Paz e sossego era tudo o que eu precisava no meu sábado depois de ter passado os últimos dias vindo direto da escola para casa para cuidar de Kyujin. Agora eu vejo como é bom ser apenas a irmã mais velha, não o pai ou a mãe. É realmente desgastante a rotina de tomar conta de um bebê sozinha, mas, mesmo sendo muito difícil, eu faria tudo de novo. Agora que Kyujin está melhor, vai voltar para a creche e nossas rotinas estarão de volta ao normal. 

Me estirei na cama ao mesmo tempo em que liguei a TV do meu quarto com o controle remoto. Eu havia perdido a live que Spy fez ontem a noite porque estava exausta demais para me manter acordada, então resolvi relaxar e assistir hoje a transmissão que ficou gravada no aplicativo de streaming.

Assim que dei play no vídeo, me arrependi por não ter assistido antes. Spy estava fazendo cosplay de Loid Forger, um dos protagonistas de Spy x Family, meu anime favorito no momento. O terno verde escuro caía perfeitamente bem nele e eu mantive meu olhar preso na tela da minha televisão por um bom tempo. Todos os detalhes da roupa e da maquiagem estavam perfeitos, parecia que eu estava mesmo vendo Loid Forger, bem ali no meu quarto.

Continuei assistindo, até que uma notificação no celular me fez pausar o vídeo. Era uma mensagem de Seungmin. Desbloqueei o aparelho para responder, quando, quase que instantaneamente, meu olhar voltou para a TV à minha frente. No canto da tela, onde as informações da live eram mostradas, o nome, sempre tão familiar para mim, dessa vez me despertou um pensamento de dúvida. 

Spy_0922.

Mais uma vez meu celular vibrou e o encarei. Seungmin estava do outro lado daquelas mensagens, o mesmo Seungmin, que ama Spy x Family e faz aniversário no dia 22 de setembro. Teria alguma chance disso ser apenas coincidência ou o nickname do meu streamer favorito tem tudo a ver com Kim Seungmin? 

Seria possível que ele fosse...?

Não, não tem a menor possibilidade, pare de bobeira Kyra! 

Abri a mensagem do garoto, que perguntava se eu podia encontrá-lo rapidamente no parque perto de casa. Desliguei a televisão e saí, indo o mais depressa possível ao parque. 

Confesso que estava ansiosa para encontrá-lo, ainda mais depois de ter notado aquelas semelhanças tão grandes entre Spy e ele na live. Talvez eu conseguisse descobrir algo conversando agora com Seungmin. Porém, o nosso encontro não foi como eu esperava. 

O que Seungmin queria me contar desde aquele dia em que saí correndo da padaria porque Kyujin estava no hospital é que ele vai embora da Coréia. Vai estudar no exterior e não tem previsão alguma de quando poderá voltar. Eu estava tão triste e frustrada enquanto voltava para casa e meus pensamentos não paravam de passar por Seungmin. Eu devia ter dito algo mais além de "boa sorte na viagem!". Eu queria ter dito mais. Que tipo de amiga eu sou?

Enquanto eu caminhava, a sua última fala não saía da minha cabeça.

"Tem algo que eu realmente quero te dizer há um tempo, mas não posso agora. Não seria justo com você. Espero ainda ter a chance de dizer isso se nos encontrarmos de novo"

O que ele queria me dizer que não podia ter dito agora? E por que não seria justo? Ele havia feito algo errado? Ou então... isso teria algo a ver com as minhas suspeitas dele ser o Spy? 

Minhas dúvidas só não eram tão grandes quanto o sentimento ruim dentro do meu peito por saber que Seungmin estava indo embora. Claro que eu sei que ainda podemos nos falar por mensagens e ligações, mas eu também sei que não é a mesma coisa. Não vou mais entrar na padaria e dar de cara com ele atrás do balcão com aquele sorriso enorme que faz o dia de qualquer um se alegrar e nem ganhar pãezinhos doces de cortesia todas as vezes que passar por lá. 

Os meus pensamentos sobre Seungmin foram deixados de lado quando, enquanto atravessava a avenida, avistei Minho entrando na loja de mangás onde eu trabalhava antes. É, aquela mesma loja da qual ele me fez ser demitida, mas deixei de lado essa parte; eu acabei permitindo que esse rancor fosse ralo abaixo depois do Lee ter me ajudado tanto no acampamento da escola. Chega de ressentimentos.

Sem perceber, comecei a seguir na direção da livraria, me perguntando o que Minho estaria fazendo ali. Comprando um mangá, certamente, mas ainda assim me pareceu suspeito. Bem, talvez eu só seja uma grande bisbilhoteira mesmo. 

Terminei de atravessar a avenida e corri na ponta dos pés até a loja, como se ele pudesse ouvir meus passos se aproximando. Pelo vidro, eu podia ver Minho conversando com o dono da loja que estava atrás do balcão; me escondi quando o garoto olhou para o lado de fora rapidamente. Era um pouco humilhante estar agachada ao lado de uma planta para me esconder, mas ali eu podia escutar sobre o que falavam, então a humilhação valia a pena.

— Me desculpe pela demora, eu tive que juntar alguns meses de mesada pra pagar pelo prejuízo que causei — dei uma espiadela pelo vidro, Minho estendia um envelope branco para o homem.

Voltei à minha posição original, franzindo o rosto, confusa com o que tinha acabado de ver e ouvir. 

— Não existem muitas crianças hoje em dia que fariam isso, rapazinho. Tenho certeza que seus pais te deram uma ótima criação — espiei novamente, parecendo uma detetive destrambelhada, mas foi o suficiente para ver meu antigo chefe aceitando o envelope. — Eu nem estava mais esperando receber esse dinheiro.

— Era o mínimo que eu podia fazer depois de toda confusão que causei. Acabei prejudicando alguém inocente — Minho fez uma reverência profunda, me deixando perplexa. — Será que o senhor poderia...?

— Você deve gostar muito dela, garoto — o mais velho riu, dando dois tapinhas no ombro do Lee. — Pode deixar, se a Kyra quiser voltar a trabalhar aqui, está com o emprego garantido. Diga isso a ela, ok?

Minho pareceu se engasgar com algo, e o mesmo quase aconteceu comigo. Eu mal podia acreditar que Minho estava ali para pagar pelo prejuízo que causou naquele dia que derrubou a prateleira e saiu correndo. Ele juntou dinheiro por todo esse tempo e veio até aqui se desculpar? E ainda pareceu triste por ter me prejudicado? Em momentos como esse eu apenas me pergunto se a visão ruim que tive de Minho desde que nos conhecemos estava mesmo correta. Agora, ele não parece nada com o idiota irresponsável e egocêntrico que sempre pensei que ele fosse.

Meu coração estava batendo rápido e eu não conseguia controlar. Me levantei, virando de costas para ir embora dali antes que o garoto me visse, mas fui surpreendida por sua voz atrás de mim depois de dar dois passos apenas. 

— Kyra?! O que tá fazendo aqui? 

Girei em meus calcanhares, virando de frente para ele, ao mesmo tempo que tentava evitar contato visual.

— Eu... — pensei em algo para dizer — estava só de passagem! Tô indo pra casa!

Podia parecer mentira, mas não era totalmente. Eu realmente estava indo para minha casa.

— E você? — me arrisquei a perguntar. Eu queria saber a resposta, mesmo que não fosse a verdadeira.

— Eu vim dar uma olhada nos lançamentos, mas não tinha nada interessante esse mês — balancei a cabeça assentindo, mesmo que soubesse que aquilo era uma grande mentira.

— Entendi — quando percebi, já estava sorrindo igual uma idiota em sua direção. O que Minho tinha acabado de fazer mudou bastante a minha percepção sobre ele. — Já tá indo embora?

— Sim, eu só vim olhar os mangás mesmo, já tô voltando pra casa. 

— Tá com fome? — perguntei, recebendo um olhar confuso em resposta — Vem, vamos comer, eu pago! 

— Mas você não tava indo pra casa? — tossi, surpresa com sua fala. Droga, fui pega.

— Ah, sim! M-mas é que... me deu fome de repente! — não sei se ele acreditou nessa desculpa esfarrapada, mas pelo menos eu tentei.

— Bom, já que você vai pagar, eu vou querer carne!

Resmunguei um "ya" ao mesmo tempo que dava um tapa leve em seu braço. Lee Minho só pode estar pensando que sou milionária como ele.

— É brincadeira — ele gargalhou, me puxando pela mão. Senti um choque nessa hora, mas, por algum motivo, não a puxei de volta.

Encarei nossas mãos dadas sentindo meu coração palpitar e ele fez o mesmo, mas logo voltou seus olhos para o meu rosto novamente, dizendo animado:

— Vem, vou te levar no restaurante do meu pai! Vamos comer de graça até não aguentarmos mais!