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*Shane*


Quando acordei hoje cedo, Melanie já tinha arrumado as coisas dela. Eu a ajudei a levar até a casa e ela não trocou uma palavra comigo, a manhã inteira. Percebi que não queria conversar, então fui embora.

Agora são 9 horas da manhã e eu estou deitado na minha cama, sentindo falta do calor do corpo dela.

Minha intenção não era tirar ela do meu quarto. Eu vi o quanto se sentiu incomodada comigo ontem, quando viu que eu estava no quarto. Não quero que ela se sinta assim de novo, por isso quis dar a ela um espaço particular.

Mas isso não quer dizer que eu esteja feliz com isso. Tive que reunir todas as minhas forças pra me afastar dela e do meu filho, ou filha - Aqui em Alexandria não tem o necessário pra descobrir o sexo, e a viagem até Hilltop é perigosa com os Salvadores lá fora - mas era necessário. Eu pedi pra ela vir morar aqui, e sei que veio só pra não me magoar. É justo que tenha um espaço só dela.

Mas o que mais me preocupa é nela sozinha naquela casa gigante. Não por causa de espírito ou outra merda do tipo, mas sim por que ela está sozinha carregando um bebê. Sozinha. Se algo acontecesse com ela eu iria me odiar pelo resto da vida.

Não posso ficar pensando nessas besteiras. Vai dar tudo certo. Nós não estamos juntos, eu só sou o pai do bebê que ela espera, eu preciso aceitar isso.

Estive pensando em trazer algumas coisas que eu encontro lá fora para eles. Eu saio quase todo dia, pra procurar coisas, fazer rondas etc. Vira e mexe encontro várias coisas legais. Sempre penso nela, e em trazer pra ela, mas em pensar que ela pode rejeitar, eu desisto.

Hoje eu vou lá fora. Daqui exatamente 15 minutos pra ser sincero. Estou me preparando psicologicamente pois sei que não vai ser nada fácil.

Nunca é.

...

Gabriel abre a porta de uma casa, e eu entro primeiro.

Estamos mais ou menos uns 70 km de Alexandria. Fazemos isso quase todo dia, o que já ta ficando cansativo pois cada vez temos que ir mais longe.

Mesmo assim, aqui estou.

É uma casa simples. Uma sala grande, com uma tv a frente de dois sofás bagunçados. No chão há um emaranhado de roupas jogadas, latas vazias e brinquedos.

Brinquedos. Uma criança morava aqui.

Rezo a Deus pra não encontrar nenhuma criança zumbi, e continuo meu caminho até a cozinha.

Há pouco tempo atrás eu não me importaria em matar nenhum tipo de zumbis. Nem mesmo crianças. Muita coisa mudou de lá pra cá, e hoje em dia eu realmente não acredito que possa fazer uma coisa dessas.

Pois é, a paternidade me deixou sensível.

A cozinha é extremamente iluminada. Janelas sujas e imensas cobrem uma parede quase por inteira, deixando o local com uma luz meio amarelada. Está imunda. Marcas de mãos sujas de sangue estampam a porta da grande maioria dos armários.

De primeira vista já dá pra se notar que não tem nenhuma comida aqui, mas não significa que não tem nada útil pra nós.

Acima da bancada, um faqueiro preto de madeira ainda abriga duas facas restantes. Gabriel as pega e guarda em um compartimento no cinto.

Não quero subir a escada. Não estou com um pressentimento bom, minhas mãos estão suando. Há algo de errado com essa casa, algo de muito errado.

Deixo o padre ir na frente, e mentalizo que não tem motivo para todo esse pavor dentro de mim. Subo a escada.

O primeiro quarto está silencioso. As paredes e a decoração são rosa claro, e dezenas de bonecas estão sorrindo nas prateleiras empoeiradas, em direção a pequena cama no centro do lugar. Não há nada que possamos usar aqui, ao menos que alguém queira brincar de casinha.

O próximo é um quarto de casal. Fotos estão pregadas nas paredes descascadas, algumas razoavelmente tortas. Não há muito a se ver aqui. Uma cômoda antiga guarda algumas roupas, o que é realmente bem útil, então guardo na mochila algumas delas. Na superfície da madeira, há uma pequena caixinha que me chama a atenção. Não está destruída, pelo contrário, está em bom estado. No lado de dentro dela é um porta jóias. Está cheia delas. Algo me diz para guardar aquilo na mochila, e é isso o que eu faço.

Revistamos o pequeno banheiro do quarto, e depois de achar alguns comprimidos voltamos ao corredor.

Há mais um banheiro, e um último quarto.

No banheiro, levamos tudo. Pasta de dente, sabonete, todo tipo de remédios, tudo, inclusive alguns rolos de papel higiênico.

Finalmente, o último quarto é algum tipo de biblioteca para crianças, misturado com uma sala de brinquedos. Eles estão por todos os lados. Carrinhos, bonecas, casinhas, lápis de cor. Tudo jogado no chão, para ser pisoteado por qualquer que fosse a pessoa.

Brinquedos também são úteis. Apesar de não ter muitas crianças na comunidade, todas tem de ter a chance de ter uma infância normal, e brinquedos ajudam. Por isso pego alguns e também coloco na mochila. Também coloco uma câmera fotográfica que estava sobre uma estante, porque me trouxe algumas idéias na cabeça.

Quase passo despercebido por uma porta, entre as estantes. Meu peito se aperta ao notar uma pequena plaquinha azul, onde está claramente escrito "James". Sinto que vou desmaiar a qualquer instante, mesmo sem motivo para isso. Gabriel nota o tremor em minha mão e abre a porta, silenciosamente.

Não conversamos muito em ação. O silêncio é primordial nesses momentos e pode custar sua vida, então é melhor evitar todo tipo de conversa.

O cheiro.

Assim que a porta se abre, o cheiro de algo podre invade meu nariz.

É um quarto de criança. Paredes azuis e janelas prateadas. Desenhos de animais estampam as paredes, coloridos e risonhos, logo acima de mais uma prateleira de brinquedos. Esta, por sua vez, parece ter sido dedicada a guardar coisas de bebê, fraldas, mamadeiras e outras coisas. Guardo tudo na bolsa, inclusive as roupas. Pequenos pedaços de tecido perfeitamente alinhados e separados por cor. Alguém era obcecado por organização aqui.

Minha ansiedade se dissipou quase por completo, quando notei que não havia nada no quarto, além de coisas de bebê. Mas isso não durou muito.

Gabriel engole em seco, e eu me viro para o olhar. É quando vejo.

Até o momento eu não tinha prestado atenção na parede da porta pois estava olhando só pra minha frente.

Mas agora que vi...isso vai me assombrar pelo resto da vida, provavelmente.

Há um berço encostado na parede. Azul claro, com um daqueles véus por cima. A parte estofada tem desenhos de pequenos carros e nuvens bordados no tecido. É lindo.

Seria lindo.

Seria lindo se não estivesse quase completamente manchado de sangue.

Meu estômago embrulha.

A frente do berço, no chão, tem uma manta. Deveria ser muito bonita antes do vermelho que a cobre. Vermelho que um dia foi um bebê.

O rastro segue até o lado do berço, onde uma mulher está sentada, de camisola, com um tiro na testa. Suas mãos estão cobertas de sangue seco, assim como sua roupa. A mesma mancha também está ao redor de sua boca aberta, com pedaços de carne ainda enroscados nos dentes.

Ela comeu o bebê. Ela comeu o próprio filho.

Com a mão sobre o braço da mulher, está um homem. Ele não se transformou. Está de pijama, como qualquer pessoa na hora de dormir estaria, antigamente. Em sua testa, outro buraco tem sangue seco ao redor.

Ele matou a mulher, porque ela matou o filho, e depois se matou.

Deitada no colo do casal com a cabeça para baixo, está outro corpo. Uma garota, uns 10 anos. A mancha nos cabelos indica que morreu do mesmo jeito, com um tiro na testa. Ela também está de pijama, porém sem nenhuma gota de sangue aparente, o que indica que ela morreu pelo tiro, não pela mãe.

O que também indica que o pai, antes de se matar, matou a filha.

Não consigo parar de encarar o pano embolado, em uma piscina de sangue seco no piso.

A mulher se transformou na calada da noite, e comeu a criança. O marido a encontrou e a matou. Não tinha mais como viver com esse peso, então matou a filha pra que ela não sofresse com a cena, e acabou com o próprio sofrimento depois de tudo isso.

Sinto as lágrimas queimarem meu rosto e fecho os olhos com força.

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