Capítulo 14 - Coincidências
Boa leitura!!!
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"Nunca tenha certeza de nada, porque a sabedoria começa com a dúvida."
Sigmund Freud
2 anos e 6 meses após o acidente de Nick...
Teodoro
Estou muito ansioso com a chegada da minha filha, sempre quis tê-la perto de mim. Acredito que este é o momento certo.
Ela é a única parte boa que restou do amor da minha vida. Felizmente encontrei uma nova esposa que se dá bem com a Lívia.
Conto os dias para chegar o final de semana e ir buscá-la na casa dos meus pais. Eles nunca se acostumaram na cidade grande e ainda mantêm a pacata granja onde vivi a minha infância e parte da juventude.
Consegui entrar para a faculdade de administração e abri meu próprio negócio de paisagismo. Tudo que sei sobre plantas e jardins aprendi com meu pai.
Conheci a mãe da Lívia quando fui prestigiar um amigo da faculdade que toca violoncelo na orquestra e também estudava administração na época. Ela parecia uma sereia ruiva em cima do palco, me atraindo com seu canto mortal.
Fui ludibriado pelo meu próprio coração e me entreguei a esse romance avassalador pouco me importando de ela ser seis anos mais velha que eu.
Dessa paixão nasceu a Lívia que me fez pedi-la em casamento. Quando nosso relacionamento chegou ao fim minha filha foi morar no interior com meus pais.
Conheci minha atual esposa, Sandra, quando ela contratou o serviço de paisagismo da minha empresa para casa de sua mãe. Com pouco mais de um ano de relacionamento nos casamos e vim morar no apartamento dela.
Saio do apartamento pontualmente as 07h00min da manhã para minha corrida matinal. Sempre trabalhei com meu pai na granja, o serviço braçal me fez ficar atlético.
Na verdade meu pai tinha o hábito de correr pela manhã acho que acabei herdando essa disposição dele. Peguei o gosto pela corrida.
Como acontece há seis meses encontro o rapaz cadeirante e seu acompanhante no elevador que parece ser escravo da pontualidade como eu sou.
Ele está com a mesma cara de aborrecido de sempre, limitando-se a me cumprimentar com apenas um "bom dia" e olha para a porta do elevador em silêncio durante todo o trajeto de descida. Eu quase sou contagiado pela sua amargura.
Eu sempre falo com ele, para por em prática a educação que minha querida mãe me deu, de não ser descortês ou de ser preconceituoso e isso eu jamais faria.
Seu jeito sombrio e reservado me fez não ultrapassar as duas palavras sagradas que troco com ele, porém hoje estou mais animado que qualquer outro dia, pois faltam apenas três dias para a chegada da minha filha que encerrou o ano letivo na cidade em que nasci e virá passar as festividades conosco. Ela iniciará o ensino médio o ano que vem.
Considerando todos esses fatos resolvo arriscar uma conversa mais profunda. O jovem, que deve estar na casa dos vinte anos, encara a porta com determinação e um pouco encolhido na cadeira.
Com toda essa postura ele parece ainda mais amistoso do que seu companheiro que está praticamente largado no espelho do elevador e com cara de tédio. Nunca os vi trocar uma palavra entre si. Estendo minha mão para o rapaz com animação:
− Meu nome é Teodoro, todo esse tempo que dividimos o elevador nunca nos apresentamos.
Ele encara minha mão, em seguida ergue os olhos fitando meu rosto em choque como se eu estivesse o ofendendo com o pior dos xingamentos.
− Ele é deficiente! – O companheiro me fala com uma voz azeda, como se a cadeira de rodas não gritasse esse fato ou eu não pudesse enxergar.
Antes que eu pudesse entender o que se passava e recolher a mão, o homem a aperta e conclui.
− Meu nome é Arnaldo e o do rapaz mal humorado aqui é Nicholas.
− Eu não sabia que minhas cordas vocais também eram deficientes, Arnaldo. Quando quiser que alguém fale por mim eu mesmo solicito.
O rapaz se manifesta, revida entredentes deixando claro o seu descontentamento. Felizmente as portas do elevador se abrem e eu dou as costas a ambos saindo constrangido para a recepção.
Acredito que eles iriam para a garagem, pois ainda ouço o homem falar baixinho antes que as portas se fechem novamente.
− Além de mimado é mal educado.
Estaciono na minha vaga do condomínio. Lívia está atenta a cada detalhe. Apesar de eu trazê-la para minha casa algumas vezes para ficar comigo, seus olhos varrem o ambiente com curiosidade na rotina intensa e caótica da capital como se isso fosse uma novidade para ela.
Ela parece feliz e me sinto de igual modo. Liv estudará numa das melhores escolas daqui e sua amiga Lúcia estudará na mesma escola.
Nicholas
Em todo esse tempo eu entrei em uma rotina pesada de exercícios intercalando as fisioterapias entre a clínica e em casa.
Essa rotina insana tem me rendido alguns resultados positivos, recuperei um pouco de sensibilidade nos braços o que me permitiu controlar a cadeira de rodas motorizada com a mão – apesar das minhas mãos continuarem igual as pernas: sem nenhuma utilidade.
Eu não consigo erguer os braços, meu antebraço chega ao máximo próximo a boca. Os movimentos recém-adquiridos me levaram a terríveis dores nos ombros certamente por forçá-los bastante para puxar os braços.
Tenho treinado bastante para comer sozinho com a ajuda de órteses, mas ainda é uma tarefa difícil. Eu uso sempre as órteses nas mãos para conseguir manejar o guia da cadeira de rodas. Minhas mãos estão um pouco fechadas, acho que pela falta de uso.
Mergulhei novamente nos estudos apesar de não ter os mesmos planos de antes. Só por garantia abri uma conta junto ao Dignitas onde eu fazia depósitos mensalmente, precisava apenas decidir a data. E por todas essas pessoas que me cercam eu prolongaria a execução do plano.
Falta apenas um mês para as chatas festas de fim de ano. Não tenho mais paciência para distribuir sorrisos e afeto que estão o ano inteiro guardado apenas para esse momento.
Não há necessidade de mostrar o que não sinto. Apesar da quase agradável presença de Camile eu não estou realmente feliz. Meus únicos momentos de alegria genuína são reservados a Anna, ela tem um brilho que me contagia.
4 meses depois...
Acordo em um dia mais ou menos.
Após trocar de cuidador umas três vezes, me viem uma grande cilada de boas recomendações e profissionalismo: Arnaldo. Ele eraaté complacente no início, mas acredito que meu péssimo humor o contagiou e agora ele pensa que é meu pai, sempre determina o que fazer.
Por que o tolero? Nem mesmo eu sei a resposta para essa pergunta, mas ele me tem sido um verdadeiro teste de paciência.
E assim tem sido há uns cinco meses. Olho ao redor e a procura de Arnaldo e vejo toda a parafernália que auxiliam na minha limitação e fisioterapia, tudo o que o dinheiro pode comprar.
Meus velhos companheiros que não me abandonam jamais, espasmos e dores, marcam presença essa manhã. Já faz um ano que voltei para a universidade e não posso me dar ao luxo de faltar na primeira avaliação desse ano. Então irei tomar todos os comprimidos necessários e que quase não faz efeito, para poder aguentar o dia.
Faz quase dois meses que não vejo Camile, apesar dela ter passado as festas de fim de ano ao meu lado. Ela não me ajuda muito e não é de ter empatia pela minha situação, mas estou orgulhoso do bom comportamento dela. Nunca entendi esses sumiços repentinos mesmo ela alegando estar doente.
Arnaldo entra no meu quarto e começa a rotina: banho, troca de cateter, etc.. Sigo para o dia agitado.
Volto para o almoço em casa e os demais procedimentos de higiene que necessito fazer após longas horas. Eu anelava por um pouco de descanso para poder enfrentar a fisioterapia intensa à tarde. O cansaço, as dores só aumentaram meu aborrecimento.
Quando me aproximo do elevador com cadeira motorizada que ficava sempre num cantinho da minha vaga, quase não percebo a pequena movimentação de um casal que se aproxima.
O topo de uma cabeça vermelha surge por entre os carros estacionados naquele subsolo e fala animadamente chamando minha atenção.
− Eu amo flores, principalmente as rosas vermelhas.
− Ok. – Uma voz masculina responde sem interesse. Fico desconcertado. Eu conheço essa voz.
Para meu desespero o desfecho do meu dia será ainda pior que imaginava. Eu já estava com dores e cansaço por passar horas na mesma posição e ainda teria que lidar com um filho da mãe, playboy e mimado que não sabia se comportar como a idade pedia.
Pelo sorriso sarcástico no canto da boca sei que ele já me viu. Vou precisar canalizar toda minha paciência para lidar com esse garoto. Eu não o vejo há anos, mais precisamente desde o dia que fui parar nesta cadeira.
Só espero que o tempo tenha colocado algum juízo na cabeça dele. Porque à medida que Arnaldo se aproxima do elevador, ele vem junto.
− Que coincidência! Quem é vivo sempre aparece não é mesmo, Nicholas? – Continua com o sorriso mordaz.
Tenho a minha comprovação: Não! Ele não mudou nenhum pouco.
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Até sábado.
Abraços!!!
#gratidãosempre
Capítulo publicado e revisado dia: 08/09/2020
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