16| Só quero ser amada
Naquela segunda-feira o dia acordou nublado, não havia sol e nem o cheiro de panquecas que normalmente vinha da cozinha.
Chequei o relógio vendo que ainda eram sete horas da manhã, pelo menos não estava atrasada.
Revirei na cama com o estômago roncando, vi Half deitado no carpete atento aos meus movimentos.
Será que esse era o cachorro dele?
Eu não poderia mentir, eu estava curiosa sobre o filho deles.
Não havia nada aqui nesta casa que demonstrasse a possível presença de um filho e eu sei que Jonathan não conseguiria responder as perguntas que eu tinha a fazer.
Levantei-me com preguiça, odiava segundas feiras e odiava muito mais por saber que seria um dia daqueles.
Já no banheiro, optei por não tomar um banho, quase que sentindo que tudo ali deveria ser conservado em memória dele.
Escovei os dentes pensando em quantas vezes ele já não teria feito isso ali, em quantos anos ele tenha se visto crescer por aquele mesmo espelho.
Penteei meus cabelos castanhos e escolhi deixá-los soltos.
Já vestida com um suéter vinho e uma calça de moletom preto desci as escadas com a mochila nas costas.
Maggie já estava lá, sentada na bancada tomando seu café fumegante.
— Bom dia. — desejei baixo e desanimado.
— Bom dia, Milly. — ela se virou me dando a visão de um prato já feito com uma maçã e cookies. — Você não jantou ontem.
— Acabei dormindo, eu acho. — menti.
Ela sorriu gentil enquanto a culpa se afundava em mim, muito mais do que eu merecia.
— Coma, eu fiz uma lancheira para você levar. — ela disse se levantando. — Tem alguns cupcakes aqui dentro.
A mulher colocou a pequena bolsa em minha frente e logo depois retornou para sua xícara.
— Não precisava, mas, obrigado. — agradeci culpada.
— Claro que precisava! Tem uma boa quantidade para que você possa dividir com seus colegas. — ela acrescentou. — Já que você não os traz aqui.
Embora parecesse um sermão de mãe, sua voz estava bem humorada.
— Bem, ainda não surgiu a oportunidade.
— Chame-os para dormir aqui na quinta, o que você acha?
— Eu vou perguntar para eles. — garanti sendo sincera.
Ainda olhando para ela, percebi que seus olhos estavam com um brilho diferente, muito diferente do meu primeiro dia nessa casa.
Talvez estivesse funcionando, talvez eu estivesse mesmo preenchendo um vazio neles.
— George não saiu com Half hoje? — perguntei me lembrando que o cachorro acordou no meu quarto.
— Ele quis ficar um pouco mais na cama comigo. — Ela garantiu feliz e eu sorri maliciosa para ela. — Não! Te proíbo de pensar isso!
Ela riu, soltou uma gargalhada envergonhada e sem querer, eu ri junto.
Quando vi, não pude evitar, era contagioso estar ali.
— Eu não disse nada. — levantei minhas mãos, me rendendo enquanto a mulher corava na minha frente. — Vocês parecem felizes.
— Nós estamos, você tem ajudado muito nisso. — ela disse e meu sorriso morreu, agora fazia sentido essas frases.
O ônibus buzinou na esquina e eu apenas me despedi dela com um aceno e saí daquela casa com uma lancheira em mãos.
……………………………………………
— Esses cupcakes são realmente viciantes. — Luke exclamou. — Tem certeza que não colocou maconha nesse negócio?!
O loiro comia seu terceiro bolinho junto com Alyssa, Sarah acabou não aceitando por não gostar muito de doces.
Os bolinhos estavam realmente muito bons, Meg cozinhava sempre as melhores comidas.
— Não fui eu quem fiz, idiota. — respondi. — Foi Maggie.
— A sua host mom? — perguntou Alyssa e eu assenti.
— Ela definitivamente tem mãos de fada. — Luke falou lambendo os dedos sujos de glacê.
Os horários passaram sem que eu nem conseguisse prestar atenção nas aulas, estava atordoada demais para isso.
Percebi apenas que Chase não estava na aula de inglês.
— Ela chamou vocês para dormirem lá na quinta. — revelei sem nenhum entusiasmo.
— Vou morar lá se ela fizer essas delícias todos os dias. — disse o loiro enquanto comia a metade do bolinho que era meu.
— Come direito seu porco. — Alyssa zangou com ele enquanto Luke colocava um bolo inteiro na sua boca.
— Assim? — perguntou ele, irônico, enquanto mastigava de boca aberta para uma Alyssa enojada.
— Idiota. — ela soprou irritada.
— Você tem algo a nos contar, Milly? — Sarah perguntou maliciosa balançando as sobrancelhas.
Dobrei minhas expressões fingindo que não fazia noção do que ela estava falando.
— Ah sim! — Luke exclamou altamente animado. — Conte-nos o que aconteceu depois daquela festa.
Sarah me olhava animada, com expectativa enquanto Alyssa apenas se fazia de desinteressada.
— Não rolou nada demais.
— Como assim nada demais? Nem um beijo? — A de véu se desapontou.
— É, defina o seu nada.
— Ele só me levou para casa.
— Como assim só? — Alyssa se pronunciou em fim. — Nós nunca vimos uma garota se quer além da irmã dele subir naquela moto.
— Não foi nada demais gente. — tentei sem sucesso acabar com o alvoroço. — Ele se acha no direito de acabar com a minha diversão.
— Se não aconteceu nada demais, porque ele não para de te olhar desde que você entrou nesse refeitório? — perguntou a de véu.
Olhei para os lados, encontrando-o em uma mesa de canto bem perto da cozinha, com Dayse.
Seus olhos estavam queimando em mim, tão focados que a minha mente não conseguia gerar uma explicação lógica para aquilo.
Eu simplesmente não conseguia entender, talvez ele fosse bipolar.
É possível odiar alguém, culpá-la e depois oferecer para fode-la em menos de vinte quatro horas?
Ele era um mistério, que eu talvez não quisesse desvendar, mas, em todas as vezes que tinha a atenção dele em mim me sentia fraca, fora de órbita e isso mexia comigo de uma forma que eu não conhecia.
Ele parecia muito mais profundo que só o segredo dos Davies.
— Ele é estranho, estou começando a considerar uma denúncia de perseguição. — Brinquei.
— Minha nossa senhora da bicicletinha sem freio, quem me dera ser perseguido por ele. — Luke suspirou em um falso desejo.
— Sério gente, ele é só um amigo da minha host family, nada demais.
— E o cara mais gostoso dessa escola também. — Alyssa acrescentou. — E toda essa atenção dele em você não é nada óbvia.
E então, como se atendendo às minhas preces, o sinal tocou.
Me levantei com Sarah em meu encalço para a próxima aula que tínhamos juntas, deixando que Luke e Alyssa tomassem seu próprio rumo.
Antes que eu colocasse os pés para fora do refeitório, mãos suadas tocaram meu pulso.
— Como você está?
— Eu estou bem. — Respondi para Chase, vendo a preocupação doce nos seus olhos.
— Fiquei com medo de que não quisesse mais olhar na minha cara depois de sábado.
— Porque eu faria isso?
— Jonathan. — foi vago, apenas o nome explicava.
— Não me importo com o que ele acha, desculpa por toda a cena na festa.
— Vai ter outra semana que vem, na minha casa. — ele anunciou. — Quero que vá fantasiada, é para o halloween.
— Eu não disse que eu iria. — Ri da expressão engraçada que se formou na sua cara. — Mas sim, eu vou.
— Bom, a gente vai se falando?
Concordei com a cabeça quando me lembrei de Sarah ao meu lado.
A de véu observava tudo calada, logo depois Chase apenas acenou com a cabeça para ela e saiu andando.
— Achei que nunca ia acabar. — a garota lamentou.
— Desculpe, pelo menos temos mais uma festa para ir.
— Nunca mais vou em uma festa.
Olhei confusa para a garota que andava no meu ritmo.
— Não é nada do que eu pensei. — ela explicou.
Eu respeitaria aquilo, afinal, Luke ainda toparia ir comigo.
Apenas concordei entrando dentro da sala.
……………………………………………
— Acho que vou abrir uma seita. — Luke falou no ônibus de volta para casa. — Olhando para mim, sou tão bonito quanto Jesus.
— Seu idiota, Jesus era inteligente. — Alyssa retrucou. — Seu Qi corre o risco de ser negativo.
A morena resolveu voltar de ônibus conosco, pois seu carro estava no conserto.
Sarah por outro lado tinha ido com o pai.
— Me surpreende que ele acredite em Jesus. — Eu disse entrando na onda.
— Eu não acredito. — simplesmente disse rindo.
Estava a algumas quadras da minha casa, tudo o que eu tentava fazer era me preparar para não acabar deixando algum vestígio de que eu sabia algo.
Seria difícil daqui para frente, enfrentar tudo isso fingindo que está tudo bem.
— Gente, estava pensando. — o loiro se pronunciou tagarela. — Acho que irei de cowboy sexy ou guitarrista fantasma, o que vocês acham?
— Guitarrista. — a morena respondeu.
— Concordo, nem sei de que eu iria.
— Vai de Freira, vai combinar direitinho com sua castidade.
— Ha. Ha. — ri irônica.
— Acham que eu quebraria muito o tabu se eu fosse de saia? — perguntou ele me mostrando uma foto do Pinterest.
— Com certeza. — eu disse. — Mas uma mini saia combina mais com você.
— Irei usar uma quilt. — disse por fim.
O ônibus parou e eu peguei minha mochila, me despedindo dos dois com o peso de uma bigorna nas costas.
Era realmente como se eu estivesse vivendo com um fantasma pendurado em meu encalço.
Assim que passei pela porta, o cheiro de comida preencheu meu olfato e então a mesa posta entrou no meu campo de visão.
— Oi querida! — Meg me comprimentou animada ao lado de George na mesa. — Sente-se aqui.
Eu precisava inventar uma desculpa, qualquer coisa boa o suficiente para não me fazer enfrentar isso, eu desabaria na frente deles.
— Estou sem fome hoje, vou subir para me trocar.
Sem esperar uma resposta, subi as escadas sem olhar para trás.
Quando cheguei no quarto, Half estava deitado no pé da cama e dormia tranquilamente.
Quando notou minha presença levantou a cabeça abanando o rabo.
— Oi garoto! — Dei um rápido carinho entre suas orelhas.
Tirando rapidamente minha roupa, fui para o banheiro e tomei um banho rápido no chuveiro mesmo.
Aquela sensação me atingiu, de que essa era a vida de outra pessoa.
Eu não merecia nada disso.
Quando saí, me vesti e deitei-me na cama ao lado do cachorro que gostava mesmo daquela cama.
Será que ele sentia falta do dono?
Ele também me via como uma substituta?
Duas batidas típicas na porta e um respiro profundo meu, o suficiente para me tirar dos devaneios.
— Oi.
— Oi querida. — Os olhos dela me encaravam com carinho, abrindo mais o buraco no meu peito. — Você está bem?
— Eu estou. — menti. — Porque a pergunta?
— Porque você está agindo estranho. — foi direta. — Desde a última madrugada… eu estou aqui, sabe, para conversar até o dia da sua consulta.
— Eu ainda não entendo porque o Jonathan se preocupou em vir dizer sobre mim para vocês.
— Nós também não entendemos de início, mas ele insistiu tanto.
— Isso é… estranho.
— Depois de ontem, não é uma ideia tão ruim. — Sua voz foi doce enquanto ela sentava ao meu lado e batia as mãos no colo. — São frequentes?
— As vezes, é impossível esquecer algumas coisas. — Suspirei tentando me manter firme enquanto deitava no colo dela.
— Eu sei… — ela também suspirou penteando meus cabelos com o dedo. — Sei como algumas coisas nunca saem da nossa cabeça.
Eu não senti mais a necessidade de falar alguma coisa, apenas fiquei lá, sentindo seus dedos pelo meu couro cabeludo enquanto segurava o choro.
Eu era boa nisso, fingir.
— A minha mãe era uma pessoa ruim Meg. — confessei dolorosamente. — E ela fez coisas ruins comigo.
— Tudo bem, pequena. — soou calmamente. — Está tudo bem.
Sua mão afagava minhas madeixas com carinho, havia tanto amor naquele toque, tanta compaixão.
Nunca havia sentido aquilo, nunca soube que aquele sentimento existia.
Queria mais, queria que todos os meus momentos ruins fossem substituídos por aquilo, era bom e eu me sentia amada.
Ela não precisava soltar as três palavrinhas para que eu me sentisse amada, parecia real, implorei para que fosse, que Jonathan tivesse mentindo.
— Foi tudo culpa minha, Meg. — A primeira lágrima caiu e eu não me importei. — Ele me tocou e eu não fiz nada, ela ficou com inveja.
— Querida… — ela chamou e eu olhei para ela. — Não. Nunca mais diga isso.
Mais lágrimas acompanharam a primeira, entendimento no olhar da mulher.
— Não. — Disse ela novamente. — Não se culpe por algo que jamais teria como ter evitado.
— Você não entende… eu estava mal vestida e…
— E ele foi um filho da puta escroto.
Suas palavras, nunca ditas a mim antes, pesaram muito mais.
Ela estava mentindo… a culpa era minha, toda minha.
— Olhe para mim. — pediu gentil. — Você desejou que acontecesse?
Perguntou ela, não parecendo que fosse me julgar e eu neguei com a cabeça.
— Então porque a culpa pesa em você como um arrependimento? — perguntou óbvia enquanto eu chorava mais. — Deve apenas se lembrar que quem errou foi ele, quem te violou sem permissão foi ele.
“A culpa é completamente dele e da negligência de sua própria mãe.”
Continuou sua voz com raiva, não de mim, era diferente, ela estava com raiva deles.
Sem saber porquê e como fazer, abracei sem jeito a mulher, sem conseguir segurar o choro.
Eu tinha tudo o que sempre sonhei e achava impossível, eu queria viver aquilo, sabendo desde o início que duraria apenas um ano, era fácil aceitar que não era a minha vida.
Eu poderia sim, ser egoísta pensando em mim dessa vez, queria mais do que tudo no mundo viver aquilo.
— Obrigado Meg… de verdade. — suspirei pesado no meio do abraço. — Obrigada por ser a mãe que sempre desejei ter.
E então, as lágrimas da mais velha molharam meu pescoço silenciosamente, como se ela já houvesse chorado tantas vezes em silêncio que já não sabia mais outras formas de chorar.
Senti seus braços me apertarem mais junto dela e com isso mais lágrimas desceram dos meus olhos.
— Preciso te contar uma coisa, Milly. — Me desfiz do abraço e olhei nos olhos dela.
Estavam agoniados, as palavras que sua boca não conseguia dizer estavam expressadas ali.
— Eu sei. — disse por fim, vendo-a suspirar de alívio. — Jonathan me contou.
— Deus… eu. — assenti.
— Está tudo bem, eu entendo. — e voltei para o abraço, ouvindo seu coração bater forte enquanto continuávamos ali naquele momento que eu não queria que acabasse.
Nós duas, embora vestidas de roupas, nuas de emoções.
Tudo explícito, naquele momento, senti que conhecia mais aquela mulher do que jamais tinha conhecido minha mãe um dia.
Notas da autora
SAIUUUUUU MORANGUINHOS!
O 1K da gata no insta saiuuuu
Por isso, estou postando esse capítulo para vocês hoje!
Muito obrigado, sério gente, amo muito vocês.
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