cartinha de amor

Trabalhar em uma creche não é exatamente só diversão, por mais que ninguém realmente pense assim. Crianças são um verdadeiro inferno quando elas querem. Gritos, brincadeiras exageradas e comentários bem peculiares eram coisas habituais em praticamente todas as turmas de pré daquela escolinha. Em menos de duas semanas de trabalho, Jay e Jungwon já haviam ouvido de tudo.

Como lidar com essas coisas era basicamente a
única coisa que os forçava a interagir. O dia em que Jungwon deu a aula de artes foi uma raridade no relacionamento dos dois ─ antes daquilo, suas conversas não passavam de discussões e brigas, normalmente centradas em quem era melhor em fazer alguma tarefa. Spoiler: quase sempre era Jay. Entretanto, apesar da dificuldade que era lidar com algumas coisas que as crianças faziam, era apenas questão de tempo até melhorarem. Jungwon, especialmente, estava mostrando grande progresso ─ principalmente quando tratava-se de sua presença, uma vez que a diretora começou a perceber que ele estava ficando bem amiguinho da recepcionista.

Jay havia percebido aquilo, mas nem em mil anos seu orgulho o permitiria lhe dar algum elogio. Ainda não conseguia acreditar que havia considerado a voz dele remotamente atraente durante a aula de desenho ─ à força ─, e precisava continuar evitando-o para que não começasse a ter pensamentos estranhos sobre alguém que fazia cara feia toda vez que ele abria a boca. Portanto, como o desgosto é mútuo e um evita o outro, já é de se imaginar que não houve muita conversa nos últimos dias. O orgulho que os dois tinham simplesmente não os permitia nem pedir ajuda um
ao outro; era apenas provocação atrás patada que não parava mais.

Era sufocante, como uma guerra fria. Mas até mesmo o mais confiante e bom assistente se encontra em um beco sem saída às vezes.

─── Para mim? ── perguntou Jay para a menina que reconhecia como prima de Jungwon, a qual estava acompanhada de Seol. ─── É um presente de vocês?

─── É uma carta da Yeri! Lê sozinho! ── exclamou Seol, seguindo com risadinhas, o que sua amiga não parecia ter gostado muito.

─── Para! ── retrucou Yeri. ─── A gente tá indo. ── Agarrou o braço da amiga, e as duas seguiram para longe.

Como não aguentava a fofura delas correndo, deixou um sorriso escapar, quase esquecendo-se do que tinha em mãos até voltar para a sala dos professores e deixar a cartinha sobre a mesa. Como estava em sua pausa, sentou-se para ver o que tinha ganhado. Adorava ganhar presentes das crianças.

Jay encarou o envelope cor-de-rosa e os corações em excesso, achando um pouco estranho. Era a sua primeira vez recebendo uma carta das crianças, e ela parecia estranhamente como uma...

─── Merda, merda, merda ── repetiu baixinho, apressadamente abrindo-a, apenas para voltar a dizer: ─── Merda.

Era uma carta de amor. Acabou de receber uma carta de amor de uma criança de cinco anos. Como sequer poderia rejeitar uma criança sem destruir seus sentimentos se nunca havia feito isso na vida? ─ A parte de não machucar os sentimentos, especificamente. Já havia rejeitado um punhado de gente, só nunca chegou a importar-se com a delicadeza.

As letrinhas estavam escritas em lápis de cor rosa e tinham a caligrafia típica de criança, mas era possível ler claramente. Cada vez que Jay relia as palavras, parecia que ficava mais intrigado; aquilo estava estressando mais do que seus problemas usuais da faculdade e da e do trabalho. Ainda sem saber o que fazer, levantou-se da cadeira e colocou o café mais forte que achou na máquina da sala, contribuindo ainda mais para o "odor natural" dela.

Poucos segundos depois, outra pessoa abriu a porta. Jay encarou-o imediatamente, e recebeu uma carranca como resposta. "Ótimo, Jungwon está aqui" ironizou para si mesmo, percebendo como a situação em que estava era pior ao adicionar o fato de que a carta era da prima dele. Cruzou os braços e encarou a cafeteira como se pudesse fazer o líquido sair mais rápido.

E isso o fez ignorar Jungwon, que foi diretamente para a mesa. A mesa. A mesa onde estava o que mesmo? Quando caiu a ficha para Jay, já era tarde demais. Jungwon caiu na gargalhada.

─── Puta merda, essa nova geração anda direta com as intenções delas, não é? ── caçoou, aproveitando demais a situação. ─── Como você pretende quebrar o coração dela?

─── Você nem deve ter lido a assinatura, não é? ── retrucou Jay, que estava mais impaciente do que nunca com seu café.

─── O que é que tem a... ── Parou no meio da frase ao ler o nome escrito atrapalhadamente no final do papel, e colocou a mão sobre a boca, genuinamente surpreso. ─── Vamos ser família?!

─── Por favor, para ── suplicou, correndo na direção do colega, e retirando a carta de suas mãos. ─── Ela só deve ter visto um filme de romance. Vai passar.

─── Você está pensando em apenas ignorar?! Vai ser pior ainda! ── exclamou, ainda com um sorriso no rosto, estava amando aquilo. Nunca gostou tanto de ser o menos gostado entre os assistentes. ─── Você tem que bolar um plano. Nunca usou nada para se livrar de alguém?

─── Eu só digo não, curto e simples. Não gosto de mentiras.

─── Céus, eu realmente não consigo ir com a sua cara ── relembrou, cruzando os braços. ─── Bem, não é problema meu, se resolve aí.

─── É sério? Nem um pouco de companheirismo?

─── Calma ai, colega. Não vou começar a gostar de você do nada para te ajudar assim. Todos nós sabemos que da última vez foi para me gabar ── finalizou, pouco antes de abrir a porta novamente para sair, assim deixando Jay sozinho como antes.

Jungwon estava certo, não podia somente ignorar. Os sentimentos de uma das crianças estava em jogo, então apenas fazer a egípcia não era uma opção. Precisava pensar mais, de uma forma que seja simples e simpática para apenas acabar logo com aquilo. Era isso que sempre fazia, conseguia fazer mais uma vez.

Depois de mais uns instantes, seu café estava finalmente pronto. Bebeu um gole, mas estava um pouco amargo demais. Assim que se preparou para pegar açúcar, a porta foi outra vez aberta, dessa vez com agressividade.

Jungwon caminhou até Jay, retirou a caneca de sua mão e bebeu um gole enorme sem qualquer aviso prévio. Ao acabar, entregou para Jay um papel também cor-de-rosa, cheio de corações. Deu para entender a situação no mesmo momento. Karma por acaso?

─── Já tem alguma ideia de como rejeitar ai?

─── Agora quer me ajudar, é?

─── Passado é passado, viva no agora. ── Deu tapinhas nas costas de Jay, como se fosse ajudar em algo. ─── E agora nós precisamos rejeitar uns pedidos de casamento graciosamente.

Sentaram-se no banco colorido do parquinho, com uma expressão tão séria que contrastava com os desenhos infantis que decoravam praticamente todos os seus arredores. Estavam novamente encarregados de observar uma das turmas mais velhas no parquinho, e aquela era a maior quantidade de privacidade que teriam.

─── Pensou em alguma coisa? ── começou Jungwon, que não tirava os olhos dos pequenos.

─── Não, você? ── Jay fazia o mesmo, e ainda com os braços cruzados. ─── Até fugi da Yeri enquanto a gente pegava a turma.

─── Eu percebi, levei as crianças até o parquinho sozinho. Aquele tal de Woo quase rasgou minha calça com a tesoura sem ponta do Bob Esponja dele ── comentou, aproveitando para checar a calça outra vez. Felizmente, não havia problema algum. ─── Também ganhei uns olhares tímidos da criança que me deu a carta, foi esquisito.

─── Trate como compensação pelas várias vezes que eu precisei ficar sozinho enquanto você fofocava.

─── Então você nunca caiu na desculpa de precisar ir ao banheiro?

─── Você achava que tava me enganando com aquilo?

─── Nah. Não sou tão estúpido, só nunca liguei. ── Abriu um sorriso sapeca, quase involuntário. ─── Bem, eu tenho uma ideia, mas acho que você não vai gostar.

─── Estou com um mal pressentimento.

─── Você tem um mal pressentimento sobre tudo o que eu faço. Vai escutar ou não?

Não era mentira, Jay nunca aceitava nada sugerido por Jungwon. Havia criado um leve preconceito
sobre as suas ideias desde que o viu discutir por uma hora com uma criança de cinco anos sobre Miraculous Ladybug. Talvez ele não fosse tão ruim quanto a essas coisas, ele merecia uma chance. E Jungwon parecia bem certo sobre a sua ideia.

─── Tudo bem. Vamos acabar com isso. O que é para eu fazer?

Jungwon murmurou seu plano na orelha de Jay. A careta foi óbvia.

─── Nossa, eu te odeio tanto.

─── Mas você tem que admitir que é uma ótima ideia.

Jay suspirou.

─── Não. Mas não tenho outra. ── Grosso.

Por mais alguns minutos, continuaram ali no banco, olhando para o parquinho sem qualquer expressão. Nenhum deles estava com a mínima vontade de ir primeiro.

─── Você não vai? A ideia foi sua.

─── Nós podemos ir ao mesmo tempo, não é como se fosse a mesma criança ── debochou, e teve sucesso em perturbar Jay com seu argumento.

─── Certo. Levanta essa bunda então, que eu vou ficar te observando. ── Levantou-se e puxou o colega para cima também.

─── Ok, ok! Mas me solta que eu não quero perder o braço.

Park tomou aquilo como um elogio. Ambos seguiram para o parquinho, e discretamente chamaram as duas menininhas.

Jungwon foi para um lado, e Jay foi com Yeri para outro. As meninas pareciam meio tímidas, o que somente deixava os dois rapazes ainda mais desconfortáveis. Ao chegarem atrás de uma árvore grande do parque, Jay agachou-se para igualar a altura.

─── Yeri, o tio leu a sua carta, e eu estou muito honrado ── começou simples, sorrindo para a menina.

A garotinha sorriu, olhando para o chão sem jeito.

─── Então? ── antecipou.

Jay engoliu em seco. A garotinha estava tão feliz que estava se sentindo um monstro por rejeitar a cartinha de amor dela, mas precisava fazer aquilo. Desviou o olhar para lado, e tomou seu lado ator para seguir com o plano de Jay:

─── Me desculpa, mas meu coração já pertence a alguém.

Yeri desmanchou o sorriso, e estreitou as sobrancelhas. Não aceitava perder o coração de seu tio favorito para outra pessoa.

─── Mas... Eu posso fazer você mudar de ideia!

─── Nós já estamos juntos, Yeri.

─── E quem é?! ── exclamou, com um biquinho nos lábios.

Isso sim machucava o orgulho de Jay.

─── O tio Won ── Jay tentou o sorriso, mas não deu certo. A menina ficou sem expressão por alguns segundos, até colocar a mãozinha sobre a boca, e sair correndo logo depois. Jay continuou ali, pensando na grande fanfic que havia acabado de criar entre crianças de cinco anos.

Depois de sentir-se patético na grama por mais alguns segundos, voltou para o parquinho, onde Jungwon observava as crianças, até mesmo parecendo responsável. Engraçado. Apoiou-se logo ao seu lado.

─── Parabéns, funcionou ── respondeu ao chegar mais perto. ─── Por que será que não consigo me sentir aliviado?

─── Porque você me odeia, oras ── ironizou, rindo baixinho.

─── Não, você me odeia. Eu só não gosto de você.

─── Subi de patamar? Quero um prêmio ── continuou, abrindo a mão para receber algo.

Parecia ser impossível para Jungwon responder sem alguma piadinha. Ou pelo menos aquela era a regra entre as suas conversas. Jay estava sem qualquer vontade de tentar continuar com aquilo.

─── Então, já tem ideia de como encenar um término?

─── Nunca mais sigo seus conselhos.

─── É assim que você fala com seu amado?! ── provocou, levemente chutando a perna de Jay. ─── Está tudo acabado.

─── Não começa ── resmungou de volta, sentindo a canela dolorida, mas acabou apenas recebendo risadas de volta.

Jungwon era irritante, muito irritante, mas também estupidamente bonito. Toda vez que ria daquela forma Jay não conseguia não admirar, e aquilo o irritava. Era por isso que não conseguia odiá-lo, simplesmente não conseguia. Mas nunca mais iria seguir os seus conselhos. Nunca.

Yeri acomodou-se no banco traseiro do carro de seu irmão, já conseguindo colocar o cinto por conta própria. Ainda conseguia vê-lo com frequência, depois de um longa discussão entre Sunoo e a mãe dos dois para que pudesse buscá-la na creche nos finais de tarde. Hyeri não queria aceitar, mas não podia negar que era apenas vantajoso ter alguém fazendo esse trabalho.

Aquele pequeno passeio de carro também era ótimo para a menina, que além de poder ficar com seu irmão, podia ficar conversando com a sua amiga e até às vezes sair para comer algo delicioso.

─── Como foi o dia de vocês, meninas? ── perguntou, abrindo um leve sorriso.

Seol bateu palmas.

─── Muito legal. ── Começou a rir, encarando a amiga no outro banco.

─── A gente descobriu algo ── continuou Yeri, que pediu para que o irmão chegasse mais perto.

Meio confuso, Sunoo colocou a orelha perto do rosto da irmã, esperando ouvir sobre o que elas estavam tão animadas sobre.

─── Tio Jay e Tio Won estão juntos.

Sunoo afastou-se de repente, com os olhos arregalados.

─── Aqueles dois?!

─── Sim!

─── Vocês tem certeza?!

─── Aham!

O garoto começou a rir, de forma meio estranha, mas estava claramente animado com a informação. Ajustou-se rapidamente no banco do motorista, ainda com certo sorriso no rosto.

─── Minha festa esse sábado vai ser mais legal do que eu esperava. Amo fofoca.

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