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Não dava para reclamar da primeira noite na cama nova, era confortável e completamente acolhedora e agora se preparando para ir tomar o café àse seis da manhã, Índia se perguntava se deveria trocar de roupa, ou então ir de pijamas, ainda não se sentia em casa o suficiente, tinha que causar boa impressão para Ruth e Stéfany.
Vestiu a roupa de ficar em casa mais arrumadinha que tinha, os barulhos que vinham da sala a deixavam animada, cruzou a porta do quarto dando de cara com com correria do dia a dia que ela tinha acabado de conhecer. Ruth tomava café e o pai saia do banheiro indo em direção a ela.
— Não precisava acordar tão cedo. — O homem disse sorrindo — Bom dia.
—Bom dia... — Índia se sentou à mesa, o que deveria fazer agora? Puxar um assunto? Somente comer?
— Índia, eu esqueci de falar com você ontem. — Ruth sorriu — Como eu e seu pai saímos cedo pro trabalho, eu pago uma vizinha para ficar com a Stéfany pela manhã até a hora de ir pra escola, daqui daqui pouco a Carol deve estar por aqui... ela é um anjo!
Certo, mais gente para conhecer, Índia não sabia dizer se aquilo era bom ou ruim e a deixava com mais dúvidas, agora que estava na casa ia olhar Stéfany? Não que fosse algo ruim, mas nunca tinha tido contato com criança, e com certeza não ia bancar o papel de irmã mais velha. As seis e meia Índia já estava sentada sozinha no sofá, pensando que realmente deveria ter permanecido dormindo, encarou o celular, nenhuma mensagem, até sua mãe só mandaria mensagem mais tarde, nada de novo em lugar nenhum. As sete a porta da sala se mexeu, Índia praticamente saltou do sofá tomando posição para enfrentar quem quer que fosse, a porta se abriu revelando uma menina, que não deveria ser mais velha que Índia, a vizinha, se lembrou.
— Oi... — A garota encarou Índia um pouco desconfiada
— Oi! — Índia sorriu ainda com um nó na barriga enquanto uma voz na sua cabeça gritava, podia ter sido o Unicórnio
— A Stéfany já acordou? — Índia negou — Ela nunca acorda cedo, bem, eu sou a Carolina.
— Índia.
As duas se comprimentaram com um abraço, Carolina era alguns centímetros menor que Índia, o cabelo cacheado vermelho, um vermelho bem forte que parecia brilhar, estava amarrado em um rabo de cavalo, vestia uma calça de moletom e blusa sem mangas.
— Então você é a famosa Índia? — O coração de Índia bateu forte, e se Carolina começasse a falar sobre as mortes, e se perguntasse coisas difíceis de responder, Índia apenas queria fugir — Sabe o seu pai falou de você várias e várias vezes, acho que ele espera que sejamos melhores amigas, você tem uma melhor amiga Índia?
Não tenho muitos amigos depois que mais da metade deles morreu. Pensou, mas preferiu se manter a uma pequena e simples palavra.
— Não.
— Eu sei, cidade nova, todos desaparecem, agora você tem uma amiga! — Carolina sorriu animada se jogando no sofá e chamando Índia — Acho que sei tudo de você, não tudo, mas seu pai me narrou um monte de coisa.
— Até onde ele narrou?
— Filha exemplar, amor da mamãe, verdadeiro futuro da nação. — Carolina se sentia realmente em casa, puxou o controle e ligou a televisão — Que você passou História, que vai começar no segundo semestre, coisas básicas, relaxa, ele não me deu o número do seu cpf.
— E você? Sabe tudo de mim, e eu não sei nadinha de você. — Índia arqueou uma sobrancelha, estava começando a se sentir à vontade
— Carolina, mas todo mundo me chama de Rol, tenho 20, acho que tem um ano e meio que tô aqui, fiz um semestre de pedagogia, mas abandonei, fiz Enem e passei pra História, então seremos coleguinhas de turma.
— Então você já conhece a Universidade.
— Se eu conheço? Eu conheço aquilo ali de cabo a rabo! Eu ficava entediada das aulas e ai andar, fazia um passeio nos módulos, tomava água nas salas dos colegiados, só não ache que eu sou do tipo de aluna que foge da aula, é só que não me sentia nada motivada a ficar naquelas aulas. — Rol olhou no relógio — Eu vou acordar acordar Stéfany, se deixar ela entra em coma.
Índia riu. Depois de alguns minutos Rol passou levando Stéfany para o banheiro e voltou indo para a cozinha, pegando um copo, café e pão para a menina.
— Não enrola não! — Rol falou brincando para a menina que começava a comer lentamente — Temos muito o que fazer essa manhã!
— Não tem nada pra fazer aqui! — Reclamou a menina — No condomínio das minhas amigas tem piscina!
— No das minhas também e eu não to reclamando! — As duas pareciam ter a mesma idade — Então Índia, vamos fazer um passeio hoje para você conhecer os entornos e tomamos um açaí depois!
— Bem que eu podia não ir pra escola...
— Sua mãe pega a gente! Aliás eu nem sei se você gosta de açaí... Não me deixa tomar o controle não... Eu sou só um pouquinho surtada... A Sol vive dizendo isso... PRONTO! Você tem que conhecer a Sol!
Índia não disse nada, também não conseguia dizer um não, Carolina parecia tão animada em entrete-la com novidades que Índia não podia reclamar. A manhã se passou rápida, Ruth já deixava a comida pronta e as três almoçaram sorridentes, meio dia e quarenta a van para levar Stéfany para a escola apareceu e então Carolina e Índia ficaram sozinhas.
— Não me lembro da última vez que almocei tão cedo... acabava fazendo um miojo pra lá das uma da tarde.
— Miojo não é almoço! — Rol disse chocada — Como você faz uma atrocidade dessa com você? Sabe que faz mal pro corpo né?
— Mas alimenta!
— Você e a Sol vão se adorar! Já temos alguém para você conhecer, espero que ela esteja em casa, e com certeza ela vai tá com um prato de miojo! — Índia riu enquanto Carolina a arrastava pelos prédios
Índia não tinha conseguido memorizar o seu prédio, sabia somente que era o K, Rol ia a arrastando para o fundo do lugar, até chegar ao prédio U, subiram até o terceiro andar batendo na segunda porta a direita, encontrando a porta entreaberta, Carolina a empurrou entrando espalhafatosamente e topando o pé em uma caixa.
— Sol! Sol!
— Tô no quarto! — A menina gritou — No da Vanessa!
A sala estava repleta de caixas fechadas e algumas abertas jogada por cima dos móveis, no quarto uma garota loira estava ajoelhada em frente a uma parede ao lado de um móvel desmontado, o cheiro de água sanitária subia, Carolina riu e a garota loira se virou.
— Que que tá acontecendo aqui?
— Furacão Vanessa! — A loira falou revoltada
O cabelo loiro estava cortado a cima dos ombros, a franja presa no topo da cabeça com uma presilha, as bochechas tinham um tom avermelhado, os olhos castanhos eram grandes, ela sorriu vendo as duas, tinha as mãos envoltas de luvas plásticas descartáveis e um pano nas mãos.
— Me diz que você arranjou alguém pra morar comigo! — Ela percorreu o olhar entre Carolina e Índia
— Não... ainda não, Índia é minha vizinha e eu estou apresentando ela para novas pessoas, no caso, você.
— Ah sim, bem, eu sou a Solange, mas de preferência Sol. — Sol arrancou a luva plástica da mão e cumprimentou Índia — Como dá pra ver eu não estou no melhor momento.
— O que aconteceu aqui?
— Eu tinha dito que a Vanessa passou para arquitetura na UFMG, aí ela resolveu que hoje ia se mudar! Como se se mudar fosse algo assim, rápido! Ai agora eu descobri porque eu estava com o nariz irritado toda vez que eu vinha pra casa. — Ela se afastou, mostrando a parede mofada e apontou para o fundo do guarda roupa no chão, também mofado — Eu to fazendo o trabalho que era todo dela!
— Cadê a Vanessa?
— A doida recebeu uma ligação e saiu por aí desesperada, até agora não voltou! Fiquei com todo o trabalho!
— Se quiser ajuda... — Índia sugeriu
— Não precisa, vamos fazer o seguinte, um dia que eu estiver de boa, a gente marca... — Ela olhava fixamente para Índia — Qualquer coisa...
Um celular começou a tocar e vibrar no chão, Sol saiu de seu transe e correu até ele.
— Vanessa!? Onde você tá? Eu não vou ficar... — Sol se virou para as duas com as sobrancelhas se contorcendo — Aquele babaca fez o que!? Não chora, vou te buscar... — Ela passou o longo tempo escutando o que Vanessa falava — Ok, só não chega muito tarde.
— Bem... Acho que a Vanessa não tá legal. — Rol encarou Sol
— Ela vai pra casa da Giovana, sofrer pelo término.
Alguns minutos a mais de conversa e as três se despediram, Índia agora sabia dos babados do prédio, desde o vizinho problema até o nome do síndico, era tudo tão mágico e legal.
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Para Vanessa o dia estava uma merda, ela mal podia explicar como tudo tinha chegado a aquele ponto, agora se sentia um incômodo na casa de Giovana, já eram sete da noite e ela ainda estava ali, talvez devesse sair, ir até um bar encher a cara. Giovana a olhava com piedade, por mais que fossem amigas de longa data, Giovana não era a melhor pessoa para lidar com sentimentos.
Tinha que sair dali, para qualquer outro lugar. Foi então que se despediu mesmo que Giovana insistisse para que ela dormisse ali, olhou para a rua, aquele lado da cidade era tão silencioso, não havia ninguém nas portas, nem na rua, na verdade uma única pessoa, parada na esquina de preto, quase se misturando com a noite. Vanessa andou passando por aquela pessoa, que não se moveu, mas assim que dobrou a esquina Vanessa olhou para trás, a figura ainda estava lá, talvez três passos do lugar inicial, se virou e andou novamente, uma sensação cresceu, pareceu escutar passos, estava sendo seguida.
Paranóia. Foi a primeira coisa que a consumiu, apertou o passo, para praticamente correndo e se recusando a olhar para trás. O passeio era uma grande reta, a próxima rua ainda estava distante, havia um único carro estacionado, talvez alguém estivesse em alguma daquelas casas.
— Me ajuda! — Gritou
Como mágica as luzes do carro piscarem e foi destravado, no calor do momento se atirou na direção dele e quando estava prestes a abrir a porta o barulho do bip tomou novamente seu ouvido, era tarde para Vanessa, mãos a agarraram e taparam sua boca, o carro foi aberto de novo e a garota jogada para lá dentro nos bancos do fundo, a figura entrou logo em seguida sentando-se ao lado dela.
Ainda meio caída analisou por um momento, vidros pretos, carro preto, uma estranha sensação de familiaridade, logo substituída por uma dor aguda em suas costelas, se sentou com um puxão de cabelo, então sentiu a faca sendo retirada, era tão fria, seus olhos verdes esbugalhados subiram encarando a face do mal, o mal era belo e conhecido, Vanessa gritou mais ainda.
Completamente presa e entregue ao assassino não tinha muito o que fazer, foi rápido quando a faca atingiu bem o meio de sua barriga e a puxou para baixo, rasgando sua roupa e metendo a mão naquele vão para puxar as entranhas da garota para fora, o assassino se deliciou ao ver suas mãos enluvadas sujas de sangue quente.
Vanessa não gritou mais, sua cabeça pendeu para frente, seus dedos tinham leves espasmos, o assassino ao seu lado parecia admirar o último fio de vida se esvaindo e para ter certeza, mais que absoluta, que a garota estava morta, puxou sua cabeça para cima pelos cabelos, fazendo que seu pescoço ficasse bem à mostra, e então fincou a faca, não mexeu mais evitando que qualquer sangue jorrasse, apenas pulou para o banco do motorista.
Tirou as luvas guardando-as no porta luvas, depois o capuz da blusa preta e por fim a touca que prendia o cabelo, sorriu para o retrovisor tendo a perfeita visão de Vanessa morta e partiu, para o mais perto do inferno que poderia existir na terra.
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