7 - O Curselake
"Atenção todas as unidades... Suspeita de sequestro nos arredores do Curselake... Chamando delegado Coper."
—Coper na escuta Martinez... – Piter levou o rádio comunicador até a altura do bigode, tiritando de frio. – Um sequestro?! Mas que merda!
"Sim delegado, estamos com o pai da garota, mas o pobre coitado ainda está em choque..."
—Estarei aí o quanto antes... – Piter franze a testa. – E espero que tenha pelo menos isolado a área Martinez... Ou então eu acabo com você, ouviu bem?!
"Certo delegado Coper."
Com uma risada contida do tenente Martinez, Piter encerrou a linha de comunicação com a polícia e voltou suas mãos para o volante. Fazia um frio de arder os ossos do lado de fora, onde os primeiros raios da aurora já despontavam contra a escuridão lisa da madrugada. Fiapos tímidos da neblina baixa dançam contra o parabrisas da viatura, misturados ao cheiro peculiar de gasolina em combustão e o famigerado café forte da Carmelian Street. A horse with no name tocava no rádio, embalando aquela manhã sonolenta em sua melodia suave e tranquila, como se nada de ruim pudesse acontecer, no fim das contas.
Piter encarou a copada dos abetos e bocejou alto...
—In the desert you can't remember your name... – Cantarolou, contagiado por uma nostalgia estranha.
O delegado deixou a quietude da sua casa mais cedo essa manhã, graças a um chamado de emergência e um alerta de desaparecimento. Ele mal tinha se recuperando do que houve no dia anterior, quando outra bomba dessas caiu no seu colo. Torcia, em parte, para que o incidente não passasse de um simples trote ou simplesmente algum pestinha que resolveu brincar longe do acampamento dos pais, só para ser encontrado horas mais tarde.
Isso acontecia com uma certa frequência também.
—Vamos lá Piter, você consegue fazer isso... – Afirmou, enquanto puxava os freios de mão com um solavanco brusco. – É só a porcaria de um lago... Não tem nada de mais nisso.
Diante dele, grandes pinheiros escuros e faias jovens davam espaço para um imenso lago irregular comprido, escorrendo entre rochas cobertas de limo, corredeiras ruidosas e águas semelhantes a um gigantesco espelho de obsidiana. Cujo brilho pálido oscilava nas ondulações da fraca correnteza. Era profundo e traiçoeiro, fama que lhe rendeu o mesmo nome da cidade em suas divisas.
Curselake, o lago maldito...
—Martinez! Onde está o isolamento que eu pedi? – As botas do delegado escorregam por entre dolomitas de aparência gasta e áspera.
—Já estou providenciando isso delegado Coper... – um exausto tenente desponta em meio à outros guardas florestais inquietos, falando baixo, ou trocando expressões de pena. – Achei que o senhor gostaria de falar com o pai da vítima antes.
Piter fitou o lago por um tempo, sem dar atenção ao relatório apressado do seu próprio subordinado. Memórias confusas rodavam pelo crânio, ao som de gritos desesperados, ressentimentos profundos e dolorosos, esmurrando as paredes do seu subconsciente com toda a força. Piter pensava já ter superado isso, enterrado embaixo de anos e anos sem falar no assunto, sem brigar com o pai pela fraqueza dele, diante de um acontecimento tão grave. "Ele devia ter feito alguma coisa", dizia para si mesmo, "não podia terminar assim". Sentindo a raiva bombardear as veias, Piter cerra os punhos, com força o bastante para enterrar as unhas nas palmas das mãos.
—Senhor... Está tudo bem? – Martinez o desperta, segurando uma prancheta em mãos.
—O quê?! Não, não é nada... Onde está o pai da garota?
Martinez franziu o cenho, mirando o lago com olhos pesados de tanto sono.
—Levamos ele para a cabana de caça do Earl, aqui perto. – ele dá uma boa olhada em suas anotações. – Se Chama Jeremy Welt... Veio acampar com a esposa e os dois filhos aqui dois dias atrás. Mas, a caçula, Lindsey, não é vista há algumas horas.
—Droga... – Piter responde, caminhando pesadamente contra a margem do lago, sem voltar a olhar para a água. – Já acionou as patrulhas de busca?
—Sim senhor, a velha Marjory estará aqui com os cachorros em menos de uma hora... Pelo menos foi o que ela mesma disse.
—Ótimo, ótimo... Você não é assim tão inútil quanto eu pensei Martinez, bom trabalho!
O referido não pôde deixar de soltar um tímido riso anasalado, negando com veemência, ao entregar sua prancheta em mãos mais qualificadas.
Agora sozinho novamente, Piter tratou de ajustar a fivela do cinto, bocejar alto e estalar o pescoço, o qual produziu um barulho angustiante de se ouvir. Momentos como aquele exigiam sua versão mais séria e autoritária, pois só assim conseguia obter o máximo de informações que as testemunhas pudessem oferecer. Pessoas podem ser tendenciosas, de acordo com as circunstâncias, mas Piter não tinha tempo para joguinhos de palavras ou interrogatórios longos. Não havia outros campistas no lago Curselake ultimamente, de modo que todas as fichas daquele inquérito apontavam diretamente para os pais da garota.
—Bom dia, Senhor e Senhora Welt... – Diz, com uma dose generosa de cordialidade. – Sinto muito pelo ocorrido, espero mesmo que essa situação se resolva o mais rápido possível.
A cabana de caça era ridiculamente pequena, tendo pouco mais de quatro metros quadrados de perímetro e paredes formadas por troncos brutos de abeto, sem tratamento nenhum, além do conveniente. Fachos de luz mortiça entravam pelas frestas do telhado, refletidas nos olhos esbugalhados de um homem, uma mulher e um garoto, aparentando ter entre onze e treze anos de idade. Estavam sentados no chão, encolhidos junto da soleira da porta.
—Senhor Welt? – Piter arqueia uma das sobrancelhas. – Pode me dizer exatamente o que aconteceu?
O referido ergueu seus olhos do ponto fixo que estava encarando, nos últimos dez minutos, sem dizer uma só palavra. Seu semblante evidenciava alguém em estado de puro horror, indo muito além do já esperado choque, ou, na maioria dos casos presenciados pelo delegado, o desespero desenfreado. Algo naquela família estava terrivelmente errado, Piter tinha certeza absoluta disso.
—Não pode ser... – Disse o homem, por fim. Sua voz não era nada mais do que um mero sussurro. – Acha que a minha Lindsey está... está...
Silêncio.
—Melhor não tomar nenhuma conclusão precipitada ainda, Senhor Welt... Podemos crer na possibilidade de um simples desaparecimento. – Mordiscou os bigodes. – Por que decidiram acampar nessa região? Não são da cidade, são?
Jeremy franziu o cenho, pois não esperava aquela pergunta.
—Não... Viemos de River Valley. – Ele encarou a esposa e o único filho que lhe restava. – Meus pais tem uma pequena propriedade nessa região, então pensei em levar as crianças para a natureza... Sair da cidade um pouco, sabe.
—Entendo... – O delegado se ocupou em rabiscar fatos desconexos na prancheta que Martinez havia lhe dado. – onde viu sua filha pela última vez?
—Perto do lago...
Piter sentiu um calafrio subir pela espinha.
—Acha que ela pode... Ter caído?
—Não, ela não caiu. – Naquele instante, os feixes de luz escureceram, emergindo toda a cabana em um bloco denso de pura escuridão.
O vento gélido começou a assobiar do lado de fora...
—Alguma coisa saiu da água. – O filho mais velho de Jeremy se manisfesta, pela primeira vez durante aquela conversa. – Eu vi quando uma coisa pegou a Lindsey.
—Luke, sem mais das suas besteiras... – Repreendeu o pai. – Isso é coisa de adulto!
—Mas eu sei o que eu vi!
—Sem mentiras Luke!
—Não estou mentindo, eu juro! Alguma coisa arrastou a Lindsey pra dentro do lago...
—Agora já chega! – Um silêncio tenebroso se formou, assim que a ordem foi proferida.
Piter assistia a cena, horrorizado. No fundo da sua memória, ele se recordava de um acontecimento parecido, embora este tenha ocorrido há quase trinta anos atrás. As imagens corriam ainda vívidas pelo seu cérebro, vertiginosas como um sonho distante e ruim, do qual nunca conseguia despertar completamente.
—Tudo bem, Senhor Welt... – Intervém, antes que pai e filho começassem a discutir. – Toda a hipótese é válida nesses momentos. Me diga, o que você viu Luke.
O garoto respirou fundo, apertando os braços com uma certa dose de insegurança.
—Nós estávamos jogando pedras na água, só pra ver quem arremessava mais longe. Então eu saí para buscar mais algumas, na margem... – Sua voz soava distante agora. – Foi aí que aconteceu... Era como uma sombra, tinha garras e braços compridos. Não consegui ver direito, mas acho que também tinha chifres.
Jeremy nunca esteve tão incrédulo na vida.
—Perdoe o meu filho delegado, isto é um absurdo... Acho que ele só está em choque.
—Não se preocupe. – Piter sorriu de canto, algo raro para ele. – Por incrível que pareça, já ouvi um depoimento muito parecido.
O homem ainda pareceu não estar satisfeito, encarando o próprio filho com um misto de medo e decepção no olhar. Piter, por outro lado, relembrava as palavras dos órfãos da casa Hawkins. Existiam pontos similares entre ambos os relatos, como a aparência sombria e os membros desproporcionais do suspeito. Ele se perguntava se já houveram depoimentos similares no passado, e se algum tipo de criatura desconhecida anda matando pessoas nos arredores da floresta.
Pensar nisso o deixou perturbado...
—Faremos o possível para encontrar sua filha, Senhor Welt. – Diz, por fim. – Agora sugiro que deixem a margem do lago o quanto antes... Curselake tem estado muito estranha nos últimos dias.
Sem se delongar mais, as grandes botas do delegado voltaram a transpor o terreno irregular com tranquilidade. À sua volta, outros oficiais encaravam o lago cinzento, murmurando entre si ou simplesmente deixando que a fumaça de um cigarro subisse pelos ares, até se dissipar por completo. Piter jazia imerso em suas próprias maquinações, preocupado apenas em encontrar aquela criança e ir pra casa, quando o barulho alto de freios sendo acionados chegou aos seus ouvidos, próximo o bastante para quase acerta-lo em cheio.
—Ficou maluco?! – Vociferou, com ambos os braços estendidos. – Pra que serve a porcaria da...
Trincou o queixo, assim que uma imponente Renge Rover azul chumbo estacionou bem diante dos seus olhos. Poderia ser só um motorista bêbado, algum engraçadinho brincando com o perigo, ou simplesmente alguém descontrolado no volante. Porém, para a infelicidade do delegado, só uma pessoa poderia ter um carro como aquele na cidade...
—George Clifford... – Sussurrou, engolindo em seco.
A porta direita se abriu com um ruído suave, deixando que um escalpo dourado emergisse para a morna luz matutina. George tinha o torço corpulento, a face avermelhada e grandes bochechas lisas, cujas marcas da idade já começavam a ficar evidentes. Vestia-se tal qual um executivo de grande importância e renome, usando um caríssimo terno risca-de-giz azul marinho, gravata de cetim bordô, abotoaduras douradas com ambas as iniciais do próprio nome, assim como grossos anéis nos dedos e um relógio de pulso igualmente caro. Seus olhos apertados fitaram Piter de forma indigesta, atravessada, quase com asco.
Olhar que geralmente dava aos seus subordinados mais incompetentes...
—Bom dia, delegado Coper... – Olhou em volta, certificando-se de que era observado. – Espero que esteja muito bem.
—O que veio fazer aqui? – Piter cerra os punhos, estufa o peito e franze a testa, de modo que suas grossas sobrancelhas quase formassem uma única linha emaranhada.
George ignorou a pergunta.
—Creio que você é o encarregado de encontrar o assassino do meu filho, estou correto?
—E você deveria estar cuidando do enterro dele, se sequer fosse um bom pai.
O "estranho" troca a indiferença palpável por um leve farfalhar de fúria, agitando a cabeleira rala, empapada de gel fixador. Sua respiração, antes calma e controlada, se tornou pesada, ruidosa, difícil de acompanhar, igual ao bater descompassado do coração dentro do peito.
—Quem é você para contestar os meus deveres enquanto pai, Piter Coper? – George indaga, áspero. – É o seu trabalho manter a ordem nesta maldita cidade... Se tivesse feito isso direito, Todd ainda estaria vivo!
Um silêncio aterrador forma um abismo entre ambos, entrecortado pelo som agourento do vento congelante...
Piter não responde, estava desconcertado demais para não pensar em outra coisa, além de arrebentar a cara daquele sujeitinho arrogante. Embora tivessem quase a mesma idade, estudado na mesma escola e frequentado quase os mesmos lugares, Clifford e Coper nunca se deram bem, e isto é fato.
—Não estou aqui para discutir. – George diz, aparentando estar bem mais abatido do que o habitual. – Só quero entender o que houve.
Piter suspira alto, coça o queixo e finalmente fita o lago, com as mãos pousadas na cintura. Mesmo que tivesse suas razões para odiar George, até mesmo ele tinha que dar o braço a torcer. Um pai havia perdido um filho, então é natural que ele procure suas respostas.
Não importa onde, ou com quem, elas estejam...
—E já que você é o encarregado do caso, preferi acompanhar o andamento dele pessoalmente. – George recupera o seu ar de superioridade. – Embora isso em muito me desagrade.
Piter resmunga, numa espécie estranha de riso engasgado...
—Então você deveria ter ido até a delegacia, como qualquer pessoa normal faria.
—Prefiro tratar dos meus assuntos pessoalmente... – responde. – E, além do mais, fui orientado a procurá-lo aqui.
Piter volta a resmungar.
—Como pôde vir até esse lugar? – Seus olhos fuzilam os do homem diante dele, imersos em desprezo. – Ou já se esqueceu do que você fez, Clifford?
—Eu sou inocente! – Dispara, pousando os dedos sobre as têmporas. – Até o seu pai concordou que foi um acidente. Quantas vezes mais vou ter que provar isso? Liana e eu nunca...
Uma lufada furiosa assoviou entre as orelhas de Piter, assim que ele agarrou George pelo colarinho e o levantou alguns centímetros no ar. Espantados, os demais guardas florestais observavam o desenrolar daquela discussão, enquanto um furioso delegado, e um aturdido empreiteiro se ameaçavam como dois adolescentes idiotas.
—Nunca mais diga o nome dela, ouviu bem?! – Grunhe, enquanto as veias do seu pescoço quase explodem para fora da pele.
Mesmo pego de surpresa, e um pouco mais mole do que era, há vinte anos atrás, George se debate da forma mais desajeitada e estranha que se possa imaginar. Até que, num súbito rompante furioso, acerta um soco certeiro entre as costelas de Piter. Seus anéis maciços afundaram pela carne macia, até encontrar o diafragma e roubar dele todo o fôlego.
—Seu filho da puta! – Cospe, igualmente furioso. – Você é pior do que um selvagem, Coper!
O delegado tossiu em resposta, curvado sobre as coxas grossas, enquanto tentava proferir todos os palavrões que passavam pela cabeça. Por um instante, Piter quase se arrependeu de ter partido para a ignorância com um dos homens mais ricos e importantes da região. Mas, graças a incrível cabeça dura, logo o arrependimento deu lugar ao desprezo novamente.
Que se dane!
—Vai... embora... daqui... seu babaca! – Diz, com a voz falhando.
—Ah, com prazer! – George desliza ambas as mãos pela cabeleira desgrenhada, afrouxa a gravata e volta pisando duro para o carro. – Mas não pense que se livrou de mim delegado... Não vou sair do seu pé, enquanto eu mesmo não enforcar o maldito que tirou meu filho de mim!
Os pneus cantam alto, assim que a Renge Rover acelera por entre a estrada de pedregulhos soltos. Piter teve que saltar para a direita, pouco antes de quase ser atropelado. Pela segunda vez, só aquela manhã. No fundo, amargava a dor do golpe nas costelas, mas lhe doía ainda mais saber que George Clifford estaria de olho nele.
—Merda... – Suspira, observando um lampejo azul desaparecer para dentro das árvores. – Preciso voltar a falar com as crianças.
***
—Tem certeza que isso é uma boa ideia? – Joe Choraminga.
—Ele é o único que sabe sobre o monstro... – Stella responde, com uma determinação frágil cobrindo o rosto. – Então é a nossa melhor chance.
—Porcaria de vida!
Joe, Stella, Billy e Emmily se encontravam diante de um modesto sobrado, fitando o lugar com um misto de medo e urgência correndo pelas veias. Suas fiéis bicicletas lhes eram a única companhia decente, um pouco avariadas, por conta dos eventos no bosque, mas devidamente inteiras. Casacos grossos e cachecóis felpudos serviam de escudo contra a brisa gelada, bem maiores para a idade, pois tudo havia vindo de doações da congregação local. Era um início de tarde nublado e silencioso, quando os quatro decidiram não partir direto para a casa Hawkins depois da escola.
Um ato imprudente, considerando que estavam todos de castigo.
—Seguinte pessoal, – Emmily diz, com os olhos cravados em Joe. – só eu falo aqui, certo? Sem besteiras, sem gracinhas... se o velho surtar, fugimos pela janela.
Billy engoliu em seco, sem deixar de sentir aquela incômoda sensação de estar sendo vigiado...
O sobrado onde Frederick Olson vivia era baixo, igual aos demais exemplares da vizinhança. Alastrando-se por toda a extensão de dois quarteirões. Todos eles contavam com um pequeno jardim rente a calçada, cores pastéis apagadas, portas vermelho berrante e janelas circulares simpáticas, por onde, vez ou outra, um par de olhos suspeitos espiava o mundo lá fora. Cercas separavam os limites de cada vizinho, de ambos os lados da rua larga, cujo tráfego estava para lá de morto e enterrado, desde a sua fundação.
—Tudo aqui é tão... – Joe olha ao redor, se sentindo levemente incomodado. – Igual. Chega a ser bizarro!
—Temos que voltar antes que notem nossa ausência. – Billy alerta. – Duvido que a Senhora Delfins vai ser compreensiva, se souber que estivemos aqui.
Mais do que depressa, os quatro deixaram suas bicicletas sob o gramado amarelado e se colocaram diante da porta vermelha de Frederick Olson. Diversas marcas podiam ser vistas por debaixo da grossa camada de tinta, algumas delas semelhantes a arranhões, ou resquícios de antigos arrombamentos no meio da madrugada. Todos mascarados, para que nenhum vizinho enxerido percebesse. Levemente hesitante, Emmily toca a campainha, deixando-se levar pelo som agourento que se elevou por todo o sobrado.
—E se ele não estiver em casa? – Joe sussurra, apavorado.
—Pra que outro lugar o velho maluco iria? – Stella rebate.
—Sei lá, vai que está enterrando um cadáver num terreno baldio aqui perto... Já vi isso num filme.
—Não seja idiota Joe, ele é só um velho.
—Um velho muuuito esqui...
Joe não conseguiu terminar a frase, antes que uma íris azulada o fitasse pela fresta da porta entreaberta.
—O que querem? – Pergunta. A voz carrancuda exibia um leve tom rabugento e taciturno. Sua marca registrada.
—Não queremos incomodar Senhor Olson. – Emmily assume a conversa, servindo de escudo para Billy, Stella e Joe. – Podemos conversar?
Silêncio...
—Não tenho nada o que conversar... Sumam daqui!
Emmily segura a porta, impedindo que Frederick possa se trancar dentro de casa. Sua expressão, antes amigável e disposta, se tornou uma fina linha afiada, por detrás das madeixas desarrumadas, escapando pela touca verde oliva, que estava usando.
—Precisamos conversar, é importante. Se não nos deixar entrar, arrombo sua porta... O senhor escolhe.
Frederick arqueia as sobrancelhas e umedece os lábios finos, sem duvidar da ameaça daquela garota. Seus dedos escorrem pelo trinco, giram a maçaneta e enfim permitem que aquele bando de arruaceiros possam entrar em sua casa. Isso sem deixar de sentir um calafrio, assim que Billy passou por ele. O ambiente era parcamente iluminado, ocupado por pequenos corredores apertados e quadros da falecida esposa. Frederick também tinha uma seleta coleção de revistas de pesca, empilhadas aqui e acolá, por entre vasos de cerâmica, abajures empoeirados, tapetes felpudos, uma garrafa de whisky Jack Daniels pela metade e um belíssimo relógio cuco, pendurado na parede.
—Sentem-se... – Murmura, levemente constrangido. – Não costumo receber visitas, então peço que desculpem o cheiro de mijo de gato.
—Até que não está tão ruim... – Joe comenta, recebendo uma cotovelada de Emmily.
Desde então, um silêncio tumbal se ergueu na sala de estar. Interrompido apenas pelo tique-taque incessante do relógio e a respiração escandalosamente alta de Joe. As veias arroxeadas saltavam pelo rosto de Frederick, até então avaliando qual daquelas crianças iria sobreviver, ou quem teria a mínima chance de escapar ileso. Ele vestia um suéter de lã castanho, manchado de café numa das mangas. Calças flaneladas largas, pantufas surradas e uma boina verde musgo, cobrindo sua vasta careca brilhante.
—Senhor Olson... – Emmily retoma o semblante comedido. – Sei que é um assunto meio delicado... Mas gostaria que nos contasse sobre...
—A lebre demônio? – Ele interrompe. Suas mãos começam a tremer compulsivamente. – Nenhum de vocês tem chance contra isso. Já disse, estão condenados!
Stella reprime um gritinho, enquanto Joe sente o sangue congelar.
—Nós precisamos saber alguma forma de deter aquele monstro. – Emmily continua. – Não podemos desistir sem pelo menos tentar.
Ele ri.
—É inútil... Ninguém escapa. Se estiverem marcados, o demônio vai atrás de vocês.
—Mas nós não fomos marcados! – Stella interrompe, antes de se dar conta. – Todd foi, por isso ele morreu... Johanna disse que...
—O fantasma da garota com a máscara? – Frederick desdenha. – Argh! Passei tempo demais tentando encontrar o diário daquela fedelha, mas ela nunca me contou onde escondeu.
—Espera um pouco... O senhor conheceu ela? – Emmily contém Stella, antes que ela pudesse refutar a fala do velho. – E por que o diário de uma garota morta é tão importante assim?
Ele suspira, massageia a testa e retira a boina. Não gostava de ter conversas como aquela, sobre tempos que preferiria esquecer de uma vez por todas. Frederick nem sequer tinha ideia clara de como conseguiu escapar das mãos daquela criatura...
—Tudo bem, – ergue ambas as mãos, oferecendo sua rendição. – Se eu não lhes contar tudo o que sei, com certeza não vão me deixar em paz. Então é melhor acabar logo com isso...
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