XXV - ESMAECER

 Salomon ainda jazia abraçado ao corpo sem vida do filho, apesar da tristeza lamurienta que lhe assolava, os seus olhos castanhos refletiam em alaranjado o espetáculo infernal no céu. Em outras ocasiões, aquela cena seria comparada a um verdadeiro apocalipse. Os gritos de Haiko agonizavam em desespero, era visível através das chamas notar um vulto preto, se carbonizando em um odor de carne queimada.

Kelmo estava paralisada, tão trêmula que não conseguia segurar com firmeza o punhal em sua mão. Estava ao lado do ancião vislumbrando o casulo de fogo queimar. Kainã se mantinha um pouco mais distante, porém, boquiaberto e inerte. Meicy por sua vez, despertava sentindo o gosto de sangue na boca. O seu grave ferimento parecia estar se reconstituindo lentamente, talvez pelo estrago que fez aos órgãos internos. Ele mal conseguia respirar e abriu apenas um olho que se encontrava com a visão embaçada. Não conseguiu erguer a cabeça, mas percebeu a coloração alaranjada na turbidez da areia. Lirah. Ele pensou no nome da jovem maga e apesar de não saber o que realmente estava acontecendo, pôde supor o pior.

Ao longe, Millo e os dois guardiões saíam de uma estreita fenda no interior de um paredão rochoso. O índio olhou para o céu, estupefato. O céu irradiava uma luminescência anormal que lembrava um incêndio, mas o bruxo sabia que não era. Ele cerrou os punhos tentando controlar os seus impulsos.

— O que está acontecendo? — Saul perguntou, preocupado.

Millo não soube responder, mas já desconfiava do desastre. Isis apenas observava o índio, percebendo a aflição dele.

— Por favor... — O índio falou, com uma voz chorosa e trêmula. — Me desculpem, mas... eu preciso ir até lá.

Isis pôs uma mão no ombro do bruxo, franziu o cenho. A sensação daquela aura maligna não cessava e ela sabia que algo destrutivo estaria sucedendo do local que haviam deixado há uma hora.

— Não faça isso! Precisamos nos afastar, algo de ruim está acontecendo, não vê? — Ela tentou alertá-lo.

O índio mirou seus orbes amendoados a ela, totalmente marejados.

— Os meus amigos estão lá. — Ele falou infeliz. — Não posso fugir e deixá-los morrer. Lirah, ela é... — Ele se interrompeu, lembrando em manter o segredo da amiga. — Muito frágil. Ela nunca ousaria a machucar ninguém, por isso ela escolheu ser bruxa.

— E o que você fará para salvá-los? É apenas um bruxo!

Millo ficou pensativo, realmente não poderia fazer muita coisa. Nunca aprendeu a lutar e nem ao menos havia segurado uma espada em sua vida. Não seria útil em combate caso houvesse algum. Ele suspirou. Nem ao menos com a sua bolsa estava, havia a perdido durante o vendaval. Talvez Isis estivesse certa, ele seria apenas um peso morto.

— Não deixe que suas escolhas te impeçam de fazer o que quer. — Saul falou e entregou ao rapaz a própria espada. — Ajude os seus amigos.

Millo olhou para o homem azul que estendia a espada desembainhada com as duas mãos.

— Isso é inútil! — Isis protestou. — Segurar uma espada não fará dele hábil. Não é tão simples.

— Não o subestime Isis. — Saul falou. — Eu entendo a sua preocupação, mas deixa-o tentar...

— Ela está certa, Saul. — O índio falou, meio comovido. Negou a espada com um gesto com as mãos. — Fique com a sua espada e proteja Isis. Se protejam, aliás. Preciso ir. Não se preocupem comigo, prometo que ficarei bem.

Saul olhou para a sua arma em mãos, tentando relutar a decisão do jovem bruxo. Ele poderia ainda estar em treinamento, mas sabia o quão perigoso era se tornar um seguidor de Karen. Ainda pensativo, só lhe restava desejar Boa sorte ao rapaz.

— Bem... Então... Tome cuidado. — Disse o homem azul, tristemente.

Millo estava inseguro, mas precisava agir. Confiava em Isis e em Saul, sabia que eles se cuidariam, afinal, são mengianos e mais que ninguém, conheciam aquela terra. O índio olhou novamente para o céu alaranjado. Já era hora de partir.

— Se mantenham a distância. — O índio pediu. — Fiquem bem...

Os guardiões apenas assentiram silenciosamente. Millo saiu em passos firmes e logo em seguida desatou a correr. Estava aflito. Lirah havia revelado o seu poder certamente, sinal claro de que os caçadores não conseguiram salvá-la. E Meicy? O índio temia por ele também. Aquele ser horrendo — o devorador de almas — poderia ter conseguido o que queria... Não! Ele não poderia pensar nisso. Apressou o seu passo, afundando as botas na areia, mesmo na dificuldade em se locomover naquele terreno arenoso, precisaria chegar o mais depressa possível.

☽✳☾ 

— Lirah... — Meicy murmurou para si mesmo. A sua voz soou fraca e inaudível, quase como se estivesse engasgado com a areia, cuja qual a sua face estava quase enterrada.

O jovem feiticeiro sentia a aura da amiga enfraquecer, porém, ele se encontrava derrotado, sem forças para se mover e tentar ampará-la. Os gritos agonizantes de Haiko haviam cessado, até mesmo aqueles sinais macabros que ele expelia já não eram mais sentidos, mas Meicy já sabia. O elfo não estava morto, ele simplesmente havia atravessado o plano físico para o espiritual, para se livrar de vez das chamas infernais que o consumia e por fim, magicamente desapareceu. Não era covardia. Ele queria apenas ganhar tempo para se curar, no entanto, ele retornaria. O jovem de olhos escuros não era adivinho, mas estava certo de suas conclusões. Uma maga e um feiticeiro para um devorador de almas era como ganhar na loteria.

Sem Haiko para levitá-la, Lirah despencou do ar, ainda consumida por suas próprias chamas. Ela caiu na areia subitamente, perdendo os sentidos. Consequentemente as labaredas em seu corpo foram se dissipando de forma lenta, como se um vento as soprassem, e após alguns minutos desapareceu por completo.

Kelmo e Salomon estavam inertes e em choque pelo o que haviam presenciado. Não sabiam como reagir. O ancião ainda estava abraçado ao corpo sem vida do filho enquanto a caçadora não sabia por quais desgraças começar a lamentar primeiro. Para ela, Meicy estava morto. Não havia como ninguém sobreviver a uma estaca metálica atravessando o abdômen. Lirah a preocupava naquele momento, ela pensou em correr ao seu encontro, mas antes que pudesse pensar em reagir, sentiu a mão áspera do ancião agarrar fortemente o seu pulso. Ela mirou os seus olhos de cobra à aquela face sedenta.

— Fique aqui! — Ele pediu, adivinhando a intenção de Kelmo naquele instante.

O homem se levantou antes que Kelmo pudesse protestar e seguiu pisando pesadamente na areia, caminhando em direção à maga inconsciente. A caçadora ficou apreensiva, não sabia o que fazer ou o que pensar. Adádidas estava diante dela, morto e Meicy não muito longe se encontrava na mesma situação. Lirah, a sua amiga estava em uma séria enrascada. Com o seu segredo revelado, certamente não seria poupada pelo ancião. Já era tarde para tentar salvá-la. A então, agora ruiva, havia se sacrificado para proteger a todos e em troca receberia o mesmo castigo de seus ancestrais. A morte. Kelmo não resistiu à sua pose de durona, deixou a sua máscara cair e se entregou aos prantos.

— A sua fraqueza me envergonha. — Kainã falou, demostrando certo ranço ao ver a imagem chorosa da irmã.

Kelmo o ignorou, preferiu se perder nos seus intensos sentimentos que a conturbava, no entanto, o caçador próximo a ela tocou em seu ombro, deixando uma respiração ofegante emanar certo calor em seu pescoço. Ele estava de joelhos por traz e aparentemente irritado.

— Você então sabia de tudo! — Kainã riu ironicamente.

— Não sei do que você está falando. — Kelmo respondeu, já desconfiando do que o seu irmão queria lhe dizer.

Kainã rangeu os dentes e ainda mais furioso, agarrou os cabelos da irmã brutalmente e puxou para si. Kelmo urrou pela dor, tendo o seu queixo apontando para o alto. Ela cerrou os olhos com força e sentia alguns fios do cabelo se partindo. O caçador aproximou-se a face ao ouvido dela e sussurrou entredentes:

— Não se faça de sonsa. Você é uma ordinária mesmo! Durante todo esse tempo... escondeu a maga infernal?

Kelmo grunhiu. Apesar da raiva, ela não desejava discutir com seu irmão. Realmente havia escondido Lirah. Por todos os anos convivendo com a jovem maga, era de fato que mais cedo ou mais tarde teria conhecimento sobre aquele segredo. Permaneceu-se em silêncio e imóvel.

— Você é uma traidora! — Kainã vociferou, tirando as suas próprias conclusões. — Será punida junto com a maga. — Ele puxou o cabelo dela com mais força, fazendo-a ganir. — Não terei misericórdia ao vê-la agonizando pela morte!

Salomon retornava e ao notar a cena dos irmãos Siristh, apenas lançou um olhar cabreiro. Kainã soltou Kelmo no mesmo instante e em seguida se pôs de pé, com um sorriso cínico na face. A moça de olhos reptilianos se apoiou no chão com as duas mãos, o cabelo assanhado lhe cubra a face. Ergueu um pouco o olhar e percebeu o quanto o ancião a fitava, carrancudo. Ele estava sem o seu manto branco. Se ajoelhou diante do corpo do filho e estudava tristemente a expressão vazia do defunto.

O corpo de Adádidas estava pálido, frio e com os olhos profundos, ainda abertos, sem brilho e focalizando o nada. Das duas estacas enterradas em seu peito, já não fazia derramar mais sangue, era como se toda a seiva tivesse se esgotado. Os membros estavam enrijecidos e aparentemente, não mais se lembrava a característica física do jovem caçador louro.

Salomon deixou transparecer o seu sofrimento. Lágrimas corriam por sua face de uma forma dolorosa, como se ao mesmo tempo sentisse o orgulho lhe ferir. Levantou a palma da mão, levando à face do filho morto e levemente fechou os seus olhos.

— Eu queria ter passado mais tempo com você... Mas... — Ele segurou na primeira estaca metálica e a arrancou. — Talvez foi um erro meu em deixá-lo se alistar na seita e repetir o mesmo erro com seu irmão. — Ele arrancou a segunda estaca. — Eu não sei... Eu realmente, não sei.

Salomon fechou os olhos e ficou pensativo por uns minutos. Talvez rezava mentalmente ou poupava o seu constrangimento em choramingar pela morte do rapaz. Como um dos mais importantes anciãos, ele se proibia de demonstrar fraqueza, mesmo diante do cadáver do próprio filho.

— Kelmo! — Ele falou, ao mirar os seus olhos a ela. — Cuide da maga.

Kelmo estava incrédula. Não acreditava que Salomon estava lhe dando aquela ordem. Ela não quis questioná-lo, seria melhor obedecê-lo, afinal, era o seu desejo naquele momento ficar ao lado da amiga e ficar distante dos dois rapazes mortos, por mais tristeza que isso lhe causasse.

— Kainã! — Salomon se levantou. — Me ajude a abrir uma cova ou... — Ele olhou para o corpo de Meicy não muito longe. — Duas. Espere um momento.

Millo corria, estava finalmente se aproximando. A primeira pessoa que viu foi Meicy caído no chão. Ele se desesperou, imaginando o pior. Apressou a correria, tentando manter o equilíbrio ao cambalear pela areia fofa.

Kelmo se aproximou de Lirah e ficou estarrecida. A jovem maga estava nua, obviamente as suas roupas haviam se queimado durante o despertar de suas chamas. Salomon havia usado o manto dele para cobrir o seu corpo despido. Apesar do luar azul, percebia o qual vermelho estava o cabelo dela e a pele um tanto mais corado. Pobre Lirah! Kelmo pensou. Ela poderia ter se livrado do elfo demoníaco, mas um destino cruel lhe aguardava.

Millo caiu de joelhos diante de Meicy, ainda ofegante balançava o corpo do jovem feiticeiro sem conseguir disfarçado a sua aflição.

— Meicy! Meicy! Acorde! Você não pode morrer!

O índio virou o corpo do rapaz, desenterrando a face dele da areia. Meicy não conseguiu abrir os olhos, mas estava acordado.

— Eu não estou morto, Millo. — O feiticeiro falou com a voz falha.

Millo se emocionou, mas não deixou passar despercebido o ferimento ensanguentado no abdômen do amigo. Analisou bem e de fato, uma pessoa normal nunca sobreviveria a aquilo. Ele se preocupou, temendo que os outros desconfiassem da identidade de Meicy.

— Meicy. — Ele sussurrou. — Outra pessoa em seu lugar estaria morta. Finja estar desmaiado, não acuse melhora.

Meicy o escutou e apesar de sentir o buraco em seu corpo se fechando, estava ciente que não poderia demonstrar uma melhora súbita, entretanto, ainda estava aturdido pela enorme dor.

— Millo... O colar... encontre-o.

— O que? Você o trouxe?

— A... Minha bolsa... C-cuide de... Lirah.

— Lirah! — Millo franziu o cenho. Ele não conseguia localizar Lirah, será que ela estava...

— Bruxo. — Salomon apareceu ao lado dele. — Onde estão os outros?

Millo demorou um tempo para entender a pergunta, até se lembrar dos guardiões que havia deixado para trás.

— Estão no esconderijo, senhor! — Millo respondeu, sem saber ao certo se Saul e Isis ainda estavam por lá.

Salomon pareceu assentir. Olhou para Meicy, percebendo no peito dele que ainda respirava. Tentou não demonstrar espanto com aquela visão. Apontou com o indicador.

— E esse rapaz?

— Ele está vivo... Mas está muito fraco! O ferimento foi bastante grave senhor, precisa ser medicado! — Millo não havia mentido. Apesar do amigo ser um imortal, realmente estava enfraquecido e sentindo dores. — Irei em busca dos mantimentos.

Salomon deu de ombros e deu-lhe as costas.

— Faça o seu trabalho.

Salomon retornou para onde estava Kainã e o corpo de Adádidas. Millo notou o que havia acontecido e sentiu a sua espinha gelar.

— Adá...— Ele balbuciou, sem conseguir completar a fala.

— Ele está... morto. — Meicy revelou, tossindo em seguida areia e sangue. — Salve... Lirah.

Millo estava trémulo, nem havia escutado o que Meicy tentava lhe falar. Realmente, algo de macabro havia acontecido enquanto ele e os guardiões estiveram longe, e não duvidava sob nenhuma hipótese que Lirah sofrera mais que todos presentes, inclusive, Adádidas que perdera a vida.

☽✳☾ 

Millo fazia um curativo com bastante arniteia pisada no ferimento de Meicy. Envolveu tudo com todo o esparadrapo que havia trago, na qual ficou com manchas em verde e vermelho por conta do sangue. O feiticeiro estava com os olhos semicerrados, ainda atordoado, mas dessa vez estava sob efeito de uma droga forte que o índio havia lhe dado para amenizar as dores.

O índio vestia em Meicy o manto que havia retirado dele para fazer curativo. Sentia uma enorme dificuldade em fazer isso, pois o peso do amigo e a imobilidade não ajudava. Quando finalmente conseguiu vesti-lo, percebeu os pelos eriçados dele.

— Está fazendo muito frio. — O índio falou. — Meicy... — Ele murmurou, na esperança que o amigo o escutasse. — O seu ferimento está quase se fechando, por favor... finja estar muito mal.

Meicy pareceu adormecer, deixando Millo ainda mais inseguro.

— Como ele está? — Kelmo perguntou, agachando-se ao lado de Millo.

— Péssimo! Não sei se ele vai ficar bem. — Millo fingiu um certo drama.

Kelmo mordeu o lábio inferior e segurou em uma das mãos de Meicy. O fitava tristemente, encarando na face adormecida do jovem rapaz. Analisando bem o feitio dele, parecia estar bastante enfermo. Os fios oleosos do cabelo comprido caíam em sua face e sua pele estava tão fria quanto ao de um defunto.

— Meicy, seu idiota. — Ela se lamentou, pensativa. — Você salvou a minha vida... Que bela merda você fez. Não valeu a pena.

Millo escutava a caçadora e notou que ela estava tão abalada emocionalmente quanto ele. Olhou para Lirah do outro lado. A jovem maga não sentia frio, porém, precisou ser drogada para aliviar as dores ocasionadas pelo tombo na areia quando o elfo desapareceu. Por sorte, não havia fraturado nada.

Não muito distante, estava Kainã e os dois guardiões sentados no chão. Estavam com os braços cruzados contra o peito e batendo os dentes uns nos outros pelo frio abrupto. Salomon não havia retornado ainda. Talvez estivesse se despedindo do filho e pelo visto, estava sendo difícil para ele contornar a perda. Certamente eles estavam ganhando tempo, o julgamento de Lirah não iria passar despercebido e até mesmo os amigos dela estariam sujeitos ao risco.

☽✳☾ 

Ainda estava escuro, com poucas evidências do amanhecer. Enquanto os seguidores dormiam amontoados uns aos outros por conta do frio, Millo não havia conseguido grudar os olhos. Salomon até aquele momento não estava presente, fazendo com que o bruxo se sentisse responsável pelo grupo. Ele tentava prestar todos os cuidados à Lirah e a Meicy, usando o seu próprio manto para aquecê-los, embora a maga não necessitasse tanto.

Ele caminhou até Kelmo que dormia ao lado Lirah e agachou-se diante dela e tocou-lhe o ombro. Ficou meio apreensivo. Hesitou por um minuto, pensando bem se realmente deveria acordar a "cobra". Engoliu um seco e respirou fundo.

— Kelmo... Kelmo! — Ele exprimiu, dando leves tapinhas no ombro dela. — Por favor, acorde. Preciso que tome conta de Meicy e Lirah.

Kelmo abriu um olho e bocejou lentamente, estranhando a si própria pela tamanha sonolência.

— Cala a boca, bruxo! — Ela reclamou, tentando dormir novamente. — Não me incomode!

— Mas Kelmo... Preciso encontrar comida e lenha. Está muito frio e...

— OK! — Ela gritou impaciente e se sentou, esfregando as costas da mão nos olhos inchados.

— Millo. Eu vou com você. — Saul falou, sentando-se. — Apesar do deserto, acho que ainda consigo me localizar e se tivermos sorte, poderemos encontrar o que precisa.

— Não pode ter tanta certeza. — Kelmo duvidou. — Só tem areia e rochas até onde conseguimos ver, não tem um sinal de vida aqui a não ser a nossa!

— Mas eu não tenho certeza...

— Qual é o problema de vocês? — Kainã gritou estridente, despertando Isis em um susto. O caçador se pôs de pé rangendo os dentes em irritação. — Por que não calam as drogas dessas bocas? Hein?! Estou exausto, com frio e faminto e arrisquei a minha vida para proteger aquela desgraçada, — apontou o dedo para a maga adormecida — que afinal, nem deveria estar viva.

— Cale-se Kainã! — Kelmo o contrariou, também se colocando de pé. — A sua insensatez me dar nos nervos.

Kainã deu apenas um passo e ficou cara a cara com a sua irmã. Kelmo não se intimidou, o encarou com a mesma repulsa. Cerraram os punhos, talvez se preparando para discutirem ou se socarem.

— Você se esqueceu pelo visto a quem deve servir! — O caçador falou, bufando raivoso.

— E você, meu irmão, deve ter se esquecido que recebemos ordens do ancião, ou seja, de Salomon que não está aqui no momento.

— Eu quero que aquele miserável se dane! Ele é um traidor assim como todos vocês!

— Quem é traidor? — Salomon surgiu por de trás de um paredão rochoso, tão silencioso como um felino. Pelo visto, havia escutado a conversa do caçador.

Todos encararam o ancião, apesar da surpresa, Kainã não se deteve. Mirou os olhos ao homem e o desafiou em silêncio, franzindo o cenho e procurando por sua espada no chão.

— Você mesmo! — Ele afirmou, dando alguns passos em direção ao ancião, após recolher a sua espada na areia. — E sabe muito bem o que a seita faz com traidores!

Salomon cruzou os braços, realmente não estava com paciência para discutir naquele momento. Algo o atormentava, deixando-o horrivelmente preocupado. O seu semblante já denunciava a sua aflição e Kelmo notara isso, já especulando a si mesma que não se tratava somente da morte de Adádidas.

— Kainã! Dá para calar essa maldita boca? — Kelmo esbravejou, chamando a atenção do irmão.

— Kelmo, não se intrometa! — O caçador falou, voltando os olhos à irmã.

— Gente, por favor... — Millo tentou interromper aquela discussão tola, assim como Kelmo, também havia notado a imagem derrotada do ancião. — Eu acho que... O Senhor Salomon tem algo a falar. — Ele adivinhou.

— Grato, Millo! — O homem agradeceu. Ao menos, naquele instante havia se contentado com o silêncio e com os cinco pares de olhos que prestavam atenção nele, aguardando uma explicação. Ele suspirou pesadamente e deu alguns passos, se aproximando dos jovens. — Primeiramente, peço perdão por minha ausência, eu precisava... me despedir de meu filho. — Todos perceberam o quanto foi doloroso para ele falar isso. O homem tentou se recompor. — Eu retornei ao lugar de onde surgimos no portal e... temos um enorme problema.

Todos se entreolharam sem entenderem o que estava acontecendo. O sol emergia no horizonte, onde finalmente a sua luz vencia a escuridão, deixando o céu numa mistura de rosa, lilás e laranja.

— O único local onde poderia ser aberto o portal para Karkariá, — o ancião continuou a falar, tentando não demonstrar a sua decepção — foi destruído.

— Destruído? — Kelmo e Millo falaram ao mesmo tempo, incrédulos.

— Há uma cratera enorme justamente no local. Acredito que... quem ou o quê, fez isso de propósito.

Kainã cruzou os braços, abriu um sorriso no canto da face e não disfarçou uma risadinha irônica. Ele desacreditada daquele fato.

— Primeiro a traição e agora as mentiras! — Ele falou musical. — Estamos em um planeta selvagem! Não tem nada aqui que nos ameaçaria!

— Você se esqueceu de algo Kainã, o elfo. — Kelmo o lembrou. — Ele supostamente quer nos manter nesse mundo.

— É bem mais complicado do que se imagina. — Salomon falou. — A nossa única esperança de retornar às nossas casas foi destruída. Estamos de fato, presos em Mengie.   


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