XLIV - A DECISÃO
Marta recuou, abaixando sua foice. Ela encarou em Kelmo não transmitindo nenhuma comoção e em seguida levou o seu olhar até Meicy com um certo rancor.
— O que querem comigo? — Ela indagou.
— Com você nada, apesar de que é fugitiva. — Kelmo falou, tentando ignorar a lei que puni os familiares de um feiticeiro. — Queremos apenas o feiticeiro.
— Se esqueceu do nosso acordo, Kelmo? — Meicy perguntou, se lembrando da conversa com a caçadora há não pouco tempo.
— Esqueça o acordo! — Ela não olhou para ele, continuava com os olhos fixos em Marta.
— Feiticeiro... — Marta sorriu irônica. — Podem fazer o que quiser com ele, contanto que não me envolvam nisso.
— Contanto que desapareça, nos poupará o trabalho de lembrar de sua existência.
Kelmo fixou os olhos no colar que a jovem assassina levava em seu pescoço.
— Isso explica por que ainda existe. — Kelmo falou, um tanto descontável.
— E isso explica por tantos motivos estão sendo enganados. — Marta sorriu, ansiosa para revelar o segredo.
— Enganados?
— A vida eterna ao ser retirada do corpo não provoca a morte do indivíduo portador. — Meicy explicou, guardando as mãos nos bolsos sem muita animação. — Essa mentira é um método de fazerem servirem à seita e obedecerem para todo o sempre. Agora vejam bem, vocês não são obrigadas a servirem, a lutarem, a estarem aqui.
Kelmo segurou forte no punho de sua espada, mordeu o lábio inferior e tentou controlar a sua cólera. Se sentia traída por ambos os lados, tanto pela seita quanto por Meicy. Tentou respirar lentamente, erguendo os ombros e baixando-os na mesma sintonia.
A caçadora virou um pouco a face, tentando mirar seus olhos ao feiticeiro.
— Meicy. Já sabem de você. Estão organizando um exército para a sua busca. — Ela relevou e olhou para Marta em seguida. — Vá embora o quanto antes!
— Não sou covarde. Não me sujeitaria a uma fuga por conta de... — Ela olhou para o irmão com desdém. — parentes.
— Então morra como uma idiota! Você já pertenceu a seita e sabe bem que ninguém sairá impune. E leve aquele idiota amarrado com você. Meicy como sempre envolvendo pessoas inocentes em seus problemas.
Meicy suspirou, aceitando a bronca e com razão. Seus sentimentos confusos e seus planos mal elaborados sempre não terminava bem.
— Admito de fato. Mas eu queria tanto poder reencontrar a minha irmã que pensei que ele pudesse me ajudar, entre outras coisas.
— Ele não serviu de nada — Marta indagou. — Você poderia vir sozinho, certamente já sabia como me encontrar.
— Eu sabia que você me odiaria. Esse homem, Miro, teve um elo com você no passado, embora você talvez nem se lembrasse dele. Ele tentou te adotar. Além disso, ele é filho de um feiticeiro.
— Filho de um feiticeiro? — Salua questionou, intrigada.
O silêncio se perpetuou por um momento. Kelmo sorriu, se lembrando de haver deixando Samy escapar há muitos anos atrás.
— Então... a existência desse homem é culpa minha? — Kelmo sussurrou para si mesma, porém, todos a haviam escutado.
Kelmo virou-se para Meicy, decidida, embora ainda relutante ao que estava preste a fazer.
— Feiticeiro, vamos embora daqui! — Ela ordenou.
Salua olhou para ela, atônita.
— Embora? O que pretende fazer? Vai trair a seita?
Kelmo suspirou.
— Salua... Não faço ideia do que irei fazer. Realmente não faço ideia. Você pode acionar a seita caso for sua vontade e, a indico a fazer isso para não ser prejudicada. A única coisa que te peço é que deixe esses dois irem embora. São parentes de feiticeiros, mas não têm culpa disso.
Salua assentiu, apesar de estar impactada com aquela decisão repentina de Kelmo.
— Espero que saiba o que esteja fazendo.
— Não se preocupe. Tenho ciência de meus atos.
Kelmo caminhou até Meicy.
— Vamos feiticeiro! Use o seu truque.
Meicy olhou para Kelmo, vendo-a se aproximar e pausar uma mão em seu ombro. Os olhos de serpentes o miravam com certa determinação, que para ele eram apavorantes e ao mesmo tempo belos. A nostalgia preencheu o seu peito, fazendo-o resgatar memórias de seu passado, das aventuras que ambos viveram juntos até o momento em que se entregaram à paixão. Ele sentiu o seu coração bater mais forte e uma chuva amarga de arrependimento pesou sem sua consciência. Ele havia se tornado um monstro então.
Olhou para Sora, que agora preferia ser chamada de Marta. Ela estava de pé, segurando o cabo de sua foice como se fosse a própria "morte". Ela o fitava, como se tentasse estudá-lo em cada detalhe sórdido de seu corpo. Ela não demonstrava sentimento algum. Ela havia mudado, não era mais aquela criança doce. Ela certamente havia mergulhado em um poço de amargura e rancor. Ele era o culpado disso tudo. A sua existência afinal, mesmo que injustamente para o pai de Miro e justamente para ele, que não conseguia separar seus sentimentos de seus poderes.
— Sora. — Ele falou, com uma voz rouca e abafada. — Eu só queria... — Ele se interrompeu, não sabendo escolher as palavras. — Me perdoe.
Marta deu de ombros e tentou disfarçar um sorriso.
— Isso é piada? Você sabe que não é digno de perdão algum. Por favor, vá embora e não volte, não me procure mais.
— Farei isso se for a sua vontade. Eu... estou feliz por estar bem e orgulhoso.
— Orgulhoso? — Salua interrompeu. — Ela é uma assassina!
— Estou orgulhoso por ela ter sobrevivido por todos esses anos. Seria uma ótima caçadora. Nosso pai teria orgulho também.
Marta franziu o cenho, tentou não demonstrar os olhos marejados. Meicy havia tocado em sua ferida que era o seu pai. Ela apertou os dedos no cabo de sua foice e respirou pesadamente.
— Vai embora, feiticeiro!
— Tudo bem.
Kelmo olhou para Salua pela última vez, tentando se certificar que ela ficaria bem. Enquanto isso a névoa negra que Meicy causara consumia seus corpos, deixando o ambiente em aspecto turvo e com um cheiro sufocante no ar. Eles desapareceram e a fumaça dissipou rapidamente.
Marta caminhou até a porta, passando por Salua sem nem a olhar sequer.
— Espere! — Salua indagou. — Não vai levá-lo consigo?
Salua apontou para Miro ainda desacordado e preso a cadeira.
— Não serei babá de ninguém. — Ela respondeu, apática.
— Não posso me responsabilizar por ele! Sou uma caçadora!
Marta olhou para ela antes de sair pela porta. Ela sorriu de canto e franziu a testa.
— Problema seu.
A jovem saiu do recinto, deixando Salua sem escolha. A caçadora segurou no punho de sua espada, entretanto ela sabia que não poderia fazer isso, por Kelmo afinal, por mais errada que as duas estivessem. Mas por respeito a Siristh, já quem era alguém em que ela admirou e espelhou-se, iria confiá-la.
Virou o seu corpo para Miro. Não poderia deixá-lo ali. Por visto, caberia a ela se responsabilizar pela vida do homem e tomar o cuidado necessário para não ser vista com ele.
☽✳☾
Kelmo estava sentada a beira de um riacho de águas rasas e correntes. A luz do sol matinal refletia entre as águas e as rochas arredondadas que entrelaçavam o curso hídrico. Pequenos peixes carregador pela forte correnteza eram carregados até as margens em ambiente mais calmo. Alguns pulavam e se rebatiam até retornarem a uma profundidade suficiente para nadarem, outros acabavam sendo refeições de algumas garças que perambulavam por ali perto.
Árvores de porte médio, de troncos longos e copas cheias rodeavam todo o local. O vento calmo levava consigo algumas folhas de cores amareladas e avermelhadas. Borboletas amarelas voavam em exagerados bandos nas margens do riacho, enquanto flores nunca visto antes desabrochavam em minúsculas pétalas arredondadas e multicoloridas por todo o campo gramado em volta.
Kelmo segurava uma vareta, tentando empurrar um pequeno peixe cinzento preso entre algumas rochas de volta ao curso d'água. Meicy estava em pé, pensativo e tentando puxar algum assunto para quebrar aquele silêncio devastador.
— Está com fome? — Meicy perguntou, focando seus olhos em um esquilo que escalava uma árvore.
— Não se preocupe comigo. — Kelmo respondeu, desinteressada.
A caçadora deitou-se na grama após conseguir salvar o peixe. Meicy sentou-se ao lado dela. Permaneceram novamente em silêncio por mais um tempo.
— Não pense que eu te perdoei, Meicy. — Kelmo falou, finalmente.
— Irá se complicar se continuar com essa ideia de me ajudar. — Ele falou, tentando não olhar para ela.
— Não estou te ajudando, eu só... — Ela se interrompeu, pois, nem ela mesmo sabia o que de fato estava fazendo.
— Você se sente traída.
Kelmo assentiu. O seu pai havia lhe enganado por toda sua vida, ocultando a verdade sobre a sua mãe e além de tudo, os tantos descendentes que gerava como uma fábrica de Sisith's para servirem a seita como se fosse uma linhagem especial. Ela não era filha dele, era apenas "mais um" investimento, que para ele, não lhe serviu muito.
— Então... — Meicy continuou. — Não quero pressioná-la, mas... estou tão perdido quanto você. Eu não queria me entregar, eu juro.
— Meicy... Eu mudei a minha concepção sobre os feiticeiros depois de conhecer "ela". A mãe daquele homem que estava contigo. — Kelmo franziu o cenho, estranhando como o destino era intrigante. — Ela o amava tão intensamente que faria de tudo para defendê-lo. Eu me vi nela, quando ela tentou lutar comigo. Eu conseguia sentir o que ela sentia. Parecia ser um momento de fraqueza meu, mas... eu me sentia tão forte naquele instante... Eu não tive coragem de matá-la. Na verdade... Eu, havia recuperado o rubi, mas traí a seita ao me desfazer dele para que nenhum feiticeiro pudesse ser preso novamente. Eu não queria que ninguém passasse pelo o que ela passou ou pelo o que eu passei.
Meicy ouvia atentamente, embora um pouco surpreso. Kelmo estava desabafando tudo o que sentia. Talvez houvesse ter sido difícil essa situação mais quanto ele imaginou.
— A única diferença, Meicy, era que o idiota azul era apenas um inocente, embora poderoso, mas estava apenas querendo defendê-la. Ele não machucou ninguém por mal. Eu via isso nos olhos dele. Mas você... você é perverso. Você desejava sangue e ainda deseja.
— Me perdoe.
— Você sabe que não posso. Mesmo se você mudasse. — Ela virou os seus olhos para os profundos e intensos olhos negros dele. — Eu entendo que você age por sentimentos, mas esses sentimentos te dominam e te tiram toda a razão. Eu tenho medo...
— Do que você tem medo? — Meicy perguntou em sussurro, mas já sabendo a resposta.
— De você. Da sua reação quando a seita vier te buscar. Eu sei que não irá se entregar e eu sei que vai reagir violentamente.
Meicy sabia o quando Kelmo estava certa. Ele duvidava de sua própria capacidade de autocontrole.
— Eu não posso te prometer nada. Eu... tenho medo de mim. — Ele franziu o cenho, no momento em que teve uma ideia absolutamente absurda. Ele relutou por um momento, mas decidiu falar. — Kelmo, me desmembre.
Kelmo se levantou repentinamente, se mantendo sentada. O encarou assustada.
— O que está me pedindo?
— É o único jeito. Talvez... Você mesma entregaria as partes de meu corpo à seita e terminaria tudo bem.
— Você está de brincadeira?
— Eu nunca estive falando tão sério.
— Dá no mesmo você se entregar a seita.
— Não é a mesma coisa, Kelmo. Você conhece o meu temperamento.
— E o que garante que você não irá perder o controle comigo? Quando tentei te deter no Instituto você quase me matou.
Meicy segurou em uma mão dela que descansava no gramado. Ela ficou enrubescida com aquele ato.
— Eu te dou a minha palavra. Venda os meus olhos se for preciso. Faça isso, Kelmo. Pelo mundo, por mim... por você.
Kelmo sorriu e lançou os seus olhos para além das árvores em sua frente. O barulho das águas entre as rochas deixava o ambiente com certa ternura, diminuindo a tensão daquela conversa.
— Eu preferia lhe prender novamente no rubi. Acho que seria menos doloroso para mim.
— Doloroso?
Kelmo mudou a sua expressão, tornando-se séria. Havia dado conta que demonstrava sentimentos. Ela parou de se importar e deixou o orgulho de lado.
— Eu ainda te amo. — Ela falou rangendo os dentes, com se envergonhasse disso. — Por outro lado, tudo o que eu mais queria era fazer isso. Te desmembrar e te ver agonizar de dor, te ver sangrar e implorar por misericórdia. Mas não sinto mais esse desejo, por mais que eu quisesse sentir. — Ela olhou para ele. — Você como sempre me estragando.
Meicy tentou evitar, mas sorriu. Kelmo rasgou uma tira de seu manto e entregou a ele para vendar os olhos. O feiticeiro respirou fundo. Ela havia se decidido então. Iria realizar o seu último desejo, ele iria se entregar, mas, se entregar para ela.
Meicy se pôs de joelhos já com os olhos vendados. Respirou fundo, sentindo apenas a brisa suave tocando a sua pele e açoitando seus fios de cabelo, ouvindo o barulho das águas, o canto alegórico das aves nas árvores. Estava calmo, bastante calmo e acima de tudo, a presença ameaçadora de Kelmo era lhe confortante.
Kelmo se ergueu, sacando a sua espada da bainha. Ela não tinha certeza se realmente deveria fazer isso. Mas já estava ali, destinada a finalizar aquela história de uma vez por todas. Apertou forte o punho da espada e visualizava o pescoço nu de Meicy que ele havia ter feito questão de retirar o smoking e desabotoado os botões de sua camisa. Ela sabia que era apenas golpeá-lo de forma certeira e rápida.
Flash se passavam em sua mente. Eram lembranças aleatórias dos momentos ruins que passou com Meicy, de todo o mal que ele fez, das pessoas que ele matou a sangue frio. Ela ergueu a espada cerrando os dentes. Percebeu ele engolindo um seco, preparado para ser decapitado. Ela brandiu a espada, cortando o ar com o seu fio e disparou o golpe...
Mais lembranças a consumiu, porém, dessa vez, eram as boas memórias. Os gestos, o sorriso, o toque em seu corpo, os momentos mais simples, porém que foram tão especiais. Ela interrompeu o seu ataque, pausando o fio da espada em poucos centímetros do pescoço de Meicy. Ela recuou um passo, deixando sua arma cair sob os joelhos do feiticeiro.
— Kelmo? — Meicy perguntou, estranhando, mas não retirou a venda. Aguardou a seguinte reação da caçadora.
Kelmo sabia que iria se arrepender do que estaria preste a fazer, mas ela precisaria se despedir dele corretamente. Ela retirou o seu manto, deixando-o no chão e relutante se aproximou de Meicy, ajoelhando-se diante dele. Colocou uma mão em sua nuca a percebeu as sobrancelhas deles franzirem.
— Kel...
— Não fale nada. — Ela falou, puxando de seu cinto no chão um punhal.
Ela abraçou o pescoço de Meicy com o punhal em mão. Não sabia exatamente o que pretendia fazer, mas que aquela posição lhe deixava tão próxima do feiticeiro que conseguia sentir a respiração quente nele em sua face. Ela tocou a lâmina afiada na pele dele, enquanto sua outra mão deslizava sob a face. Ela sentiu as mãos do feiticeiro em sua cintura e cada vez mais ele a puxava para mais junto do seu corpo. Tão juntos que seus lábios se tocaram e desencadearam em um ardente beijo.
Kelmo apertou a lâmina no pescoço de Meicy, sentiu a pele dele se arrepiar a cada mergulho de dor que o fio do punhal causava ao afundar em sua pele. Isso não impediam que parassem de se beijarem, o contrário, aumentavam ainda mais a intensidade.
O sangue de Meicy derramava e sujava sua camiseta branca, Kelmo havia paralisado então suas mãos enquanto se entregava completamente ao feiticeiro. Ela deixou o punhal cair no mesmo momento em que Meicy abaixou as alças de sua blusa e passeou com seus lábios por seu pescoço, ombros e por fim até os seios.
Meicy ignorou o corte em seu pescoço quem em poucos minutos estava se cicatrizando e Kelmo se entregava aos seus desejos.
☽✳☾
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top