09• O Streamer Spy
Falando sério, Kyujin é a maior alegria de nossa casa, mas não vou negar que tem sido exaustivo acordar com seus choros toda noite.
Olhei com dificuldade o visor de meu celular, eram quase três da manhã. Pensei se deveria ir até o quarto da bebê, mas com certeza meus pais já estão tomando conta disso. Eles dizem que não querem que eu tenha meu sono prejudicado, ainda mais no último ano escolar. Eles se preocupam demais comigo pra falar a verdade.
Me virei na cama, percebendo que meu sono havia passado totalmente. Me ajeitei melhor no travesseiro e desbloqueei o celular, procurando nos aplicativos de streaming algo que eu pudesse assistir. Um pop-up surgiu no topo da tela, o streamer que gosto de assistir estava em live. Conecto os fones bluetooth no aparelho já animada por saber que poderia assistir a live inteira sem me preocupar, já que é domingo e eu poderia dormir o quanto quisesse depois.
Nem dez segundos se passaram desde que entrei transmissão e já precisei abafar uma risada com a mão para não fazer muito barulho.
Spy_0922 estava testando brinquedos de trollagem. Ele leu a descrição da embalagem da caneta de choque e debochou, dizendo que aquilo não era nada. No segundo seguinte ele apertou o botão da caneta, dando um grito estridente e pulando de sua cadeira gamer para trás; eu não aguentei a cena. No chat ao vivo só haviam risadas e mensagens zombando do jeito covarde do garoto. Eu era do time que apenas ria muito de tudo que ele fazia.
Não me lembro bem quando comecei a assisti-lo, mas sei que gostei dele logo de cara. Seu jeito engraçado e espontâneo na minha tela me fazia ter a impressão de que éramos amigos de infância, apesar de eu nunca ter visto o seu rosto, pois tudo que girava em torno dele era um completo mistério, a começar pelo seu nome verdadeiro que nunca foi revelado.
Na maioria das vezes, Spy entrava nas lives fazendo cosplay de algum personagem. Quando ele não estava fantasiado, usava uma máscara de raposa que não nos permitia ver seu rosto. Além disso, ele ainda usava um efeito que escondia sua voz original. Acho que não está nos planos dele ser reconhecido pelas pessoas na rua. Bem, talvez tenha sido esse mistério que o fez ficar tão popular na internet.
Eu não vou julgá-lo, às vezes também tenho vontade de me esconder atrás de uma máscara para não ser incomodada por ninguém. Deve ser ótimo ter esse tipo de paz.
Abaixo um pouco o volume dos fones, prestando atenção ao meu redor. Kyujin havia parado de chorar e tudo estava silencioso novamente. Subo o volume novamente e me prendo na live, vendo Spy mostrar sua coleção recém-completa de figures action dos Vingadores, que era muito linda, por sinal.
Sinto minhas pálpebras pesarem e, dois bocejos depois, eu sabia que precisava dormir. Comento um boa noite no chat ao vivo e saio da live, bloqueando o celular e finalmente deixando o sono tomar conta de mim por completo.
[...]
É impressionante como meus pais nunca me dizem as coisas que eu deveria saber. É a segunda vez que os Lee vêm à minha casa e eu não fui avisada de novo, assim como na primeira vez.
Um mês tinha se passado desde que Kyujin nasceu e a família de Minho viria conhecer a criança que, por pouco, eles não viram nascer em nossa sala de jantar naquela noite.
Ajudei minha mãe a dar banho e vestir a bebê; escolhi para ela uma roupinha branca e vermelha e prendi em seu pulso a pequena pulseira de ouro com seu nome gravado, presente que foi dado à ela pelos nossos avós paternos.
Depois de babar pela minha garotinha por tempo suficiente, eu subi para me aprontar. Coloquei uma calça jeans de cintura alta e uma blusa de tricô listrada em tons pastéis. O básico do básico. Não vou gastar meu tempo me arrumando, não é como se eu fosse ver alguém importante. Muito pelo contrário, apenas vou ver alguém desagradável que não me traz felicidade alguma.
O som da campainha foi minha deixa para correr para a porta e receber os convidados. Os Lee trouxeram presentes para minha irmã e chegaram muito mais sorridentes do que da primeira vez. Parece que crianças melhoram mesmo o humor de qualquer pessoa.
Já na sala, todas as atenções eram direcionadas à Kyujin. Eu meio que já me acostumei com isso, é natural.
Até agora, eu estava ignorando Minho com sucesso, mas, quando nós dois esticamos o braço simultaneamente para pegar o mesmo petisco na mesa de centro, nossos olhares se cruzaram. Foi como levar um choque quando nossos dedos se encostaram por uma fração de segundos. Puxei minha mão bruscamente, assustada com o que tinha acabado de acontecer.
— Eu vou ao banheiro! — exclamei alto, levantando com pressa dali. Meus pais me olharam estranhando minha reação.
Me enfiei por entre o corredor de casa e entrei no banheiro do térreo, batendo a porta atrás de mim. Levo a mão ao peito, tentando controlar a minha respiração e vejo meu reflexo no espelho. Não sei porque estava tão assustada.
Me recompus depois de jogar água no rosto e voltei à sala. Obviamente eu dei o meu melhor em fingir que nada havia acontecido e me servi com um suco de laranja, o tomando enquanto fingia prestar atenção na conversa dos adultos. Minho estava apático, com o mesmo semblante de poucos amigos de sempre, não parecia sequer ter percebido que nossas mãos se tocaram. Bom, na verdade isso é ótimo.
Vejo que Kyujin dormia profundamente no colo da Sra. Lee e penso que ela podia estar com os braços cansados. Minha mãe parece pensar a mesma coisa, já que foi em direção à mulher para pegar a bebê.
— Pode deixar, mãe, eu coloco ela no berço — me adiantei, recebendo a pequena dos braços da Lee.
— Oh, eu poderia niná-la o dia inteiro sem problema nenhum — ela brincou, se despedindo de minha irmãzinha.
— Não queremos te cansar, Sra. Lee — sorri amigavelmente para ela. — Eu já volto pra pegar o bebê conforto, mãe. — apontei com a cabeça para o objeto que estava no chão entre a sala de estar e a de jantar.
— Deixa que eu levo! — de costas, eu paralisei com a fala do garoto.
— Ah, muito obrigada, Minho — minha mãe agradeceu, embora eu não achasse que existia um motivo para agradecimentos. — A Kyra vai te mostrar o caminho.
Revirei os olhos. Ninguém estava vendo meu rosto mesmo.
— É por aqui.
Nós subimos as escadas em silêncio, exceto pelos arfares de cansaço e dificuldade que o Lee dava ao carregar o bebê conforto escadas a cima. Ele é tão fraco assim? Puff. Chega a ser patético.
— Pode deixar aí no chão — eu disse, passando pela porta do quarto. Ele me obedeceu, deixando o objeto. — Pode voltar lá pra baixo, eu já vou.
Coloquei Kyujin no berço e a observei, me certificando que ela não acordaria ao colocá-la ali. Ajeitei a babá eletrônica em cima da cômoda branca para caso da bebê chorar e me virei, apenas para ver que Minho não tinha movido um passo sequer.
— Por que tá parado aí? Falei pra descer.
— Eu só tava dando uma olhada no quarto. É fofo — ele caminhou para perto dos nichos onde algumas decorações em tons pastéis estavam expostas.
— Como isso funciona? — o garoto apontou para a babá eletrônica em minha mão.
— É basicamente como por uma escuta num lugar — abaixei o tom de voz para não incomodar a bebê. — Se ela chorar eu consigo ouvir de outros cômodos.
— Hm... entendi... — sua expressão era pensativa. — Mas e se você estiver na rua, ainda consegue ouvir? Quantos metros essa coisa tem de alcance? Onde posso comprar uma? Ela usa pilhas ou...
— Minho! — o fiz parar. — Vamos logo pra sala!
— Só mais uma pergunta!
Analisei a sua feição curiosa. Respirei fundo e assenti, o deixando falar.
— Foi você quem comprou aquilo? — acompanhei o olhar de Minho, ele se referia à pequena Anya de pelúcia, personagem de Spy x Family que o garoto da cafeteria havia dado à Kyujin.
— Não — encarei sua face que ainda era curiosa. Ele está interessado demais nisso. — Por que?
— Hm... é q-que... — ele gaguejou e eu me diverti com isso. — Eu nunca vi desses pra vender e queria comprar pra minha prima que vai fazer aniversário.
Minho falou a última parte tão rápido que eu quase não entendi o que ele estava dizendo. Pra ficar claro, eu sabia que Seungmin tinha dado a boneca de presente para minha irmã, mas eu com certeza não diria isso à Minho. O motivo para isso? Eu não faço a menor ideia.
— É porque não estão à venda. Um garoto me deu.
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