15| Band aid emocional


Existem coisas na vida que simplesmente não tem uma explicação lógica ou racional, elas só acontecem sem nenhum motivo aparente.

Essa era uma dessas coisas canônicas, Jonathan Hamilton.

O garoto intrometido e arrogante que eu deduzi que ele era, caiu por terra bem na minha frente, suas palavras me atingiram muito mais forte do que todas as desconfianças que eu tinha sobre essa família.

Acho que as ideias têm menos impacto quando existem só na sua cabeça, é meio que uma linha tênue entre a paranóia e uma realidade não muito distante.

Ali a verdade era que eu estava, esse tempo todo, sendo o band aid de uma ferida grande na vida dessas pessoas, isso explicava todo o comportamento estranho e cada sentimento de pertencimento que tive aqui.

Era tudo uma ilusão.

Estavam apenas agindo como se eu pudesse substituir alguém, isso era tão estranho.

— Eu não sabia. — sussurrei a única coisa que eu poderia falar no momento, tão baixo que tive dúvidas que ele pudesse ter ouvido.

A única coisa que eu sabia ser seguro dizer, eu já não tinha mais certeza de nada neste momento.
Parecia que eu estava pisando em superfície solúvel e ia afundar a qualquer momento.
Uma areia movediça seria mais firme que as emoções dele agora.

Jonathan ainda estava na minha frente, olhando para qualquer canto menos para mim, parecia ser doloroso demais fazê-lo.
O garoto não passava de um simples espectro transparente ali, expondo-se dolorosamente a mim.

— E como poderia. — exclamou debochando. — Você não passa de uma egoísta.

Quis gritar com ele, quis arrastá-lo daquele quarto, quis que ele entendesse que a culpa não era minha, mas sei que qualquer ato de ignorância a mim era um reflexo de algo muito maior, eu tenho certeza de que ele precisa de alguém para quem botar a culpa.

Eu seria esse alguém se fosse preciso, pois quando foi comigo, não havia ninguém.

— Como ele morreu? — perguntei suavemente ignorando seu ataque.

— Acidente de carro. — foi breve, seus olhos ainda não estavam em mim.

— Eu sinto muito.

E realmente sentia, sentia coisas demais em relação aquilo.
Senti que eu estava invadindo, que eu não fazia parte daquele quebra cabeça.

Escutei ele engolir em seco em meio a todo silêncio.

— Tem que me prometer que não vai dizer que eu contei. — algo pareceu encaixar na sua cabeça bagunçada.

— Eu prometo. — igualei nossos tons. — Se… me prometer algo em troca.

Entendo toda a dor que ele sentia, mas, ele revirou coisas do meu passado, me humilhou publicando aquele vídeo e eu não queria que ele se mantivesse perto demais de mim.

Ele não era o único invadido ali.

O Hamilton hesitou um pouco, mas, aceitou calmamente:

— Peça.

— Quero que fique longe de mim e de qualquer coisa relacionada a minha pessoa.

Suas expressões relaxadas e dolorosas rapidamente se transformaram na máscara arrogante de sempre, um sorriso abriu o canto dos seus lábios, um olhar duro recaindo em mim.

Lá estava a máscara, escondendo tudo novamente.

— Não posso. — Sua voz agora não carregava nenhum sentimento a não ser escárnio. — Sinto muito.

— Então eles terão que saber.

— Eles saberiam de um jeito ou de outro, docinho. — ironizou ele, repetindo o mesmo apelido da noite passada.

Seus passos até mim, foram firmados na insegurança, não desgrudou seus malditos olhos da minha cara, procurando qualquer coisa que fosse.
Seu cheiro me invadiu, avidamente amadeirado, me trazendo memórias da noite anterior.

— Por acaso está obcecado em mim? — Provoquei, me arrependendo imediatamente. — Toda essa resistência em ficar longe só te coloca na posição de um stalker, você sabe, não é?

— Docinho… — Disse com o tom beirando a malícia, uma sensação nova e estranha surgindo no meu estômago. — Se eu estivesse obcecado por você, eu não precisaria de muito para te fazer minha.

— Não me chame de docinho! — brandei entre dentes. — E nem nos seus sonhos eu ficaria com você.

Seu sorriso aumentou periodicamente enquanto ele tomava sua postura impecavelmente babaca novamente.

Revirei os olhos.

— Então seria um belo pesadelo, Mylenna. — Disse ele, provocativo.

— É Milenna, não malela, nem mailenna. — Me irritei como uma criança.

Meus punhos cerrados, provavelmente inclinados para trás como uma criança birrenta.

— Eu gosto mais de Mylenna. — Se aproximou mais um pouco, sorrindo zombeteiro. — Me diga, docinho.

Seus lábios já bem próximos tomaram um sôfrego trêmulo, suas mãos seguraram meus pulsos enquanto eu estava perdida demais naqueles malditos olhos âmbar.

Delicadamente ele abriu minha mão fechada e passou seus dedos pelo centro, subindo dali até meu cotovelo, um arrepio acompanhou-o, me deixando totalmente imersa naquela nova sensação.

Eu não sabia ser possível arrepiar sem medo ou adrenalina.
Talvez eu estivesse com medo dele.

— Você gostaria que te fizesse minha? — sussurrou roucamente próximo ao meu rosto. — Bem ali naquela cama, você gostaria?

Por cima dos seus ombros, tive uma visão da cama vazia e arrumada, outro sôfrego trêmulo foi ouvido, mas esse veio de mim.

Seus olhos próximos demais pareciam um espelho, olhando bem para o fundo da minha alma e da lembrança dolorosa que tive bem quando ele chegou mais perto.

As sensações agora pareciam frias, mortas.
Tudo o que consegui sentir foi medo, estávamos sozinhos, ele me tinha à mercê para me machucar.

Quando seus dedos roçaram minha cintura, lhe empurrei com força no abdômen.

Ele cambaleou.

Talvez eu tenha usado força demais por achar que seria mais difícil conseguir lhe afastar, pois, eu nunca havia conseguido afastar Roger, um homem muito mais baixo e desprovido de músculos.

Fiquei esperando que ele voltasse, que tentasse novamente, mas, ele ficou parado lá.

Me olhando confuso, talvez atordoado.

— Me desculpe. — ele pediu se afastando com as mãos para trás. — Eu não quis te assustar, eu me esqueci que… merda, isso deve ter fodido tanto com a sua cabeça.

Ele sabia, sabia que eu havia sido estuprada, ele viu o vídeo, e não satisfeito, mostrou para os Davies.
Era disso que ele estava falando.

— Se fizer isso de novo, vou contar aos Davies. — Repeti, tendo um dejá-vu, certas coisas nunca saem da sua cabeça, principalmente frases que não foram ouvidas e respeitadas.

Ele não disse nada, apenas passou a mão pelo rosto ainda parecendo acordar de um transe, se virou para a porta e simplesmente saiu.

Ele saiu.

Deixando todos os seus demônios misturados aos meus ali, corroendo tudo.

Meus olhos se encheram de lágrimas que não quis deixar cair antes, tudo afogando no peito novamente.

Desde minha mãe atormentando minha cabeça nessa madrugada, ao segredo revelado.
Tudo deixando o ar denso demais para respirar.

Passei a mão pela minha pulseira em formato de rosa e andei apressada até o banheiro.
Liguei a torneira, no quente, e posicionei meus pulsos embaixo dela.

Sentindo a água começar a esquentar absurdamente, queimando levemente minha pele branca.

Respirei, finalmente o ar parecendo mais leve, suspirei aliviada.

A dor, era a única coisa que me fazia sentir humana, era a única coisa que contrariava todos que já me chamaram de aberração, todos que já estiveram certos em me culpar por tudo de ruim.

Olhando-me no espelho, para um reflexo quebrado no vidro intacto, eu via um precipício ao qual eu lutava para não cair.

Tirei minhas mãos gemendo de dor, a pele vermelha recém queimada trazendo uma sensação diferente.
Desliguei a torneira, evitando olhar para a versão mais quebrada de mim no espelho, me sequei.

A toalha de rosto parecia grossa na pele recém sensível, mas eu não me importei, eu faria de tudo para que, assim que saísse dali, me vissem intacta novamente.

Eu queria ser forte, e automaticamente me lembrava de pôr meus espinhos à mostra, vovó só não disse que às vezes as rosas se machucam com os próprios espinhos.

No espelho já havia outra pessoa, intacta, sorriso falsamente esboçado.

Com esse mesmo sorriso, passei pelo corredor ignorando tudo, deixando todos os males no quarto, assim como havia feito Jonathan.

No pé da escada ouvi as risadas dos Davies, conversavam entre os dois quando cheguei na sala de televisão, procurei pelo garoto com os olhos.

Os mais velhos parando de conversar me olharam com carinho.

— Ele já foi embora? — Perguntei a ninguém específico.

— Jonan disse que Dayse ligou e precisou ir. — Foi Meg que respondeu.

Olhei a mulher, vendo que não havia nenhum resquício de tristeza, como ela conseguia?

Como conseguia mascarar tão bem a dor?

— Eu tenho lição de casa. — afirmei usando uma desculpa tão fajuta quanto a de Jonathan.

— Você está bem querida? — A mais velha perguntou.

— Estou. — respondi insegura de que a verdade escorregasse de mim. — Só estou com preguiça.

Ri sem graça para mascarar outra mentira.

— O que você acha de começar a praticar essa semana? — George perguntou ligando a televisão.

Olhei confusa, esperando que explicasse.

— O carro. — disse simples, sorrindo cúmplice. — Vai querer aprender, não é?

— É… eu vou. — respondi. — Vou sim.

Não. Não era meu lugar, era o lugar do filho deles.
O filho morto deles deveria estar ali, dando risadas com os pais e assistindo ao jogo que passava na TV despreocupadamente.

Era o filho deles que merecia estar ali, aproveitando toda a preocupação e carinho de Meg, não era o meu lugar.

Eu não deveria, não merecia ser amada daquela forma.

— Tem certeza de que está bem, querida? — A mulher mais uma vez perguntou.

— Sim, eu vou subir para fazer as tarefas. — E assim o fiz, me desvencilhei dali o mais rápido que consegui.

No quarto, recobrei a respiração e me deitei, na cama que não era minha, pensando em tudo.
Em tudo o que me levou a estar ali, naquele quarto, naquela cidade, cada pequena brecha que me indicasse o porque aquilo estava acontecendo comigo.

Logo quando tentei fugir dos problemas, me surgiram mais.

Era demais para mim, queria ir embora mesmo sem saber para aonde ir, queria fugir de novo.

E pensando em tudo por horas, a coisa mais burra que fiz foi ligar para o Jonathan.

Com o celular em mãos, tentei uma, depois duas e no terceiro toque da terceira ligação, ele atendeu.

— Quem é? — perguntou a voz rouca e sonolenta do outro lado.

Pensei em dizer algo, mas o que eu diria?

“Ei Jonathan, eu sei que eu surtei e agi estranho hoje cedo, mas não consigo parar de pensar no seu amigo morto.”

Patético.

Desliguei então sem dizer nada.

Eu não poderia dizer algo, porque tudo o que eu pensava era uma bagunça de fatos e acontecimentos recentes, seria difícil expressar em uma só frase que chamasse atenção dele.

Tudo o que pensava, era que eu sempre fui e seria um erro.
Nunca haveria um lugar para mim, que fosse rodeado de amor e cuidado, no mundo inteiro.

Eu nunca seria só uma garota comum, assim como Sarah, Alyssa e Madeleine.
Eu era suja e manchada pelo meu passado e presente que insistia em sempre dar errado, eu era diferente e inestimavelmente ruim em tudo.

Após horas, batidas na porta soaram na porta, pelo horário deve ser Meg chamando para o jantar.

Virei-me fingindo estar dormindo, não queria mais jantar com eles.

Tudo era uma farsa que já havia desmoronado e ir para aquela mesa me faria quebrar o conto de fadas deles cada dia mais, pois, eu nunca seria a substituta perfeita, como Jonathan disse.

Eles logo notariam isso.

Ouvi a porta abrir e Meg entrar com passos lentos.

A mulher chegou por trás e meu coração acelerou, senti pena dela e de tudo o que eu sabia agora.
Suas mãos tocaram meu pescoço, bem por cima da artéria pulsante.

Estranhei aquilo, mas continuei fingindo, eu não me importava de pular refeições.

Um suspiro de alívio encheu a mulher e logo uma coberta me cobriu, segundos depois um beijo foi depositado na minha testa.

Seria tão bom se fosse real.

Quando escutei a porta se fechar, continuei parada, pensando se seria tão ruim entrar nessa peça de teatro, se eu seria tão egoísta por desejar como nunca ser amada daquela forma.
Afinal, era até irônico que eles quisessem alguém para amar e eu só desejava, durante toda vida, um lugar para ser amada onde nada desmoronasse.

Com os olhos ainda fechados, senti o sono chegar e meu corpo lentamente se desligar, desejando que nada daquilo acabasse.









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Notas da autora

Oi, gatitos!

Como vocês estão? Como vai a vida de vocês?

Gostaram dos últimos dois cap na visão do Jonathan? Estão sentindo o cheirinho de hot aí?

Então meus amores, perdão pela demora!
Pra compensar já tem outro cap pronto e estou pensando se solto ele amanhã ou sábado.

Já foram lá no insta conferir as novidades? 🤠

Dia 26/06 teremos um novo lançamento meu!
Um Dark romance com suspense e tudo, aguardem Sweet eyes!

Para os que estão perguntando (ninguém): não irei parar de escrever Love's Fault, a história continua normalmente!

É isso, beijos, Gatitos!

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