33• Estilhaços

Nós estávamos no grande laboratório de ciências para uma aula especial que seria dada pelo presidente de uma das maiores empresas de perfumaria e cosméticos da Coréia do Sul. De vez em quando, o diretor do nosso colégio conseguia trazer esse tipo de aula para as turmas de último ano, que estão prestes a decidir em qual curso entrar na faculdade. 

Como presidente de uma grande empresa, o homem era muito ocupado e conseguiria dar apenas uma aula; o que significava que todas as três turmas de terceiro ano estavam juntas no laboratório. O único que não estava presente era Yohan, que foi fazer exames médicos para ser liberado para participar de sua primeira competição pelo Songdong.

Amarrei meu cabelo num rabo de cavalo e ajeitei os óculos de proteção enquanto observava as coisas em cima da bancada. Tinham vários frascos de vidro e outros objetos que usaríamos para praticar como fazer as bases de algumas fragrâncias. 

A aula não tinha chegado nem na metade, mas cada minuto para mim ali parecia uma eternidade. O objetivo de fazer os alunos se interessarem por cursos na área de química não funcionou comigo. Eu já havia bocejado tantas vezes que meus olhos estavam lacrimejando sem parar. Pra ser sincera, aprender a criar fragrâncias teria sido mais divertido se o homem que estava nos dando a aula não fosse tão entediante.

Me surpreendi quando Jisung derrubou o líquido de um frasco em cima da bancada e meu olhar foi diretamente para ele, assim como o de todos os outros alunos ali. Ele se apressou em se desculpar e saiu da sala, indo buscar alguns panos e produtos para limpar, deixando um espaço vago ao lado de Minho. Meu olhar parou, então, no garoto.

Fazia uns dias desde que decidimos começar as coisas de novo entre a gente. As aulas extras que dou para ele ficaram muito mais leves e até divertidas depois da nossa conversa no restaurante. Tem sido muito bom conhecê-lo melhor, fora daquela armadura de garoto irritante que ele usava antes o tempo todo. Talvez ele estivesse apenas querendo se proteger de algo, quem sabe.

As coisas entre nós fora da escola estavam muito bem, ele sempre estava alegre e muito falante, mas, aqui no colégio, comecei a perceber um comportamento estranho em Minho. Ele parece estar sempre triste e preocupado, como um coelhinho acuado na toca. Tenho me preocupado muito com isso pra falar a verdade.

Minho estava de cabeça baixa, olhando apenas suas coisas em cima da bancada, mesmo quando o "professor" chamava nossa atenção para olharmos algo na lousa branca. 

Gostaria de saber o que está acontecendo, talvez eu pudesse ajudar de alguma forma, mas toda vez que pergunto, ele apenas me responde que tá tudo bem. Suspirei cansada.

Yena cutucou o meu braço e a olhei, ela me perguntava qual dos líquidos deveria adicionar a seguir no frasco. A informei, mesmo sem ter muita certeza do que estava dizendo, já que não prestei muita atenção nos últimos cinco minutos da explicação.

Quando voltei minha atenção para Minho, ele tentava se proteger de pequenos pedaços de borracha que jogavam nele. Meu olhar foi até o local de onde os objetos eram lançados; Yeonjun e Heesung eram os responsáveis. Senti meu sangue ferver vendo aquilo. 

Desde que chegou na escola, Heesung se aproximou do filho do diretor, mesmo os dois sendo de turmas diferentes. Agora, na hora do intervalo, tudo o que sempre vemos é Heesung seguindo Yeonjun pra lá e pra cá, como um carrapato nojento. Até mesmo Soobin e Kai ficaram para escanteio. Melhor pra eles, não perdem nada ficando longe de Yeonjun.

De uma coisa eu tenho certeza: nada de bom virá da proximidade desses dois.

Encarei mais uma vez os dois, que não pararam de jogar os pedaços de borracha em Minho. Eles riam enquanto faziam aquilo e eu não aguentei mais quando vi o Lee apertar as mãos em punho enquanto em seu rosto estava nítido que ele reprimia toda raiva, vergonha, medo, e qualquer outro sentimento que ele pudesse estar sentindo naquele momento. 

— Ya! — gritei o mais alto que consegui, ao mesmo tempo em que joguei um dos frascos de vidro com toda força no chão.

E todos pararam para me olhar.

Muitas bocas estavam abertas com a minha atitude, mas ninguém se atreveu a dizer nada. Minha vontade era de me abaixar, pegar um daqueles cacos e deixar uma cicatriz enorme naqueles dois rostos presunçosos, mas, infelizmente - ou felizmente - meus pais não me educaram dessa forma. Eu estava com medo do que essa atitude poderia significar para mim e a bolsa de estudos que tenho nessa escola, mas minha vontade de falar tudo que tinha entalado na garganta para aqueles idiotas era muito maior.

Caminhei até eles, fingindo ter a coragem que eu certamente não tinha, e os dois já me olhavam com raiva antes mesmo de eu chegar lá. Pensei que seria impedida pelo presidente da empresa que nos dava aula, mas ele permaneceu apenas observando abismado a cena. Claro que ele não sabia o que fazer, ele nem era um professor de verdade. 

Pelo menos, eu pude fazer o que queria.

— Os dois não têm vergonha de intimidar um colega?!

Alguns burburinhos baixos começaram ao redor.

— Há! — Heeseung debochou — Parece que o perdedor arrumou uma namoradinha fiel.

Respirei fundo, tentando me acalmar. Ouvi Minho chamar meu nome em um tom preocupado e o olhei brevemente, era óbvio que ele queria que eu deixasse aquilo pra lá, mas eu não conseguiria. Bati com força na bancada, assustando alguns alunos que estavam perto.

— O lacaio do filho do diretor tem coragem de chamar alguém de perdedor? — dessa vez, eu quem debochei — Aposto que não tem como ser mais perdedor que isso. 

Eu dei meio passo pra trás quando o garoto praticamente rosnou para mim. Escutei a voz exasperada de Soojin pedindo para o homem mais velho ir buscar algum professor que pudesse intervir na situação e ele enfim se mexeu, saindo rapidamente da sala. A tensão era tanta que a maior parte dos colegas que antes estavam perto do local da briga se afastaram pelo menos dois metros.

— O que você disse, mesticinha? — Heeseung se aproximou ainda mais, me fazendo engolir em seco. Mas eu não iria recuar mais nenhum passo.

— Ei, Heeseung — Yeonjun o interrompeu, mas seu tom de voz era baixo e desinteressado. Como um bom servo, o outro ficou calado. — Não precisa falar assim com ela, não é mesmo, Kyra? 

Pisquei algumas vezes sem entender. Com certeza isso era uma armadilha, ele não tinha motivos para me defender. Em minha visão periférica, vi Jisung parado na porta com um esfregão e um pano para limpar a bagunça que tinha feito antes. Acho que ele também não entendia nada do que estava acontecendo.

Yeonjun parou bem na minha frente, passando o polegar levemente em minha bochecha. Eu estremeci com o ato, tinha nojo de ser tocada por ele.

— Sabe, Kyra, eu não tenho nada contra você. Nada mesmo... — sua voz era baixa, quase como um sussurro. — Você é até bem bonitinha pra uma mestiça, e por causa desses seus — ele olhou diretamente para os meus seios e eu senti ainda mais repulsa por ele — eu sempre fui legal com você, mas não se envolva em assuntos que não são seus, ou isso vai ser ruim pra você.

Cambaleei para trás, Soojin e Yena já estavam ali, próximas o suficiente para que eu esbarrasse nelas logo atrás de mim. Senti um braço tentando me puxar dali, mas eu não queria sair sem dizer uma última coisa.

— Você é um merda. Os dois são. Nojentos!

Esse foi o melhor xingamento que eu poderia dizer, já que nunca fui boa com palavras de baixo calão, mas, mesmo assim, minha fala pareceu ter os afetado muito. Heesung saiu de trás de Yeonjun, batendo palmas de um jeito assustador.

— A putinha e o perdedor! Que casal!

Escutei os suspiros surpresos dos alunos ao redor enquanto meu corpo borbulhava de ódio. E, em uma fração de segundo, antes mesmo que eu pudesse perceber, Minho estava lá. Seu rosto era tão furioso que eu quase não o reconheci. O garoto esbravejou algo que eu não entendi e virou a bancada em cima dos outros dois. O estrondo do móvel sendo jogado foi enorme, e os frascos de vidro se estilhaçaram pelo chão, me fazendo recuar assustada e Heeseung cair para trás. 

Meu peito subia e descia rapidamente, mas eu não era a única em pânico por ali. Soojin e Yena me abraçaram ao mesmo tempo que eu sentia meus olhos se encherem de água, mas eu não ia chorar. Não na frente deles. 

Me soltei das duas e corri preocupada para Minho, que colocou seu braço em minha frente, me protegendo com seu próprio corpo. Eu estava com medo que ele tivesse se machucado para me defender. 

Fechei os olhos com força no segundo em que Yeonjun tentou partir para cima de Minho, mas abri em seguida, percebendo que nenhum impacto veio. Em nossa frente, nos protegendo como um guarda real, Jisung segurava o esfregão na direção de Yeonjun, como se fosse a espada mais letal de todas.

— Você tá bem?! — o Lee me encarou preocupado, buscando algum machucado em mim. Apenas balancei a cabeça positivamente, todas as palavras haviam sumido de minha boca.

Vi Heeseung se levantar do chão, vindo com raiva em nossa direção, e minha primeira reação foi abraçar Minho e esconder meu rosto em seu pescoço. Eu sentia seus batimentos descompassados quando a voz alta do professor Yoon ecoou pelo laboratório.

Heeseung parou imediatamente, recebendo o grito do nosso professor, que dispersou a confusão. Porém, antes que pudéssemos sair dali, o garoto passou ao nosso lado, sussurrando para Minho:

— Você vai se arrepender disso. Ainda mais do que da primeira vez. 

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