08| Verdades
O vestiário feminino era um lugar engraçado, apertado.
As meninas ali trocavam de roupas, uma na frente da outra, livremente, sem se importar com suas partes à mostra e eram corpos tão… normais.
Nenhuma menina tinha seu corpo marcado, eram todas tão bonitas e perfeitas que eu me sentia pequena, quase que invisível, sendo a sombra da beleza delas e com vergonha do meu próprio corpo.
Eu não poderia simplesmente me despir ali e deixar que todas se assustem comigo
Que se foda! Eu não vou fazer isso na frente delas.
Entrei na cabine do lavabo e me desfiz das minhas roupas vestindo-me com o uniforme de treino das líderes de torcida que me entregaram.
Era hoje o teste para as Cheerleaders e eu já estava me arrependendo só de saber que a tal da Madeleine era a líder delas e também que o teste envolvia testar os limites da experiência básica de balé.
Meu balé não era tão bom, eu só havia feito três meses de aula antes da vovó morrer, mas eu precisava de um esporte no currículo da agência e não estava afim de xadrez nem basquete.
Passei minha mão na pulseira pela quarta vez para me dar forças, para mostrar meus espinhos ao mundo como a vovó havia ensinado. Eu fazia isso bastante, acho que sempre que me sentia ansiosa ou sozinha e com o tempo acabou-se tornando uma mania. Um tique que ninguém nunca notaria.
Sai da cabine sendo olhada pelas outras garotas que cochichavam entre si, o vídeo.
Mesmo após duas semanas as pessoas não haviam esquecido do que aconteceu no refeitório, graças ao vídeo e suas várias versões dele, em que foram ignoradas porque parece que as pessoas gostam bastante de me ver com um pau na boca, para exaltar apenas um vídeo idiota.
O que mais me impressiona é o fato de que esse vídeo não chegou na mão da minha host family, eles pelo menos não comentaram nada, vai ver eles não são muito de internet, mas seria só questão de tempo até que vissem, sendo sincera, o clima já ficou bem tenso na casa depois da visita dos Hamiltons.
Sai do vestuário distraída, dando de cara com a quadra coberta de basquete da escola, onde as meninas já se alongavam para o teste de Cheerleaders.
As arquibancadas estavam vazias, exceto por uma pessoa que se sentava nas últimas cadeiras e que me olhou assim que adentrei o lugar.
Então ele estava duvidando mesmo que eu conseguiria? Panaca.
Entrei com confiança mais a dentro da quadra, identificando Madeleine como a loira que julgava todas as garotas com o olhar. Outra idiota.
— Você aqui, novata? — ela disse desdenhando assim que me viu.
— Algum problema? — Eu perguntei levantando mais o nariz.
Se ela queria competir para ver quem era mais arrogante, nós faríamos isso.
— Ahm — ela olhou meu corpo de cima a baixo, analisando com deboche. — Nenhum.
É claro que tinha, estava no olhar de julgamento dela, a expressão de deboche entre as risadinhas.
— Só que isso é um treino para quem tenha… habilidades. — Essa garota gostava mesmo da própria voz e de usá-la para ser desnecessária.
— Se continuar a reparar em minhas “habilidades” vou começar a pensar que têm interesse em mulheres. — eu disse fazendo aspas com a mão e sua cara se contorceu de nojo, eu também sei ser cruel, bonitinha.
Ela apenas virou-se e não disse mais nada, foi quando eu vi meus amigos entrando na arena.
Era verdade e oficial, eu tinha feito amigos, pessoas que se importavam comigo!
Luke estava a dias ansioso com isso e ele convenceu todo mundo a vir em segredo, eu só sei disso porque Sarah deixou escapar, já tinha percebido a ansiedade do garoto, mas ele nunca admitiria que tal fato fosse verdade.
Madeleine esperou que todas as garotas entrassem e então enfileirou cada uma, eu apenas fiz o que as outras estavam fazendo.
— Vocês receberão um papel aleatório com um movimento que tentarão fazer. — ela sinalizou para uma menina que começou a entregar. — Quem realizar com melhor excelência, entra para as líderes de torcidas.
Uma menina morena me entregou um papel e logo me apressei em abrir, vendo que era uma sequência de movimentos fáceis.
Um Front Walkover seguido de um V superior.
Eu consigo! Fiz isso outras vezes a alguns anos atrás, não devo ter esquecido tudo.
Uma a uma, as meninas da fila foram fazendo os movimentos enquanto a loira e seu grupinho julgava pela aparência das meninas. Quanto mais meninas realizavam seus movimentos, mais nervosa eu me sentia, a quadra ficava pequena e quente, minha língua se contorcendo toda vez que eu mordia minhas bochechas.
Meus amigos estavam ali, era tudo ou nada.
Olhei-os quando chegou a minha vez, todos olhando diretamente para mim, inclusive ele.
Me posicionei da forma correta, com os pés abertos em uma base maior que meu quadril, braços para cima.
Controle a respiração, Milenna.
— Vamos, não temos o dia todo! — reconheci como a voz da Madeline.
Lancei meus braços ao chão, para frente levando meu corpo junto, como deveria ser. Sustentando-me com os braços, abri e fechei minhas pernas em um V e depois as lancei de volta ao chão. Terminando o exercício com excelência, não foi tão ruim!
— É o melhor que pode fazer? — Madeleine perguntou.
— É o que está no papel.
— Sinto muito, mas, você não é qualificada para este esporte, querida. — a loira desdenhou.
— Mas o front dela…— uma menina aleatória comentou.
— Você quer ceder seu lugar a ela, idiota? — Madeleine respondeu a ela e a menina negou com a cabeça.
— Que se dane, eu nunca quis entrar mesmo. — Eu disse, no português, pronta para me retirar.
E é verdade, eu nunca quis entrar nessa merda de líder de torcida, só fui na onda porque todo mundo duvidou e no final, estavam certos. Que se foda Madeleine e essa bosta, eu não ia passar por essa humilhação.
— Ela tá' dentro! — uma voz gritou e eu me virei sem saber quem era.
— Você não pode fazer isso! — a loira retrucou.
— Posso e estou fazendo. — foi Dayse quem disse.
Eu pensei que ela tivesse dito que não fazia mais parte das Cheerleaders.
— Você não comanda mais esse time a dois anos! — Madeleine se exaltou. — Não pode simplesmente voltar do nada.
— Pois saiba que já está feito. — a garota chegou mais perto.— Conversei com a diretora, ela e o time concordam que eu sou a nova coregografista de vocês.
— Você ainda não pode simplesmente colocar qualquer um no time, Dayse!
— Se você não se lembra, o regulamento diz que quem escolhe o time é a coregografista, leia-o Madeleine. — a morena colocou uma mão no meu ombro. — Milenna está no time.
— Claro. — a loira disse em tom debochado. — Isso aqui vai ser uma ruína.
— Que continue a seleção, meninas! — Dayse a ignorou batendo palmas acima da cabeça.
E foi o suficiente para que meninas, mais animadas, continuassem o teste e uma Madeleine, furiosa, saísse da quadra batendo os pés.
Na arquibancada, meus amigos comemoravam com gestos voltados para mim e Jonathan já não estava mais lá, parece que eu ganhei, Hamilton. 01x00 para mim.
Sabendo que eu havia passado no teste, Madeleine talvez não me quisesse na festa dela, mas eu iria de qualquer jeito.
Eu estava confiante nessa última semana, não me sentia tão sozinha mesmo que eu ainda desconfie daqueles que me chamam de amiga, me sinto diferente, de uma forma boa.
— Você arrasou! — foi Sarah quem falou primeiro. — Foi tão engraçado a cara da Madeleine.
— Eu teria feito melhor, você sabe. — Luke retrucou convencido.
— Podia, mas não fez, idiota — respondi com um sorriso travesso, dando continuidade na brincadeira.
— Madeleine se sentiu ameaçada, com certeza. — a cacheada disse.
— Acho que perdemos nossos convites para festa dela. — o loiro lamentou.
— Claro que não, ela nem vai notar a vocês lá. — Alyssa completou.
— Ela com certeza vai notar a Milenna. — a de véu ressaltou e eu fechei a cara para ela. — Desculpe-me, mas ela parece te odiar completamente.
— Ela odeia, porque sabe que a Lenna tem potencial. — Alyssa falava isso muito mais confiante que eu.
Era confortante saber que meus amigos me achavam boa, mesmo que eu discordasse. Não que eu me ache ruim, só não acho que eu vá tomar o lugar de Madeleine, nem é minha intenção para ser sincera.
A loira tem um talento muito bom para ginástica, coisa que eu nunca vou ter no mesmo nível, pois eu nem ao menos completei minhas aulas de balé, e vamos concordar que ela é excepcionalmente bonita.
— Bobagem. — respondi. — As meninas aqui parecem ter uma rivalidade tão desnecessária umas com as outras.
— E tem, elas acham que existe essa coisa de ser superior se for mais bonita. — Sarah retrucou.
— Era assim no Brasil também? — a curiosidade aflorada de Alyssa estava bem nítida nessas perguntas que ela fazia sobre o Brasil.
— Sim, até pior. — disse me lembrando da escola no Brasil. — Lá as meninas brigam por homens como se fossem os últimos na terra.
— Eu também brigaria se esse homem fosse o Hamilton, por exemplo. — Luke disse me provocando, sabendo da minha aversão pelo garoto.
— Se você gosta de feios, nem precisa brigar. — eu respondi no mesmo tom.
— Ele estava aqui, certeza que veio ver você ganhar aquele lugar no time. — Sarah fantasiou.
Sarah gostava muito de ler fanfics escondida dos pais, daquelas bem depravadas que falavam de sexo explícito e de acordo com ela, minha aversão pelo Hamilton vai acabar em um romance de cerquinha branca.
Nem nos meus piores pesadelos!
— Ele deve ter vindo ver Dayse, a irmã dele, sua besta. — eu respondi.
— Eu duvido, ele saiu antes dela aparecer.
— É verdade, ele recebeu uma ligação. — Luke fofocou — Parecia preocupado.
— Bom, o problema é dele. — Fui grossa.
— Não acha que deveria agradecer a Dayse? — Alyssa lembrou. — Se não fosse por ela, esse lugar não seria seu.
— Bom, tem razão. — Olhei a procura da morena na quadra, encontrando-a ainda finalizando os testes. — Mais tarde, quem sabe.
— Mudando de assunto. — o loiro começou. — Com que roupa vocês vão à festa da Madeleine?
— Eu acho que meus pais não vão deixar. — Sarah disse.
— Não falei com minha host family.
— Eu não vou nessa festa. — Alyssa afirmou.
— Ah, você vai sim! — Luke falou com um tom de obrigação. — É a única que dirige aqui.
— Peçam um Uber, eu não vou!
— Alyssa, se você não for, meus pais não vão deixar. — A de véu lamentou.
— Então não vá.
— Se você for, eu te dou um livro de história brasileiro. — chantageei
— Vaca! — ela xingou, sabendo que eu havia ganhado. — Eu vou, seus idiotas.
Era simples, ela queria saber mais de onde eu vim porque Alyssa queria saber de tudo. E nós queríamos carona para festa, então uma coisa conecta a outra.
— De nada florzinha. — o loiro disse rindo da cara emburrada da morena. — Nós também amamos você!
O sorriso do loiro morreu, quando a morena não disse nada, apenas o encarou com um olhar mortal nos olhos.
Luke sorriu travesso e deu a língua para ela, balançando os dedos ao redor da bochecha, igual a uma criança.
Eu e Sarah fomos andando para fora da quadra e Luke nos acompanhou correndo da cacheada.
Fora da quadra tem o pátio gramado onde as pessoas que faziam educação física corriam de um lado para outro fazendo seus alongamentos e treinando para futebol.
Eu não sabia se eu poderia transitar pela escola com meu novo uniforme de treino, então me despedi das meninas e do Luke voltando para o vestiário na quadra sabendo que eles me esperariam para ir embora.
O lugar já estava vazio, as meninas que estavam terminando os treinos já haviam saído após se trocar, eu só entrei novamente em uma cabine e comecei a me despir.
— Milenna? — ouvi alguém chamar. — Você está aqui?
— Estou. — respondi já me vestindo com minha roupa.
— Ah que bom! — a menina relaxou a voz. — Precisava te passar umas informações.
— Claro, só um minuto. — disse terminando de colocar minha blusa de mangas.
Sai da cabine, dando de cara com Dayse também já trocada.
— Você já é uma líder de torcida oficial. — apenas concordei. — Nós temos um cronograma, nada fora do normal.
— Tudo bem.
— Eu preciso passar para você uma tabela nutricional pré treino, uma lista de exercícios para fazer no dia a dia e também preciso pegar suas medidas corporais.
— Ah. — caramba! — Tudo bem.
— Você pode passar na minha casa hoje, mais tarde? — ela perguntou retirando da sua bolsa papel e caneta. — Para a gente acertar isso com mais calma.
— Posso sim.
— Ótimo. — observei ela terminar de escrever no papel e me entregá-lo — É nesse endereço.
Apenas peguei assentindo.
A casa da Dayse… também era a casa do Jonathan.
Será que o idiota estaria por lá?
— Dayse. — Chamei-a antes que ela saísse do vestiário. — Obrigada.
Ela pareceu pensar por um momento, seus olhos brilharam e eles não chegaram aos meus.
— Não foi nada. — E então ela se foi.
Juntei minhas roupas e saí atrás dos meus amigos. Hoje eu, Luke e Sarah iríamos ao parque no carro da Alyssa.
Eles têm se encarregado de fazer isso, apresentar a cidade para mim, e bem, eu tenho amado cada vez mais esse lugar.
Caminhei até o carro preto no estacionamento da escola, entrando perdida na briga entre Luke e Alyssa.
— Como seus pais não te confundem com uma traça de livros???? — Luke perguntou exclamando cruel.
— Vai ver é porque eu não me pareço com você! — a morena replicou — Sua barata albina.
— Você demorou! — Sarah disse para mim. — Eu juro que vou surtar com esses dois.
— Pegar em um livro não vai matar você, imbecil! — Alyssa gritou para Luke.
— Independente!
— Para aonde vamos mesmo? — investi na mudança de assunto.
— Vamos almoçar e depois vamos a um parque que está na cidade. — Alyssa se dispersou da briga, ligando o carro.
— Vê se não mata a gente, sua idiota — O loiro provocou.
O parque estava fechado.
Só abriria depois das 5 pm.
— Bom. — Luke começou. — Eu disse estar fechado.
— Cara, ninguém gosta de pessoas que falam “eu disse/avisei”. — A cacheada retrucou.
— Ninguém gosta de você também. — ele respondeu — Que coincidência!
Os dois tinham essa relação de amor e ódio, na verdade, Luke era assim. Todo passivo agressivo.
— O que vamos fazer agora, então? — Sarinha perguntou.
— Eu posso perguntar aos meus hosts parents se vocês podem ir para lá.
— Seria uma ótima ideia, assim a gente pode ver se tem alguma roupa menos brega nas suas coisas. — o loiro implicou.
— Ei! Minhas roupas não são bregas.
Decidi enviar uma mensagem, mas assim que peguei no meu celular o aparelho de Sarah tocou e a garota se apressou em atender.
— xiii, são os pais dela. — a cacheada alertou e ficamos em silêncio, esperando-a terminar a ligação.
— Tudo bem, pai. — a de véu disse meio chateada, desligando o telefone. — Não vai dar hoje, gente. — ela disse para nós.— Meu pai disse que hoje é importante estar em casa.
— Vamos deixar o parque para outro dia então. — Alyssa tentou e todos nós concordamos.
— Alyssa, eu preciso passar na casa da Dayse. — Comecei. — Será que você poderia me dar uma carona?
— Vou deixar vocês em suas casas e a gente passa por lá. — A morena direcionou-se aos dois enquanto íamos para o carro.
— Tudo bem se você deixar Luke primeiro? — A de véu perguntou e todos nós a olhamos confusos. — Minha mãe vai surtar se eu chegar com um menino na porta de casa.
— Eu acho que o Luke não gosta dessa fruta, Sarah — Alyssa ressaltou e o loiro fechou a cara para ela.
— Pior ainda! você sabe o porquê Alyssa.
— Porquê? — perguntei curiosa.
— Os pais dela são mulçumanos. — A cacheada respondeu.
— Você jura? Se não me contasse! — Luke ironizou.
— Os pais dela acham que o islã condena a homossexualidade. — Alyssa reformulou e nós não comentamos mais nada.
Desde o momento que eu vi Sarah eu fiquei curiosa sobre como era o estilo de vida dela. O islã nunca foi do meu interesse, mas eu com certeza gostaria de conversar com Sarah sobre suas crenças.
— Bom, não podemos contestar então. — Quebrei o silêncio. — Mas seus pais não sabem que você anda conosco?
— Eles sabem, só que a minha mãe gosta de ficar me lembrando de como me portar ao lado do sexo oposto.
— E você pode ir em festas? — perguntei.
— Posso sim, só que tenho de me abster de coisas que rolam em festas. — ela explicou. — Como o álcool.
— Entendo.
Era diferente, mas não significava que eu deveria desrespeitar, afinal, eu também não consumia álcool por motivos pessoais.
O caminho até a casa de Luke e depois de Sarah não foi fora do que eu já estava acostumada, já estávamos fazendo isso a alguns dias.
A cidade era linda, completamente apaixonante e com certeza o melhor destino para intercâmbio.
Os prédios eram deslumbrantes, a arquitetura nada comparado com os de São Paulo e essa diferença me deixava maravilhada.
Nós despedimos de Sarah e sua mãe que já lhe esperava na porta.
— Então, onde fica a casa da Dayse? — Alyssa perguntou.
— Ela disse que é aqui. — respondi entregando o papel que a morena me deu mais cedo e Alyssa deu partida no carro concordando.
A casa dos Hamiltons não era nada como eu imaginava, o gramado morto em frente a casa mostrava o claro desleixo com a casa.
As paredes cinzas desbotadas me lembravam a vibe do Jonathan, morta e cruel.
Bati na porta, olhando para trás e vendo o carro da Lyssa me esperando para uma fuga rápida.
Demorou até que a maçaneta se mexesse, e assim que se mexeu a porta abriu revelando um Jonathan surpreso.
Seus olhos vermelhos como suas bochechas brancas, os cabelos despenteados me faziam querer alcançar a mão para ajeitar.
Seus lábios fechados em uma linha reta, a clara expressão de sono.
Lindo. Um idiota muito lindo.
— O que você tá' fazendo aqui? — sua voz rouca chegou aos meus ouvidos.
— A Dayse está? — Perguntei ignorando-o.
— Ela está no banho.
— Então eu volto de…
— Entre. — ele me interrompeu.
— Eu volto depois.
— Você não ligou. — foi ele quem me ignorou dessa vez.
— Como eu disse, eu volto depois.
— Ela não está no banho. — ele confessou. — Entre.
Porque ele disse que ela estava então? Ele não me queria aqui.
— Eu já disse que..
— Céus, porque você é tão teimosa?! — o mais alto ironizou me interrompendo. — Entre logo, porra!
E eu não entendi porque, mas entrei.
Ele havia me chamado de teimosa e eu o obedeci. Merda Milenna, merda!
Pensei em voltar atrás, mas Jonathan já havia fechado a porta.
O garoto simplesmente entrou para dentro da casa me deixando parada na porta.
Ótimo.
Eu sabia ser uma péssima ideia assim que me lembrei de que eles eram irmãos, mas isso não me impediu de entrar mais ainda para dentro da casa.
Dando de cara com uma sala, na qual não havia ninguém. Por isso entrei no próximo cômodo que era uma cozinha.
Uma cozinha pequena, mas bem arrumada e que também não havia ninguém. Era tão diferente da casa dos Davies, onde mesmo faltando algo, tinha vida e felicidade.
— Dayse já está vindo. — O menino surgiu de um corredor me assustando.
Apenas concordei com a cabeça, sem nada a dizer.
A casa não tinha nenhum porta retrato e era tão arrumada que mal parecia que moravam ali.
Onde estavam os pais deles?
— Porque você não ligou?— o moreno quebrou o silêncio.
— Porque eu não estava interessada.
— Pois deveria.
— Olha só, quem você acha que é para decidir isso?
— Eu não sou ninguém. — ele respondeu vago, seus olhos perdidos. — Só acho que você deveria saber, seria o justo.
— Saber do quê?
— Se você está tão curiosa, deveria ter ligado.
— Eu não estou curiosa!
— Você está, tá nos seus olhos. — ele disse confiante. — Você só é orgulhosa demais para admitir.
— Eu sou orgulhosa?! — desdenhei. — Ah tá bom!
— Não sou eu que pareço criar motivos para me odiar.
— Criar motivos?! — perguntei irônica.— Foi você quem roubou a minha pulseira, se não se lembra.
— Depois de você dizer que não ia me deixar entrar! — ele lembrou. — Não vamos esquecer essa parte.
— Você foi grosso comigo!
— Ah, olha ela! Coitadinha, ninguém pode ser grosso com a novata. — O menino zombou.
Eu não responderia isso, era infantil demais até para mim.
— Você não sabe o que te escondem.
— Cara, cale a boca! — revirei os olhos. — Se os Davies quisessem me contar, contariam.
— Eles contariam se não fosse difícil para eles.
— Olha que legal, eu não ligo!
— Quando eu te vi, pensei que você fosse interessante. — onde ele queria chegar? — Mas você é igualzinho a todas as outras garotas superficiais.
— Você nem me conhece, idiota.
— Ah sim, eu conheço garotas como você, que só olham a própria dor — seu tom de voz era frio conjunto da expressão enojada em seu rosto.
— Vai ver é porque de onde eu venho as pessoas não se importam umas com as outras.
— Ou vai ver você é só mais uma vadia vitimista.
Ai, essa doeu!
— Igual a sua mãe, idiota. — falei no português, adorando o fato de que ele não me entenderia, eu queria que ele tivesse entendido, porque doeu em mim, escutar as mesmas palavras que meu pai disse um dia, eu queria machucá-lo da mesma forma que aquelas palavras machucavam, mas seu rosto apenas se contorceu em uma carranca fria, suas sobrancelhas se comprimindo novamente. Ele não disse mais nada.
— Está tudo bem? — A voz de Dayse surgiu no mesmo corredor pelo qual Jonathan saiu minutos antes.
Concordei para sua pergunta, analisando se o garoto ia falar alguma coisa.
— Eu vou sair. — Jonathan avisou a morena. — Não me espere hoje.
— Tudo bem. — a menina apenas respondeu com uma voz baixa. — Tome cuidado, por favor, Jonan.
— Vou tomar. — ele disse beijando a testa dela. Pelo menos o idiota era fofo.
— Bom, deixe-me buscar sua pasta. — Dayse voltou-se para mim, enquanto Jonathan saia pela porta.
A morena adentrou o corredor e minutos depois voltou com uma pasta.
— Como eu disse, é seu cronograma alimentar e sua lista de exercícios. — ela disse indicando os papéis e pegando uma fita métrica daquelas de médico. — Vou medir você para os futuros figurinos.
Assenti enquanto ela desenrolava a fita e começava a me medir. Primeiro pela cintura, depois quadril e busto. Finalizando nas coxas.
— Qual sua altura? — ela perguntou.
— 1,68 — respondi e ela anotou em um bloquinho.
— É só isso, então.
Assenti novamente, sem o que dizer.
— Obrigada, novamente. — decidi agradecer por fim. — Se fosse por Madeleine…
— Madeleine é uma pessoa difícil. — a morena disse eu apenas concordei. — Você deseja uma água? Ou um suco, talvez?
— Não, obrigada. — neguei. — Posso usar o banheiro?
— Claro, terceira porta à direita. — Dayse indicou o corredor e eu fui em direção ao mesmo.
Não havia quadros na parede, apenas a mesma coloração cinza. Não havia memórias, apenas uma névoa, era isso que a casa me lembrava, névoa.
Contei as portas com os olhos e achei o banheiro, mas algo me chamou mais atenção.
Uma porta preta, aberta.
Era o quarto dele. Tinha o cheiro dele.
Eu sei que não deveria, mas a curiosidade me tomava, me atraía para lá e quando eu vi já havia entrado em seu quarto.
Era escuro, como o resto da casa.
Tinha uma cama no meio do quarto, cortinas na cor cinza, uma mesa e um enorme espelho bem em frente a cama.
As led’s estavam ligadas na cor azul-escuro, reluzindo na parede branca lotada de pôsteres.
Andei mais adentro, explorando o quarto. Havia uma luva de boxe pendurada na parede da cama.
Então ele lutava boxe.
O computador estava ligado na mesa e ao lado havia um aquário.
Fui atônita até lá para explorar mais.
Uma cobra. Uma linda cobra azulada se estendia em um galho no aquário.
Aquilo deveria ter me assustado, mas me deixou maravilhada, era uma animal lindo e exótico. Seus olhos me lembravam os do seu dono, de um escuro profundo.
Desviei minha atenção para o seu computador ligado.
Eu estava doida para saber o que ele escondia. Ele tinha razão.
Talvez se eu mexesse rapidinho, ele não notaria.
Será que ali havia algo sobre o que ele iria me contar?
Na página de entrada havia uma foto dele ao lado de outro menino.
Os dois estavam em uma praia e sorriam, ele tinha um sorriso muito bonito.
Havia uma janela do Google aberta e eu logo me apressei em abrir.
Era uma página no Instagram, com o meu vídeo.
Porque ele teria esse vídeo aberto depois de semanas?
Me apressei em mexer no aparelho percebendo que a conta que postou estava logada no mesmo.
Filha de uma puta!
— Eu esqueci a chave. — escutei a voz do imbecil na cozinha. Droga!
Merda. Eu vou ser pega aqui. Porra!
Seus passos se aproximaram pelo corredor e eu rapidamente entrei dentro do seu guarda-roupa sem pensar em um lugar melhor
E a porta foi aberta, milésimos depois.
Ele entrou lentamente, o barulho dos seus sapatos no chão me torturando. Lembrando-me de que eu sou uma vadia burra.
Pensei se não seria uma boa ideia sair e questioná-lo sobre o vídeo, mas cá entre nós, ele com certeza negaria e seria muito vergonhoso sair do guarda roupas dele.
Que vantagem eu teria por invadir seu quarto?!
A irmã dele me arruma uma oportunidade e é assim que eu agradeço. Parabéns Milenna!
Escutei-o parar de andar. Merda! Ele descobriu e eu vou ser pega aqui. Caralho.
Escutei mais passos, esperando o pior acontecer, mas a porta se fechou e pude ouvir seus passos mais distantes. Respirei sem saber que prendia o ar, foi por pouco!
Ele havia postado o vídeo. Que canalha desgraçado!
Sai do guarda-roupa vendo que ele havia desligado o computador.
Sem mais o que fazer, saí do quarto indo até à cozinha onde Dayse me esperava.
— Bom, é tudo por hoje. — a menina ressaltou novamente.
— Eu já vou então.
— Os dias de treino estão na pasta, se tiver alguma dúvida ligue no telefone que também está na pasta. — a morena disse sorrindo e me acompanhando até a porta.
Eu nem prestei a me despedir dela, apenas fui correndo ao carro da Alyssa. Eu não conseguia parar de pensar nas milhões de formas que eu esganaria aquele filho da puta.
Nem vi quando meus olhos encherem de lágrimas, só prestei atenção quando Alyssa me perguntou o que havia acontecido.
— Não pode contar para ninguém o que acabou de acontecer. — Eu disse com meu sangue fervendo, vendo a cacheada ao meu lado assentir frenética.
O desgraçado havia postado um vídeo, uma montagem que fez toda a escola zombar de mim.
Se ele soubesse que eu já fui obrigada a isso, não faria uma piada tão sádica.
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Notas da autora,
Desculpa a demora, gatitos ❤️
Para todos que me mandaram mensagem perguntando se eu havia desistido da história: NUNCA!
Eu apenas tive duas semanas corridas e peço desculpas por isso.
Espero que entendam, tá aí para vocês, boa leitura ❤️
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