4- Controle Mental
Descrição da imagem: Dentro da moldura, vê-se a protagonista na companhia de um garoto, à sua esquerda, um tanto mais alto que ela, usando o uniforme escolar e um paletó por cima. Kely tem uma expressão de curiosidade e tem o olhar voltado para ele, enquanto o garoto olha para a frente, com um sorriso no rosto. A mão esquerda do garoto está apoiada no ombro direito de Kely, e os dois andam para a frente, e a mão esquerda repousa no bolso. A mão direita de Kely está cerrada em um punho, e a mão esquerda está levemente aberta.
***
Kely saiu da sala do fantasma e olhou para um lado do corredor e para o outro. Onde aquele menino tinha ido?
Talvez não devesse procurá-lo. Ele pareceu bem irritado da última vez que o tinha visto. Provavelmente era com ela.
Que ideia horrível. Era pra ela ser agradável, não irritar a primeira pessoa que conhecesse.
Quer saber, ela não tinha nada a ver com isso, não era culpa dela.
Era sim, provavelmente ficou bravo que ela havia ficado com o mesmo posto que ele. Porque era tão difícil agradar todo mundo e ser agradável? Ela não tinha ideia do que começar a fazer e provavelmente não ganharia ajuda.
Ela saiu para o corredor devagarinho. E ficou parada ali por um tempo, com uma falsa esperança de que uma resposta de onde começar cairia do céu, mas nada mudou, e continuou perdida, até no sentido de não saber como voltar para o colégio. Apenas a ideia de ter que encontrar alguém e ter que perguntar...
Ela ouviu passos no corredor e se encolheu. Queria poder se esconder.
-Ei, eu nunca te vi por aqui, você é a nova subchefe?
A fofoca aqui se espalha rápido, hein? Sem opção, ela mostrou um sorriso forçado demais e estendeu a mão, muito nervosa.
-Meu nome é Kely, qual é o seu?
O garoto pareceu não ter percebido o fiasco que ela estava passando, e com um sorriso brilhante, estendeu a sua e apertou a mão dela.
-Prazer em te conhecer, Kely, meu nome é Gael.
Então era ele. Gael era loiro, seu corte de cabelo era em camadas, usava óculos retangulares, e uma feição simpática. Kely achou ele bonito.
-Precisa de ajuda? Você parece um pouco perdida.
-Ahaha- riu de nervosismo- é que na verdade eu não sei...nada. Nem sei o porquê de vocês se reunirem no subsolo.
Gael continuou sorrindo. O sorriso do garoto era encantador.
-Venha comigo, eu vou te explicar.
Gael continuou indo pelo corredor, e Kely se manteve atrás. Os dois desceram um lance de escadas e tomaram algumas curvas, até chegarem em uma sala onde uma galera estava reunida, trabalhando sem pressa, construindo uma grande máquina.
-O que é isso?
-Aqui as coisas são simples, minha cara: Você faz seu pedido e ajuda a construir esse bichão.
-Pra quê?
Com seus olhos de raposa verdes, Gael lançou um olhar furtivo para Kely.
-Bem, o chefe já nos faz grandes favores, não temos que nos meter nos assuntos dele.
Outra resposta vazia. Talvez ele não soubesse, mas ninguém querer responder suas perguntas estava começando a irritá-la.
-Então vocês preferem a obediência cega-murmurou.
-Hum?
-Nada- ela resolveu responder. Não confiava nele. Se ninguém queria contar, uma hora ela descobriria por conta própria.
Ele deu de ombros e começou a explicar:
-O seu trabalho é fazer com que todas as etapas da construção da máquina ocorram como planejado.
-Então eu vou só supervisionar?
-Tem mais umas coisas que você pode fazer, mas Brasa vai saber te explicar melhor.
-Acho que ele não vai querer me explicar-ela deixou escapar.
Ele olhou para ela com o que pareceu pena e chegou mais perto de seu rosto. Kely quis esquivar, mas não quis parecer rude, então não se mexeu.
-Quer que eu te conte uma coisa?
A garota ficou interessada.
-O quê?
-Brasa não é humano como nós.
Kely ficou surpresa, apesar de não ser tão surpreendente. A aparência dele já denunciava que ele era diferente de algum modo.
-Não?
-Ele é um monstro, na verdade.
Fazia sentido. Os "monstros" eram criaturas bastantes semelhantes com os seres vivos, em alguns aspectos, mas ainda assim um tipo de vida que funcionava de maneira um tanto incomum. Criados espontaneamente pela natureza, a partir de seus próprios elementos, podiam se originar a qualquer hora, de qualquer maneira. Uma pedra poderia sair voando e começar a interagir com outros seres, praticamente. Kely já havia ouvido falar de um caso assim.
O porquê do processo acontecer, porém, a civilização humana ainda não sabia explicar. Na verdade, boa parte da magia tinha seus mecanismos desconhecidos, seu aparecimento, que foi repentino, e sua função prática na natureza. Algumas coisas até os deixavam preocupados.Por exemplo, Brasa era um monstro, e apesar de sua aparência, ela não duvidaria que ele pudesse se passar por um garoto normal.
-Sério?
-Sim. O chefe contratou ele quando estava começando a reunir gente para trabalhar na máquina. Ele já entrou como gerenciador, mas nunca fala muito sobre ele. Na verdade, ele não gosta de gente.
-O quê?
-Já ouvi várias vezes o chefe comentar sobre ele não gostar de humanos. Brasa deve ter algum tipo de preconceito internalizado ou sei lá.
Preconceito? Brasa havia sido educado com ela, foi apenas estranho os olhares frios que ele havia dado a ela na biblioteca, no corredor com o rato e...
Ele saiu da sala do fantasma assim que ela foi feita gerenciadora.
-Eu só não quero que fique tão preocupada se ele não for legal com você. Eu já tentei conhecê-lo, e agora ele mal fala comigo. Vai estar se poupando de uma desilusão se não falar com ele.
Gael começou a empurrá-la devagar para fora da sala da máquina.
-Vou te mostrar o resto das ruínas. E vou te ajudar com o que eu puder.
Ela sorriu ao ouvir as palavras. A gentileza de Gael a deixava mais tranquila.
-Puxa, muito obrigada, está sendo muito legal comigo.
Ele sorriu de volta, um sorriso satisfeito.
-Não há de que.
Kely estava realmente mais confiante, e cheia de curiosidade do garoto.
-E o que você faz aqui?
Ele parou de andar, e uniu as duas mãos.
-Eu sou o recrutador. Eu trago os alunos para fazer mais contratos. Mais gente, mais ajuda.
Kely ficou confusa.
-Então é você que vai atrás de gente para fazer o serviço?
-Isso mesmo.
-Eu estava começando a pensar que você também era gerenciador.
Uma careta passou por alguns segundos em sua expressão, mas ele logo sorriu de volta. Agora a encarava sem hesitação por alguns segundos desconcertantes.
-Você acha que eu seria um bom gerenciador?
A pergunta a pegou de surpresa. Ela começou a gaguejar tentando formular uma resposta.
-Eh... Um... Eu não...é que... É que eu não te vi trabalhar ainda- a frase escapou, e ela ficou temerosa de ter sido grosseira- quero dizer, você está sendo bem legal comigo, então, acho que sim.
Porque ela havia aberto a boca? Gael agora parecia estar com um pé atrás.
-Sim, você seria sim- ela tentou consertar.
-Hm. Tá certo. Vamos continuar o tour.
Gael guiou-a escada acima, e assim os dois passaram por todas as etapas de construção da máquina: a sala do projeto, onde um grupo tinha um esboço da máquina preso na parede com vários post-its em volta, a "desempacotação", a reciclagem de peças quebradas -Kely questionou o quão certo era deixar alunos trabalharem com fogo, testagem da parte elétrica, adolescentes não deveriam mexer com aquelas coisas perigosas!- logística, entre outros departamentos. Quando terminaram o tour, Kely já não aguentava ficar de pé.
-Gael, muito obrigada por mostrar tudo- Kely agradeceu novamente com a frase que estivera ensaiando em sua mente.
Gael lhe entregou um sorriso sem mostrar os dentes.
-De nada, menina bonita.
Hm, bastante educado. Foi o que Kely pensou até o garoto pegar sua mão de leve e deixar um beijo gentil sob o dorso dela. A sensação do beijo ficou marcada em sua pele.
A jovem começou a sentir as bochechas aquecerem. Ele logo voltou a atenção para o rosto dela, procurando saber sua reação.
Ai, caramba.
Ela tentou disfarçar colocando sua mão livre à frente de seu nariz, nem cogitando que o gesto não deixaria seu nervosismo menos óbvio.
-Até mais- A despedida de Gael foi seguida de uma risadinha vinda do garoto.
-Até...tchau tchau!
Ela cobriu as bochechas com as mãos quando o garoto já estava longe, e sua respiração tornou-se mais profunda. Aquele era um bom incentivo para voltar ali mais tarde.
⌁₊˚⊹˚₊⌁
Após almoçar em um dos restaurantes da moradia estudantil- e ficar deprimida vendo o número da conta de seus créditos ficar menor- Kely voltou para o subsolo. Tentava não pensar tanto em Gael, mas estava difícil. Isso a distraía enquanto andava pelos corredores, sonhadora, e quando percebeu estava sentindo arrepios por estar atravessando um fantasma.
Quando percebeu Marcus ali, a garota sentiu seu coração gelar.
-Preciso que faça um serviço para mim, nova gerenciadora.
O seu tom de voz agora era bem menos carinhoso, como se quem agora falasse com ela fosse uma pessoa totalmente diferente.
Ou alguém que tirou a máscara.
-D-Do que se trata?-ela perguntou, nervosa com a mudança de comportamento, torcendo para que não fosse nada difícil, e nem uma encrenca.
-Tem pessoas conspirando contra nós. Preciso de nomes- foi direto.
-O quê? mas como eu vou saber quem são?
-Descobri que os espertinhos se encontram na quadra da escola. Pegue este bloco, escreva os nomes e devolva para mim. Você está proibida de sair dos limites do colégio até voltar com os nomes.
Por que aquela ordem? Ele achava que poderia mandar em seus passos? Então ela lembrou de uma informação que seu irmão havia lhe contado uma vez. Anos depois de morrer, Anselas tentou tomar o controle do mundo mais uma vez através de controle mental, sempre se mantendo fora do radar. As vítimas eram conscientes, mas mesmo assim não podiam desobedecer suas ordens.
-Que cara é essa, garota? Vá fazer o serviço, você não volta para casa até concluí-lo.
Ele a tirou de sua mente. Os pensamentos eram assombrosos, mas ela devia parecer o menos desconfiada possível.
-Ah, sim,desculpa.
Com o bloquinho em mãos, ela saiu apressadamente, um pouco mal humorada por ter que voltar para cima tão rápido, querendo ao máximo ficar longe do fantasma. Ao contrário do que pensava, estar mais longe dele não a faria mais segura.
Assim que passou pelo arco e voltou ao bosque, ela foi para o portão que levava para fora da escola. Seu coração começou a bater mais forte, uma parte de si querendo voltar, temendo a confirmação de que estava realmente presa ali. Após andar por um tempo, o portão estava visível.
A marca em seu pulso começou a formigar, como se ela também estivesse vendo o portão. Kely colocou a mão em seu bolso, mantendo o contato do pulso com o quadril. O pulso não parou de arder.
Apenas piorou a sensação, ela mal sentia o pulso agora. A cada passo, a formigação subia por seu braço, até chegar ao pescoço.
Mas ela fingiu que não sentia nada, enquanto o fundo da sua mente gritava para voltar. Ela agora estava na frente do portão. Sua respiração começou a ficar pesada. Kely começou a ficar terrivelmente tonta. A formigação no pescoço piorou, a sentindo chegar à laringe. Nenhum ruído podia escapar por sua garganta, e nem uma molécula de ar poderia passar por ela.
Finalmente, ela se afastou da entrada, e puxou o ar pela boca, desesperada, buscando pelo oxigênio perdido. A formigação não estava mais em seu pescoço, mas ainda estava em seu braço, como uma ameaça. Deveria ter saído dali antes. Agora não podia sair da escola sem uma lista de nomes.
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