosco. 

— Hello, Kyra! — ela fez uma careta — Ya, não estamos indo pra um casamento! 

— Muito exagerado, né? — olhei para baixo, preocupada. Um vestido era demais mesmo. 

— Você tem uma jardineira curta legal, aquela de short. Cadê ela? 

— A jeans? — assentiu — Ela não me deixa achatada demais? 

— Quer dizer baixinha? Você nasceu assim, não tem nada que a gente possa fazer — ouvi sua gargalhada enquanto fuçava o guarda-roupa procurando pelo macacão. 

— Hahaha — coloquei o celular na frente do rosto para que ela me visse revirando os olhos — Pelo menos não era eu quem era chamada de toquinho de amarrar jegue no sexto ano. 

— Mas olha só onde chegamos, agora ninguém pode zoar a outra, já que temos a mesma altura — dei de ombros, nisso ela tinha razão. 

— Ok, vou ver o que consigo fazer com essa roupa — segurei o cabide com a jardineira — Aliás, a Soo decidiu se vai com a gente?

— Ela disse que não, parece que tem um evento chato pra ir com os pais mais tarde. 

— Que azar — fiz um biquinho — Ela vai perder o Yohan vestido de Dobok e chutando algumas caras. 

— Vou gravar tudo pra ela. 

— Você é uma boa amiga, Yena.

Depois de desligar, me entreti olhando mais algumas roupas nos cabides. Vesti uma camiseta branca leve e coloquei a jardineira. Realmente, um estilo casual era o melhor para essa situação, não queria parecer um peixe fora d'água. 

A fala de Yena sobre eu ser baixinha passou pela minha cabeça enquanto eu calçava os tênis com a maior plataforma que eu tinha. Aquilo me garantiria três centímetros a mais, mas não é como se fosse fazer tanta diferença assim.

Me despedi de meus pais e dei um beijo em Kyujin antes de sair de casa. Quase desisti de ir quando ela ergueu os bracinhos querendo o meu colo, mas eu já havia prometido ao meu amigo que iria. No caminho para a estação de metrô, passei pela padaria onde Seungmin trabalhava antes e foi inevitável me lembrar que na última competição de Yohan eu estive ali para comprar um pedaço de torta e brownie para ele. 

Também foi inevitável pensar em Seungmin. Uns dias atrás, ele me mandou uma mensagem perguntando se eu estava bem e pedindo desculpas por ter ido embora tão de repente sem me explicar a história inteira. Na verdade, eu o entendo. Seu sonho é abrir uma rede de cafeterias no futuro, e ele não poderia perder o aprendizado que é estudar e praticar isso no exterior, em uma das maiores empresas de café do mundo. Sorri sozinha por ele estar feliz realizando um sonho e só então me dei conta que estava parada na frente do estabelecimento e as pessoas lá dentro me olhavam pelo vidro. 

Respirei fundo e continuei o meu caminho. Assim como Seungmin disse na mensagem que me enviou que é grato pela amizade que tivemos, eu também sou. E seja onde for, eu sempre vou desejar que ele esteja bem e feliz, essa é a única coisa que realmente importa. 

Por um tempo, eu realmente pensei que sentia por Seungmin algo que fosse além de amizade, mas meu coração sempre fez questão de me mostrar que não. E, ao adentrar a estação, eu me lembrei do motivo para isso. Ele estava parado bem ali.

Eu estava descendo, quando, na metade das escadas rolantes, avistei Minho na plataforma me esperando. Vê-lo fez os meus batimentos cardíacos enlouquecerem dentro do peito mais uma vez e eu sabia que não esse não era um sentimento que iria embora tão cedo.

[...]

Nós subimos alguns degraus da arquibancada procurando um bom lugar para assistirmos as lutas. Yena, que fez a gente se atrasar para chegar, avistou algumas cadeiras vazias e nós a seguimos até lá. Me sentei entre Minho e a Choi, já ouvindo pelo alto falante o apresentador dar as boas-vindas aos competidores e torcedores presentes, quando a ação de Yena chamou minha atenção. 

Ela tirou sua mochila das costas e colocou em seu colo, a abrindo e pegando algumas coisas dali. Eu não podia acreditar que ela tinha feito tantas faixas de apoio ao Songdong e a Jisung. Além dos cartazes, ela tirou dali pompons de torcida e adereços de cabeça todos das cores do nosso colégio. Cutuquei Minho para olhar aquilo tudo e nós rimos, brincando sobre Yena parecer uma garota propaganda da nossa escola. 

— Não sabia que gostava tanto do Jisung a ponto de trazer cartazes — zombei, recebendo um olhar que claramente dizia "você devia ter ficado quieta".

— Pelo menos eu não ia vir pro ginásio parecendo uma noiva só porque o Minho estava vindo junto. 

Eu quase me engasguei com minha própria saliva, enquanto Minho sorria parecendo satisfeito em saber daquela informação idiota.

— Qual é o problema de vocês? Só namorem logo! — minha amiga, se é que posso chamá-la assim, provocou.

— Eu quero! Mas a Kyra é muito difícil de conquistar! — o garoto cruzou os braços, emburrado.

— Que desculpinha mais esfarrapada, Lee — ela apertou os olhos na direção dele —, pelo menos faça uma surpresa e pergunte se ela aceita antes de sair dizendo coisas sem sentido.

— Ya! — os interrompi. Não queria mais ser o foco da conversa — Primeiro você e Jisung assumem um relacionamento, depois eu posso pensar nesse assunto! 

Tudo que ouvi dos dois depois disso foi um silêncio absoluto, o que foi ótimo, porque deixar os dois sem palavras era o que eu realmente queria. 

Quando a competição começou, eu mantive meus olhos focados em todas as lutas que o Songdong disputava, ansiosa, principalmente, pelo resultado de Yohan, já que era seu primeiro torneio como um atleta do nosso colégio. Por um momento, senti um frio estranho na barriga depois de pensar que, se Yohan ficar em primeiro lugar, como é muito provável que aconteça, isso não agradaria nada Yeonjun. E eu já sei que ele é capaz de fazer coisas horríveis, ainda mais agora que ele tem um parceiro ainda mais maquiavélico que ele mesmo. 

E por falar no diabo...

Meu corpo inteiro se arrepiou quando vi Heeseung cochichando algo no ouvido de Yeonjun, em um canto afastado da quadra. Minho e eu nos entreolhamos receosos, era difícil não pensar em coisas ruins vindo deles agora.

— Não pensei que ele viria. Quer ir embora? — cochichei no ouvido de Minho — Eu posso inventar uma desculpa para Yena e saímos daqui.

— Não, tudo bem — sussurrou de volta —, se a gente for embora, Jisung pode ficar chateado.

— Ok, então vamos apenas ignorá-lo.

Encarei Heeseung com raiva mais uma vez. Embora eu tenha dito que faria, ignorá-lo não era nada fácil agora que eu sabia tudo que ele fez com Minho. Suspirei, tentando tirar aqueles pensamentos da minha cabeça. 

A competição logo começou e eu me diverti vendo Yena gritar indignada a cada golpe que Han levava no tatame. Muito diferente dela, Minho apenas olhava a luta parecendo desesperado por seu amigo, mas, apesar de ter sofrido muitos golpes, Jisung ganhou o confronto. Pelo visto, a ajuda de Yohan e os treinos particulares dos dois deram resultado, Jisung evoluiu muito no Taekwondo. 

Quando a vez do meu melhor amigo chegou, eu me ajeitei na cadeira, prestando ainda mais atenção no que acontecia no tatame no centro do ginásio. A sucessão de ataques de Yohan em seu oponente me fez entreabrir a boca, era surpreendente como ele havia ficado ainda melhor depois que se juntou à equipe do Songdong. Isso me fez pensar que eu já devia começar a me preparar psicologicamente para nos separarmos no próximo ano, já que é quase certo que ele será convocado para fazer parte da seleção coreana. Vai ser estranho não ter Yohan no quarto do outro lado da árvore.

Enquanto o duelo seguia na quadra, meu celular vibrou e o peguei do bolso traseiro. Sem desbloquear, olhei a mensagem na notificação da tela, sendo atingida imediatamente por uma sensação equivalente a um soco no estômago. 

Outra vez um número desconhecido. Aparentemente, bloquear um deles não fez a menor diferença. 

Bloqueei rapidamente o aparelho, me certificando que Minho e Yena não tivessem visto o conteúdo da mensagem e respirei fundo, pensando no que deveria fazer a seguir. Eu estava assustada, porque sabia exatamente quem estava por trás daquele número. 

— Preciso ir ao banheiro — falei, sem nem mesmo olhar para os dois que estavam comigo. Sabia que meu rosto entregaria que algo estava acontecendo.

Subi alguns degraus e passei por uma das portas que existiam entre as arquibancadas, caminhando pelo corredor vazio até chegar na frente da sala mais afastada do centro do ginásio, como o texto na notificação do celular me mandou fazer. 

Olhei para os dois lados e não vi ninguém. Me arrepiei lembrando do conteúdo da mensagem. 

Se não quiser que eu conte o segredo do seu namoradinho pra todo mundo, é melhor ouvir o que tenho a dizer.

Me assustei quando senti a respiração quente batendo em meu pescoço atrás de mim e me virei prontamente, dando um passo para trás. Heeseung estava parado lá me encarando com um sorriso presunçoso e eu senti nojo só em olhá-lo.

— Você é obediente, gostei — ele passou por mim, abrindo a porta da sala mais à frente. — Primeiro as damas.

Observei o interior do cômodo, era um pequeno quarto onde guardavam materiais do ginásio e produtos de limpeza, não era um lugar muito convidativo, ainda mais quando a minha companhia seria um agressor praticante de bullying. 

— Tá com medo? — ele soltou uma risada nasal. Continuei em silêncio — Pode ficar tranquila, eu não vou tocar em você... a menos que você peça com jeitinho.

Revirei os olhos e atravessei a porta da sala, batendo de propósito em seu ombro ao passar. Queria acabar com aquilo o mais rápido possível. 

— Vai, pode abrir a boca, o que você quer? 

— Hm, você tá com pressa, pelo visto — ele fechou a porta atrás dele, deixando o ambiente um pouco mais escuro que antes, meu coração acelerou um pouco de medo. — Só quero ter uma conversa sincera com você.

— Desembucha logo, Heeseung. 

Ele me encarou com um ar de desprezo e eu retribuí da mesma forma.

— Suponho que você já saiba qual é o segredo do seu namoradinho, já que não me perguntou nada sobre isso — não me dei o trabalho de responder a sua suposição —, então vou direto ao ponto...

Eu estava me fazendo de durona, mas por dentro eu tremia como nunca, sentindo minhas pernas prestes a vacilar. Era como se aquele cômodo ficasse menor a cada segundo que eu passava ali com Heeseung e a sensação de claustrofobia estava começando a me sufocar. Engoli em seco, esperando que ele falasse.

— O que você tem que fazer é muito fácil. Na verdade, muitas garotas adorariam estar no seu lugar — empurrou seus cabelos para trás com uma das mãos e eu franzi as sobrancelhas sem entender onde ele queria chegar —  Vamos sair juntos.

— Sair? — eu estava tão perplexa que levei alguns segundos para processar o que tinha acabado de ouvir — Eu nunca vou sair com você! 

— Acho que você não entendeu, mas eu te explico. Isso não é um pedido — seu semblante agora era ainda mais assustador que a segundos atrás — Você vai largar o Lee e sair comigo, ou todo mundo vai saber que ele é aquele streamer idiota que se esconde atrás de uma máscara igual a um covarde.

Minha boca estava tão seca que eu duvidei se seria capaz de falar algo depois  de ouvir aquilo. Meu estômago se revirou com tamanha repulsa que eu sentia de Heeseung.

Jamais ouvi algo que me deu tanto nojo quanto o que Heeseung disse agora. Eu nunca faria isso com Minho. 

Nunca.

Mas, só em pensar no quanto ter esse segredo revelado machucaria Minho, meu coração se partiu em mil pedaços. Sei o quanto ser o Spy é importante para ele, e sei ainda mais que ele não quer voltar para Busan depois de ter sofrido tanto lá. 

Deixar Heeseung contar isso a todos significaria ver Minho indo embora, talvez até para sempre. E isso dói muito, só de pensar. E dói ainda mais saber o quanto voltar para lá vai fazê-lo sofrer.

— Por que você não consegue viver a sua vida e deixar a dos outros em paz? — minha pergunta pareceu ter o surpreendido, mas logo em seguida a expressão de superioridade voltou ao seu rosto.

— Nós vamos viver em paz. Nós dois. Juntos — ele tentou se aproximar e eu recuei ao mesmo tempo. — De agora em diante, não quero te ver perto dele, ok? E se contar sobre isso pra alguém, você já sabe o que acontece.

— Acha mesmo que eu cederia a essa sua chantagem podre? 

— Ah... eu tenho certeza que você vai. Sabe por quê? 

Dessa vez, eu recuei tanto que acabei batendo as costas na parede do pequeno quarto. Senti meu corpo suar frio e meu coração quase sair pela boca vendo Heeseung caminhar até mim, com a expressão mais aterrorizante que eu já havia visto em toda a minha vida em alguém. Fechei os olhos com força, escutando seu sussurro perto do meu ouvido:

— Você vai fazer tudo que eu mandar... porque você é uma garota esperta.

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