Velha Infância


"O meu melhor amigo é o meu amor" - Tribalista.


História recomendada para maiores de 18 anos.




O que as pessoas não sabiam, começou por volta dos doze ou treze anos de idade. Leonardo Petri, Olívia Mourabelli e Anna Ximenes moravam em uma rua chamada Manuel Vieira. O portão da casa de Anna Ximenes dava de frente para o portão de seu primo Leonardo Petri. O de Olívia Mourabelli era ao lado de sua melhor amiga, Anna. Os três se conheceram ainda no jardim de infância quando eles iam para a creche pública.

Anna, Olívia e Léo eram os melhores amigos. Viviam aprontando tudo que garotos em suas idades poderiam fazer. Dentre suas brincadeiras favoritas, o melhor de todos, como dizia Léo, era apertar a campainha dos vizinhos e logo após fugir correndo o mais rápido possível. Mas também se divertiam com o futebol que praticavam no Clube Juventus por ali perto. Anna, Léo e Olívia sempre estavam juntos mesmo quando iam para o clube participar de atividades distintas.

Léo era o tipo de garoto popular que toda escola tem. Todas as garotas do sexto ano estavam morrendo de amores por ele. Léo, na sua vez, era mais simples do que parecia. Embora houvesse crescendo nele poderes possessivos em relação a sua melhor amiga, Olívia Mourabelli. Ele gostava dela, claro, mas era jovem demais para entender o que sentia.

A forma de Léo não pensar sobre isso era namorando as outras garotas que sempre abasteciam seus armários com milhares de presentinhos. Mas ele não se importava com nada mais quando via um cara se aproximando de Olívia.

Naquele mesmo ano, em meados de abril, Léo ficou conhecido com Pitbull. Todos seus amigos o chamavam de Pit ou Bull. Tudo porque ele ficou irritado quando o segundo mais popular da escola inteira, deu em cima de sua prima e Olívia.

Léo estava tendo seu primeiro beijo de verdade num canto do pátio principal do colégio, quando viu Eduardo Reis entregando uma rosa para Olívia com intenção de se aproximar de Anna. Ele empurrou Débora Lacerda quase sem notá-la, correndo o mais rápido que conseguia para atacar Eduardo. Foi um soco sem aviso. Como um feroz cão que atacava somente por não gostar de seu cheiro. E isso custou uma suspensão de quatro dias para Léo.

- Você deu um soco nele, porque ele estava me dando uma rosa? - indagou Olívia quando apareceu para visitar Léo no seu último dia de suspensão. - Por que você faria isso? Estão todos te chamando de Pitbull agora.

Léo olhou para a amiga com a mesma expressão irritada que mandou para Eduardo Reis.

- Isso é culpa sua, por aceitar uma flor daquele cara - ele disse. Apesar de estar ainda de castigo, Léo tinha seu Gameboy Advance em mãos. Se seu pai soubesse que ele estava quebrando as regras de seu castigo, ele nunca mais iria sair de casa. Mas Léo sabia que o pai estava no trabalho e voltaria para casa tarde da noite, assim como sua mãe.

- Eu não sei qual é o seu problema, Pit - disse a prima, Anna, rindo pelo novo apelido do rapaz. - Você sempre age desse jeito quando eu e Lívi estamos falando com outras pessoas.

Léo não respondeu. Quase no mesmo momento em que ia dizendo alguma coisa, ele ouviu o som de algo do lado de fora. Ele se ergueu da cama e foi verificar pela janela aberta de seu quarto.

Havia uma perua estacionando de fronte a sarjeta apertada da Rua Manuel Vieira. Bem ao lado da casa de Anna que esteve à venda por seis longos anos. Ele nunca pensou sobre isso, nem mesmo teve expectativa por vizinhos novos. Léo se sentiu assustado quando viu caixas sendo arrastada para dentro da casa ao lado do domicílio da prima. Se sentiu assustado pelo fato de que não gostava de desconhecidos e nem conhecer gente nova apesar de ser muito popular.

- Vizinhos novos? - disse Anna se esgueirando na janela ao lado.

Para o azar de Léo, os vizinhos novos não eram de longe o que ele poderia querer como vizinhos. O que parecia ser o líder da família que se mudava, era um homem por volta dos quarenta e poucos anos. Tinha cabelos turvos e totalmente brancos. Ele usava um enorme jaleco e tinha um daqueles telefones portáteis na orelha, parecendo irritado com a outra pessoa do outro lado da linha. Falava tanto palavrão que por um momento Léo sentiu que seus ouvidos estavam sangrando por tamanha agressão auditiva.

Segundos depois, seus olhos manualmente caíram sobre dois garotos idênticos que estavam próximos ao homem de jaleco. Um deles tinha o cabelo curto, o outro tinha um corte certinho e usava um terno branco.

- São gêmeos! - disse Olívia ao lado de Léo. - Quantos gêmeos vocês já conheceram na vida?

- Nenhum - disse Anna. - Eles são uma gracinha, não são? Uma única beleza em dobro.

Léo sentiu uma onda de espasmos sobre seus ombros. Quase sem querer, o garoto que usava o terno branco encontrou seu olhar. Léo nunca se sentiu tão nervoso e assustado em toda sua vida. Alguma coisa naqueles olhos negros parecia feroz. Observando aqueles olhos intensos e assustadores de seu novo vizinho, seu lado pitbull saiu para rosnar. Mas ele não esperava que o vizinho novo também rosnasse...

- Cara esquisito - disse Léo desviando os olhos.

- Ah, pare, Léo! Eles são lindos - disse Anna. A sua prima agarrou o punho de Olívia a puxando para fora da casa dele. - Vem, Lívia, vamos dar boas-vindas a eles!

Anna era o tipo de garota que todos queriam estar por perto. Ela era perfeita. Popular. Os meninos queriam beijar Anna e as meninas - mesmo as mais velhas - queriam ser ela. Uma parte nela que Léo mais gostava e temia ao mesmo tempo, era o fato de que ela costumava ter todos como iguais.

Os gêmeos causaram uma coisa ruim no interior de Léo, algo que chocalhava como a cauda de uma cascavel.

Quando ele os viu, se sentiu ainda pior que antes. Não o garoto que parecia descolado. Não. O garoto que usava o terno branco era diferente do outro, mesmo que seus rostos fossem idênticos. Léo nem mesmo conseguia ficar mais de cinco segundos olhando para ele.

- Oi - disse Anna se aproximando dos gêmeos. Olívia sorriu, mas abaixou os olhos. Provavelmente estava envergonhada. - Nós somos seus vizinhos. Eu me chamo Anna.

O garoto que parecia o mais descolado ergueu sua mão. Ele tinha um sorriso encantado quando viu que Anna era exatamente o tipo de garota que se esperava por ter como vizinha. Lançou um olhar rápido para Olívia, e então sorriu para Léo.

- E aí? - disse ele erguendo a mão como algum tipo maneiro de cumprimento. Léo notou que ele tinha um sotaque diferente. Talvez tivesse vindo de algum lugar do exterior do país. - Eu sou o Daniel.

Léo sorriu. Então encarou o outro garoto novamente. Ele não se parecia tanto quanto o tal Daniel. Muito pelo contrário, era até alguns centímetros mais baixo que ele. E Léo também notou que havia uma cicatriz de queimadura debaixo de sua camisa de gola em V que usava por baixo do terno branco, que parecia o uniforme de alguma escola chique.

- Oi, Daniel. - Anna continuou docemente. - Essa é minha melhor amiga, Olívia. Ela mora na casa ao lado da minha. Na verdade, você irá morar na casa ao lado da minha também. Ah, claro, esse é o meu primo, Léo.

O rapaz fez apenas um gesto com a cabeça.

- Legal. Não achei que os brasileiros fossem assim... legais. Nós viemos do Grajaú antes de nos mudar para Mooca. As pessoas de lá nem mesmo chegavam perto da gente - disse Daniel com um sorriso. - Mal chegamos e vocês estão sendo legais.

Anna corou quando ele lançou um olhar demorado para ela. Enquanto aquilo, Olívia retorceu os olhos e Léo queria atacar um idiota que estava paquerando sua bela prima.

- Nós viemos de Londres - continuou Daniel. - Aquele é meu irmão. - Ele apontou para seu irmão gêmeo que erguia uma caixa que tinha um nome escrito com caneta pincel - Natan. Ele é meio esquisito, mas com o tempo você se acostuma.

Anna riu, e Olívia lançou um olhar curioso para Natan. Léo notou o homem de jaleco ajudando Natan a levar sua caixa para dentro da casa.

- Você gostaria de ajuda com a mudança? - Léo ofereceu mais por educação do que por qualquer outro tipo de interesse.

- Opa, seria ótimo - retorquiu Daniel. - Eu não gosto que meu pai ou Natan toque nas minhas coisas mesmo.

Quando notou, Léo, Olívia e Anna estavam ajudando o excêntrico senhor de jaleco que Daniel chamou de pai.

- Walter. É nome dele - disse Daniel antes que Léo perguntasse. - Ele é, tipo, um cientista. Ela vai usar a nossa garagem como parte de seu laboratório. Mas ele vai mesmo é dar aula na universidade federal da cidade. Essa casa era dos avós deles, por isso mudamos para cá, para cortar alguns custos como o aluguel.

Isso era uma coisa do qual Léo não podia entender, afinal não era ele que pagava as contas. Seus pais o mimavam com todo tipo de coisa que quisesse. E ele tinha sempre mais dinheiro que seus amigos. Não se via em momento algum tendo que cortar um monte de coisas de sua vida, porque o dinheiro era fácil de conseguir.

Seus pais eram donos de uma pequena empresa em ascensão de aparelhos tecnológicos e estavam fazendo mais dinheiro do que passaram a vida inteira como assalariados. Computadores estavam em alta. Seus pais eram sócios do Sr. e Sra. Mourabelli e seus tios, Julia e Renato Ximenes. Eles tinham uma vida estável até então, embora mais trabalhassem do que estavam em casa.

Quem tomava conta dos três amigos da Rua Manuel Viera era o irmão mais velho de Léo, Leandro Petri. Leandro estava no ensino médio, e era um daqueles típicos adolescentes que achavam que o mundo o odiava. Ouvia The Smiths e Joy Division, e se pudesse chorava sem motivo algum. Mas Léo também sabia que Leandro gostava de usar algumas coisas impróprias que se seu pai soubesse, ia mandá-lo para a FEBEM.

- Você irá estudar na nossa escola? - perguntou Anna. Ela estava perguntando a idade de Daniel enquanto ao mesmo tempo encaixava alguns troféus em umas prateleiras. - Nós estamos na sexta série.

- Eu também. - Daniel pareceu fascinado. - Legal, vocês estudam na escola na rua debaixo?

- Sim - respondeu Anna, mais animada que o normal. - E temos aulas complementares no Juventus! Nossos pais acreditam que nos mantém fora das marginalidades da rua enquanto estão no trabalho.

- Eles não sabem que nós é que somos os marginais - brincou Léo olhando para a grande coleção de bonequinhos da seleção brasileira de futebol dos anos 70 de Daniel. - Aquele é o Mané Garrincha?

- É - respondeu Daniel. - Foi feito por um escultor lá na Inglaterra. Ele era amigo da minha mãe. Me deu como presente de aniversário. Mas acho que ele ficou meio receoso de fazer algo sobre a nossa Seleção. Os ingleses são tão fanáticos por futebol quanto os brasileiros. Eles acham que David Beckham é melhor que Pelé, pelo menos meus amigos achavam...

Léo riu se sentindo finalmente à vontade. Ele teve interesse pela primeira vez em algo ali.

- Onde está sua mãe? - perguntou Anna.

- Não sei - disse Daniel. - Acho que fugiu com o amigo escultor dela. Nunca mais a vi.

Anna perdeu o sorriso, Olívia, que era sempre calada, estava parada na porta do novo quarto de Daniel. Ela parecia acanhada. Mas ao mesmo tempo, ficava olhando por cima do ombro, vendo o irmão de Daniel carregar suas coisas para dentro.

Léo lembrava que Olívia tinha sua personalidade própria, diferente de Anna, mas também sabia que elas compartilhavam a compaixão. Apesar de não dizer muita coisa, Olívia virou para ajudar Natan que tinha mais coisas que o irmão.

Léo sentiu um aperto no coração quando notou que Natan havia sorrido para Olívia. Ambos pareciam se entender com apenas olhares. Os dois não falavam muito. Ele conhecia Olívia o suficiente para saber que ela estava com vergonha; porque quando ela ficava à vontade, não parava de falar o que vinha à cabeça. E quando não falava muito daquele jeito, ela tinha algum interesse particular. Ele já tinha entendido que Anna e Daniel estavam compartilhando interesses mútuos, mas não conseguia decifrar se Olívia e Natan também estavam neste caminho.

Tomado de uma repentina irritação, ele se pós entre os olhares de Olívia e Natan, ajudando o outro a carregar as caixas que ainda faltam subir para o andar de cima.

Elas estavam bem pesadas. Parecia que a maioria das coisas de Natan eram apenas livros. Léo notou que ele era meio nerd quando no meio das coisas dele também havia prêmios que congratulavam seus esforços na escola. Ele tinha troféus por ganhar algum torneio de soletração, e também medalhas por ser mestre no piano.

Mas o que mais chamava a atenção eram suas miniaturas de bonecos de filmes conhecidos antigos que Léo nunca assistiu antes. Star Wars, Star Trek... Coisas que ele achava que era de velho, do tempo de seus pais. Havia artigos sobre UFOs em algumas caixas cuja escrita na lateral parecia indecifrável. Natan parecia bem organizado. Diferente de qualquer garoto de doze anos que Léo conhecia.

Na última caixa, Léo notou que ela era mais pesada que as outras. E também tinha um cheiro meio estranho. Algo que o lembrou do velho rato morto que passou dias fedendo dentro do carburador do carro antigo de seu pai. A caixa estava fechada, mas não lacrada. Por isso Léo a abriu. Quando ele tirou a tampa, deixou a caixa cair no chão. Ele se sentiu mais enjoado do que antes.

Havia ossos dentro daquela caixa. Havia coisas felpudas, e o que lhe pareceu sangue com tripas. Ele também encontrou algum tipo de colares e dedos com anéis.

- São coisas de cinema - disse Natan quando descia as escadas e viu sua caixa aberta no chão. - Não são reais.

Escutar a voz de Natan foi esquisito. Era mais fria do que Léo havia previsto. Mas ao mesmo tempo, o rapaz sentia que ele estava rosnando para ele outra vez. Intimamente Léo sabia: aquilo não era de mentira.

- Me desculpe, não quis xeretar - disse ele, engolindo em seco. Olívia estava descendo as escadas no mesmo segundo. - Hei, vamos comer alguma coisa? - ele disse rápido - Vamos pedir dinheiro para o Leandro. Quero comer hot-dog lá no tio Tonico.

Este era um código dos três quando sabia que algo não estava bem e precisavam se mandar o quanto antes. Olívia arqueou as sobrancelhas, e então balançou a cabeça, olhando para escadas acima.

- Anna - ela chamou timidamente, provavelmente achava que gritar na casa dos outros era deselegante. - Vamos comer no tio Tonico!

Não se passou nem meio segundo e Anna estava descendo as escadas com o rosto um pouco avermelhado. Ela parecia irritada pela interrupção de algo que Léo bem sabia o que era. Porém, ele somente agarrou a mão de Olívia e puxou as meninas para fora da casa dos seus novos vizinhos. Eles passaram pelo Sr. Walter em disparada, como se tivessem fugindo de um daqueles monstros dos filmes de terror que Leandro gostava de assistir.

- Hei, crianças vocês são bem-vindas para comer alg... - começou o senhor Walter, porém os três amigos já estavam atravessando o portão baixo e rumando para dentro da casa de Léo.

Léo puxou Olívia para dentro de seu quarto, esperando que Anna entrasse também. Ele podia ouvir o rádio alto de seu irmão tocando pelo corredor. Era o som de uma banda inglesa de que ele não gostava, e sabia que Leandro deveria estar chapado demais para ligar para três garotos de doze anos que nesta hora deveriam estar nas aulas no Clube Juventus.

- O que deu em você? - disse Olívia sentando na poltrona perto da janela, quase sem fôlego. - Você está agindo como um pitbull outra vez? Está de castigo por causa desse seu mau hábito, Léo.

- Olívia, Anna - respondeu sem fôlego. - Não cheguem perto daquele esquisitão!

- Do que você está falando? - perguntou Anna. - Eles são pessoas legais.

- Aquele garoto que você está interessada, não havia nada de errado. Mas escutem: aquele outro, o tal de Natan, ele é esquisito. Não cheguem perto dele!

Olívia e Anna se entreolharam. Elas balançaram a cabeça depois de algum tempo. Mas apesar de elas estarem revirando os olhos para Léo, ele sabia muito bem do que viu e isso o assustava.

Notas da Autora

Gentem,

Desconsiderem se estiver com um nome errado, um errinho de vírgula ou estiver com erro de continuidade... Eu escrevi essa história faz uns, sei lá, 6 ou mais anos. Eu quase não revisei. Só mudei o título e vou continuar a partir do capítulo 8 ou 9, que foi onde parei de escrever.

Obrigada pela leitura <3

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