XXXVII - UM NOVO AMANHECER

— O que está esperando, sua idiota? Vamos logo! Acabe com esse paspalho! — Kainã gritou enfurecido para a jovem maga.

Lirah mordeu o lábio inferior. Ela tremia e não conseguia tirar os seus olhos de Meicy. O feiticeiro apenas olhava para ela, sorrindo, aguardando apenas a reação da maga diante de tamanha pressão. Salomon suspirou, também cultivando a sua impaciência, embora, ele desconfiasse da calma de Meicy. O homem estreitou os olhos e vidrou-os no jovem ao longe. Ele deveria estar preparando uma emboscada ou algo do tipo.

— Kainã, se prepare para uma investida súbita. — Salomon sussurrou. — Ele está tramando algo.

Kainã assentiu, entretanto, já não suportava mais tanta espera. Ele pisou pesadamente no chão e abraçou Lirah por trás, colando seu corpo ao dela. A maga sentiu o fio da espada do caçador tocar o seu pescoço. Ela escutava a respiração dele, um tanto feroz, quase como se rosnasse.

— Se tem amor a sua vida, queime logo aquela aberração! Faça logo! Ou eu te mato aqui mesmo e agora!

Lirah sentiu o seu corpo ser empurrado com força, fazendo com que ela tombasse no chão de joelhos, apoiada também por suas mãos. Ela levantou os olhos e encarou Meicy. Em meio as suas lágrimas ela vislumbrava o jovem feiticeiro. Tão indiferente e tão alheiro a tudo. Ela se sentia inútil. Ela estava com medo, tinha medo de morrer. Era uma covarde, uma vergonha para sua raça. Ela se levantou e olhou para as suas mãos. Ela sabia que se não agisse logo Kainã a mataria, porém... era Meicy ali em sua frente. O seu amigo! Tentar carbonizá-lo lhe faria morrer por dentro. Os seus lábios tremeram, ela não iria fazer isso.

— Vamos Lirah! O que está esperando? Cadê a sua coragem? — Meicy reclamou, impaciente.

Kainã e Salomon ficaram apreensivos, já imaginando o que o jovem feiticeiro poderia estar tramando. Lirah interpretou aquilo como um sinal positivo. Tudo iria ficar tudo bem. Ela estava duvidosa, relutante, era difícil confiar em si mesma, mas, naquele momento ela estava se destruindo por dentro.

— Me perdoe... — Ela sussurrou, mesmo sabendo que ninguém a escutaria.

Ela levantou os seus braços trêmulos, esticou-os e mirou as palmas de suas mãos para Meicy. Ela suspirou e fechou os seus olhos marejados e deixou o seu poder fluir. Chamas ardentes brotaram de suas mãos em espiral, tais avermelhadas e fluorescentes que iluminou o ambiente e coloriu o céu como uma aurora austral. A intensidade e o calor eram fabulosos e ao mesmo tempo aterrorizador. As espirais de fogo atingiram Meicy em cheio, cobrindo-o completamente como uma manta. Através das labaredas via-se apenas o vulto, um tanto calmo demais.

Todos ali apresentes assistiam a cena impactados. Boquiabertos com o poder impressionante de um mago Kilmato. Lirah continuava a projetar as chamas, mantendo os seus olhos fechados para evitar de ver o seu amigo se tornando cinzas. Meicy começou a gargalhar subitamente, chamando a atenção de todos. Percebia-se que ele não estava se queimando, nem tampouco as suas roupas. Era como se fosse a prova de fogo infernal! Algo impossível para qualquer ser vivo.

De repente, Lirah perdeu o controle de suas próprias chamas, percebeu as labaredas em suas mãos sumirem completamente. Ela arregalou os olhos e fitou o feiticeiro. Ele havia transformado todo aquele fogo em um círculo em sua volta. Ele controlava como se fosse um mago Kilmato.

Nem teve tempo para pensar. Meicy jogou o círculo de fogo que no ar se transformou em uma gigante esfera vermelha e crepitante contra Lirah e todos os outros caçadores. Mal tiveram tempo para reagir. Salomon abraçou Kainã e fugiram pelo teleporte, enquanto alguns caçadores se jogaram no abismo e outros no chão. A maga ficou em pé mesmo, tentou parar a gigante bola infernal, mas era mais forte que o poder dela. Pela primeira vez, ela não conseguiu controlar o fogo. Ela foi engolida e sentiu aquilo atravessar o seu corpo em uma força bruta. Se não fosse maga, certamente o seu corpo haveria carbonizado em segundos, além de ser carregado junto com a esfera.

A bola infernal atingiu o primeiro castelo, causando uma imensa cratera flamejante, fazendo com que boa parte da estrutura demolisse, provocando um som ensurdecedor e uma grande nuvem de poeira dos destroços. O que ainda restava da ponte estava comprometido. Lirah sentiu em seus pés nus o chão rachar. Ainda chamuscava em seu corpo pedaços do tecido que ainda sobrara de sua roupa, mas ela não se importava com sua nudez. Olhou para Meicy se aproximando em passos lentos. Aquela face de antes havia desaparecido, ele parecia um tanto triste e angustiado. Ele parou ao lado da maga e nem sequer ousou em olhar em seus olhos. Era como se sua lucidez estivesse retornando a si mesmo.

— Lirah. — Ele falou. — É melhor você sair daqui. Não é seguro ficar perto de mim. Estou fora do controle. Por favor... vai embora!

— Meicy...

— Não me toque! — Ele esbravejou.

Lirah paralisou-se, mal havia movido um dedo sequer. Meicy não estava bem, era perceptível e preocupante, dando medo ao se encarar a sua imagem. Ele cerrou os punhos, como se lidasse contra algo que tentava dominar sua mente.

— Por favor... me perdoe, mas... eu tinha que destruir esse lugar. Exterminar esses vermes!

— Meicy! — Lirah falou em prantos e desobedecendo o jovem, ela o abraçou, enterrando a face no peito dele enquanto abafava o som do seu choro. — Esse não é você!

Meicy segurou em seus ombros, afastando-a de seu corpo. Ele olhou para ela duramente.

— Esse sempre foi eu.

Meicy deu de ombros e seguiu o seu caminho em direção ao Instituto em chamas, deixando-a jovem maga para trás e ignorando qualquer tipo de sentimento que um dia possuiu por todo aquele lugar, aos seus amigos e a qualquer afeto mínimo pelo restante da seita. Aquele lugar naquele instante estava morto.

☽✳☾ 

Um grito abafado de angustia e sons de livros sendo jogados no chão. A luz amarelada de uma tocha iluminava fracamente. Uma grande quantidade de manuscritos, papeis e outros objetos estavam espalhados pelo chão rochoso. Meicy apoiava os braços em cima do sarcófago de Antunes, enquanto mantinha a cabeça baixa. Ele tentava lutar contra a sua consciência, quase como se suas duas personalidades naquele instante tentassem tomar posse de seu corpo.

Havia se passado cerca de uma hora desde que chegou à tumba de Luciano Antunes. Quase todos os livros estavam jogados no chão. O seu surto de ira havia se passado e naquele momento havia lhe restado o surto psicológico, principalmente por não haver se arrependido pelo o que havia feito. Ele escutou passos adentrando no recinto e levantou apenas os seus intensos olhos negros.

— Como chegou aqui? — Ele perguntou nada amistoso.

— Por um dos vários túneis que circulam por baixo do Instituto. Existem entradas secretas por todo o território. Você sabe disso.

Meicy encarou o seu pai secamente, a sua vontade era de arrancar todo o ar de dentro dos pulmões daquele homem, entretanto, ele precisava de respostas para saciar suas dúvidas.

— E esse lugar não se tornará mais seguro. — O guardião continuou. — Logo, logo eles virão atrás de você e eu não estou falando de dezenas de caçadores, falo de centenas.

— Eu me garanto que posso acabar com todos!

— Não tenha tanta certeza. Os bruxos mais experientes já devem estar elaborando algo para imobilizá-lo. — Jeon suspirou e encarou a face cabisbaixa do filho, percebendo o quão deteriorado internamente ele estava. — Isso já não basta para você? Você assassinou pessoas, gente inocente, crianças que não tinham nada a ver com a sua raiva.

— Eles são os assassinos! — Meicy urrou, levantando a cabeça subitamente.

— Eles não matam gente inocente, ao contrário de feiticeiros, magos...

— Eles mataram a minha mãe! Você nem ao menos se importa com isso?

Meicy tremia os lábios, deixando involuntariamente transparecer as suas lágrimas. Jeon tirou os óculos da face e arriscou alguns passos em direção ao filho.

— Te acobertamos durante dezoito anos. Conhece as regras, essa injustiça regra... Eu não queria que fosse assim Meicy, mas eu não poderia abandonar a seita. Seríamos mortos. É um pacto eterno.

— É por isso que essa desgraça precisa de um fim!

— Até quando vai perceber que você é perigoso? Você não tem controle pelos seus atos. Sabe ao menos aonde estão os seus amigos? Será que estão vivos?

Meicy franziu o cenho, não sabia o que falar. Olhou para as suas próprias mãos e tinha vergonha de si mesmo. Ele foi tão egoísta que nem ao menos pensou nas consequências. Na verdade, ele não havia pensado em nada.

— Sagnows abriga milhares de seguidores, além dos caçadores Siddas que servem também. Destruir o Instituto não acabaria com a seita, nem mesmo se conseguisse matar o Ancião mestre.

Meicy não dava ouvidos ao seu pai, uma outra preocupação surgiu em sua mente ao vê-lo ali. Olhou para ele com um semblante preocupado.

— Sora? Aonde ela está?

Jeon colocou os óculos de volta a face.

— A embarquei em um trem para fora da cidade, para o mais longe possível. A orientei a ir para o outro lado do mundo.

— Como assim? Ela é só criança! Ela nunca saiu da cidade, não sabe como é o mundo lá fora!

— Melhor descobrir tudo sozinha do que morrer aqui como sua mãe. Ela me prometeu que um dia iria te encontrar novamente. Foi a pior cena de minha vida, vê-la... ir embora para sempre.

Pela primeira vez Meicy viu o seu pai demonstrar sentimentos. Era algo incomum para um homem tão insensível. Ele amava Sora como nunca havia amado alguém. O jovem até sentia ciúmes por não receber tamanho afeto em sua vida.

— Por que não foi junto com ela? Eles irão matá-lo se ficar aqui.

— Eu já aceitei o meu destino.

— Você poderia ter me entregado a seita no meu nascimento. Nada disso estaria acontecendo. Por que não fez isso? Por que me criou? Por que nunca me contou que eu era um feiticeiro?

— Por que você é meu filho Meicy, eu o amo. Tudo o que fiz foi para protegê-lo. Até tentei fugir das regras para não servir a seita, mas havia se tornado obrigatório a inscrição dos filhos de todos os seguidores. Se tornariam meros servos aqueles que não obtivessem uma pontuação desejada, mas você, eu sabia que iria consegui. Sempre foi estudioso. Por isso eu sempre exigi que escolhesse a carreira de caçador. Como bruxo você iria se descobrir e... chegar até esse ponto.

— Está errado, meu pai! Antes de ingressar ao Instituto eu sabia que era um feiticeiro. Eu sempre desconfiei, por isso escolhi ser bruxo.

Jeon não conseguiu esconder as suas lágrimas. Tentou disfarçar, mas Meicy já havia percebido.

— Por favor, fuja. — O homem implorou em prantos. — Vá embora para bem longe, se disfarce, troque de nome. Se esconda.

Meicy não sabia o que dizer. Ele desceu do altar e caminhou até o seu pai. Jeon ponderou um pouco diante do filho, mas ele apenas o abraçou como nunca na vida havia abraçado.

— Me prometa que vai fugir e ficar bem? — O homem pediu ainda nos braços do filho.

Meicy assentiu, mas com um pouco de dúvidas em seu olhar. O seu coração estava um misto de tristeza, arrependimento e amargura, tais emoções que nem ele mesmo conseguia decifrar. Estava ansioso de certa forma e com medo de surtar novamente e perder o controle sobre si mesmo.

☽✳☾ 

Meicy caminhava de um lado para o outro, chutando os manuscritos e objetos ao redor. A sua ansiedade o deixava nervoso e ele tentava controlar seus impulsos cerrando os punhos tão fortes até as unhas ferirem a pele. Ele estava apreensivo. Não sabia o que fazer para fugir. O seu pai estava certo, ele não poderia ficar ali. O guardião já havia deixado aquele local há cerca de meia hora, mesmo o jovem não querendo que ele fosse, afinal, estaria se entregando para a morte ao deixar aquele esconderijo.

Meicy estava sem o colar de Assa e sem algum dos cristais. Não fazia ideia com faria para se teleportar. Estava correndo risco de ficar na tumba de Antunes, logo, logo os caçadores viriam atrás dele e ele tinha medo de surtar novamente. Não queria mais matar, não queria perder a cabeça e ser um tipo de... demônio. Isso lhe fez lembrar do seu encontro telepático com Haiko. O elfo lhe disse que eram iguais, seria nesse sentido? Seria ele tão sádico e cruel como uma criatura que devorava almas?

Meicy não sabia mais o que fazer. Ele seria destroçado em mil pedaços, ou o pior poderia acontecer, perderia o controle e mataria a todos, até mesmo... seus amigos. Ele subiu ao altar e descansou os braços sob o sarcófago de Luciano Antunes. Enquanto tateava aquela superfície, veio em sua mente que teria um destino ainda mais cruel que a do antigo feiticeiro, já que havia sido aprisionado vivo. Meicy cerrou os dentes. Não, ele não poderia ter o mesmo fim.

Uma luz emergiu no ambiente subitamente. O clarão surgiu com um flash, cegando a quem olhasse diretamente. Meicy protegeu os seus olhos, mas já sabia quem havia acabado de se teleportar ali. Millo.

A luz dissipou em seguida, nela revelando o jovem bruxo, encapuzado com o seu manto branco e uma expressão preocupante em sua face ou de uma culpa que iria carregar eternamente. Em suas mãos ele carregava o embrulho contendo o colar de Assa, no pescoço um cordão que carregava como pingente um dos cristais de teleporte. Fitou os seus olhos aos de Meicy, via naquele instante não a imagem de um assassino, mas sim, de um jovem perturbado, confuso e com medo. Entretanto, infelizmente, Meicy havia saído fora do controle e não era a primeira vez que tinha visto aquilo. Lembrou-se de quando eram crianças ao estar em algum daqueles túneis, lembrou-se de que ele não era mais ele por alguns minutos. Um ódio crescente e sem igual.

— Millo! — Meicy falou, com um desespero em seus olhos. — Que bom vê-lo!

Meicy desceu o altar às pressas, Millo recuou um passo ao notar aquela aproximação contestável.

— Millo, por favor! Eu preciso do colar de Assa!

Millo continuava a encará-lo. Sentia-se inseguro, pois, nem sequer havia trago uma arma para poder se defender, porém, o interesse do feiticeiro era apenas no colar, como ele já havia suposto. O que será que ele pretendia? Absorver o poder do artefato e continuar a sua chacina?

— Por que o quer? — Millo perguntou, seriamente.

Meicy já estava bem próximo a ele e apenas estendeu a mão para receber o embrulho. Percebia o desespero em seu olhar.

— Eu tenho que fugir, eu... espero que não tenha me visto. — Ele sussurrou.

— Nem foi necessário. Você plantou o caos lá em cima. Só restou a imagem de mortes e destruição. — Millo franziu a sobrancelha. — As crianças não tinham culpa, Meicy. Na verdade, ninguém...

Meicy colocou as duas mãos na cabeça, pareceu por um momento chorar, mas na verdade, havia uma batalha em sua mente, uma dança psicológica que lhe destruía lentamente. Millo não se comoveu, apesar de estar tão decepcionado que nenhum sentimento mais lhe tocava. Ele não conseguia mais ver seu amigo como antes. Ali estava um tipo de monstro, o feiticeiro a quem tanto a seita temia. Tudo fazia sentido agora. Eles eram incontroláveis.

— Tudo bem... — Millo falou, apático. — Deixarei você fugir, mas por favor, não volte.

Meicy levantou os olhos para ele e quanto mais aquela imagem séria de seu melhor amigo o fitava, mais ele se corroía por dentro. Millo estendeu o embrulho, ainda tentando se manter distante. O jovem feiticeiro estendeu o seu braço lentamente, sem tirar os seus olhos da face do índio. Pegou o embrulho em mãos e rapidamente retirou o colar de dentro do lenço marrom.

— Posso ao menos te abraçar? — Meicy perguntou ao olhar de lado para ele.

Millo ponderou por um estante, mas em seguida negou com a cabeça.

— Melhor terminarmos dessa maneira. Espero que... fique bem.

Millo se entristeceu, Meicy apenas engoliu um seco, como se tentasse evitar demonstrar algum tipo de emoção. Olhou para o rubi em suas mãos, tão cintilante e tão vermelho. Lembrava-lhe sangue, a mesma seiva que havia derramado naquela noite. Ele apertou seus dedos na joia e fechou os seus olhos. Respirou fundo.

— Adeus, amigo! — Despediu-se.

Meicy se preparou para teleportar e logo a luz vermelha do rubi o irradiou por completo. Ele pensou em um lugar distante. Mengie. Por lá ficaria por alguns anos. Uma lágrima correu por sua face enquanto sentia a dor da destruição de sua própria vida. Ele não sabia, mas não conseguiria saber viver com a amargura.

O sussurro de Millo chamou a sua atenção e ele percebeu que estava demorando demais se teleportar. Parecia estar preso em uma cúpula vermelha, na qual, a luz dançava ao seu redor. Ele virou o rosto mecanicamente para o índio e o pior estava acontecendo.

Entgus lai estér

I'n su circlus pérfius

Lai cern lai's mail

Des's pan ínfios

O índio recitava esse poema, enquanto segurava uma vela preta acesa. Meicy estava atônito. Aquilo era... um ritual de selamento! Ele nunca pensou que Millo pudesse lhe trair, e muito menos que conseguisse encantar o rubi para aquilo.

— Millo! — Meicy gritou, desesperado.

Millo continuava a recitar o poema, enquanto gotas de suor corria por sua face. Aquilo estava lhe consumindo, era forte demais para ele. Não sabia se seria capaz de realizar aquele ritual, ele iria falhar drasticamente. Observou Meicy esmurrar a parede vermelha de luz, socá-la como se fosse vidro, entretanto, era mais forte que ele, mais forte que qualquer poder que ele fosse capaz de projetar. Aquele era um feitiço poderoso de Luciano Antunes, por mais que fosse um mero bruxo que estivesse o evocando, um pouco da aura do antigo feiticeiro estava contido ali.

— Millo! — Meicy continuava a gritar, com os seus olhos escuros tão esbugalhados que chegava a ser monstruoso.

Millo continuava, entretanto, aumentando o som da voz.

Entgus lai estér

I'n su circlus pérfius

Lai cern lai's mail

Des's pan ínfios

"Entregais a estrela em seu círculo perfeito, o corpo e a alma desse corpo infesto. "

Essa era a tradução do poema e naquelas estranhas palavras estava ocorrendo o aprisionamento do corpo e da alma de Meicy. O que mais duvidava em Meicy, era a falta de um pentagrama para a realização do rito, no entanto, ele sentiu sua mão queimar, tanto que deixou cair o colar no chão. Já havia obtido a resposta para aquela dúvida. Millo havia desenhando a estrela nas costas do colar usando algum tipo de tinta vermelha feita com algum material especial.

A essa altura, Millo já estava fraco. Ele caiu de joelhos no chão, mas ainda gritando o poema memorizado em sua mente. Não era um ritual bem feito, tinha tudo para dar errado, mas ele sabia que não poderia falhar. Ele percebeu que dentro da cúpula estava ficando mais quente. O ouro do colar estava derretendo completamente, virando um líquido viscoso, enquanto em Meicy, o seu corpo tomava a coloração das luzes vermelhas. Ele estava sendo engolido.

— Seu desgraçado! — O feiticeiro esbravejou. — Vai se arrepender por isso! Vocês todos! Até você, Karén!

O ritual estava funcionando finalmente, o brilho vermelho se intensificou de uma maneira tão acentuada que ofuscou toda a visão que tinha da tumba. Millo sentiu as suas últimas forças se esgotar, como se toda aquela energia lhe sugasse e por fim, o seu corpo desfaleceu no mesmo instante em que ele citou a última palavra.

— ...ínfios...

Quando a luz de dissipou, restara apenas uma vasta escuridão. Livros caídos, manuscritos jogados por toda parte, pedras preciosas cintilando em alguns cantos e uma antiga caveira partida em pedaços. O corpo desfalecido de um bruxo jazia no chão, desmaiado e provavelmente não acordaria por alguns dias, em sua frente, um rubi apenas. Um rubi que cabia perfeitamente no palmo de uma mão. Formato retangular e com faces que brilhavam, embora, uma fumaça estava presente nele. O ouro que cobria a pedra havia derretido totalmente, o cordão se queimou e já não era mais "O colar de Assa", era apenas "O rubi" que dentro dele estava o corpo e alma do feiticeiro Meicy Kallú.

☽✳☾ 

Salomon vislumbrava o amanhecer do pátio exterior do antigo Monte Sidda. Ao seu lado estava o seu filho, Bern, com o manto rasgado e o corpo repleto de escoriações, mas por sinal, bem vivo. Ao longe, acima da copa das árvores, ainda se via a fumaça provinda do Intitulo. Tudo havia sido destruído e grande parte dos seguidores estavam mortos. Sem os mantimentos necessários — já que haviam sido destruídos no fogo — era incapaz abrir um portal entre Sagnows e Karkariá, no entanto, o único meio de contato seria com os cristais de teleporte que só alguns dos seguidores o possuíam. Naquela ocasião, estavam todos perdidos mentalmente.

Ganna e Kelmo ainda descansavam no interior do monte juntamente com muitos outros feridos, aos cuidados de Lirah. Kainã com uma equipe de quinze caçadores restantes saíram em busca de Meicy por todos os túneis abaixo daquele território. Em algum lugar o feiticeiro tinha que estar, apesar que para Salomon, eles estariam arriscando a vida com aquilo. O ancião colocou uma mão no ombro do filho caçula e estreitou os seus olhos ao ver o céu colorido de vermelho, laranja, lilás e o cinza da destruição. Os lobos demoníacos ainda uivavam em uníssono, já fartos do banquete que apreciaram durante toda a noite. Aquele era um outro problema a se resolver, ou as criaturas carnívoras iriam devorar toda a Hidda!

As flores azuis de uma planta trepadeira que enfeitava toda a construção de rocha desabrochava suas novas flores azuis. Ditados antigos diziam ser um bom presságio. Salomon nunca foi supersticioso e não era de acreditar em crendices, e não era o tipo de pessoa que costumava rezar ou seguir alguma religião, ele só sabia que precisava pedir a Isth, onde quer que ela estivesse para que tudo aquilo terminasse bem.

Uma luz emergiu no centro do pátio, por trás do ancião. O homem virou-se imediatamente e encontrou quem nunca pensou que estaria vivo. Kainã ergueu o corpo e aos seus pés, estava Millo, ainda desacordado. O caçador chegou em seu teleporte um tanto sério e com ar de aborrecimento, olhou para Salomon com um aspecto não muito agradável.

— Eu o encontrei onde disseram ser a tumba de Luciano Antunes. — O caçador explicou. — Ele estava sozinho e... também encontrei isso. Estava bastante quente.

Kainã estirou o punho, mostrando ao ancião na palma de sua mão, o rubi. Tão vermelho quanto sempre foi. Os olhos do homem miraram no jovem bruxo desfalecido, ele sentiu um alívio em seu peito como se lhe dissesse que tudo já havia acabado. Ele suspirou e pôde finalmente relaxar os ombros, admirando o semblante de Millo.

— Enfim, ele conseguiu.

☽✳☾ 

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