VOLTANDO PRO JOGO
— Pandora meu amor, precisamos ir. — Amélia, encontra-se na sala, ao lado da porta.
— A senhora sabe que pela manhã não tenho a mesma disposição que a noite.
— É criança sei muito bem disso! Precisamos parar em alguma cidade, — Amélia olha para a mocinha à sua frente. — Para você estudar!
— Mas, eu estudo! Sou uma auto-didata. — A mulher, ao lado da porta, para ao escutar o termo usado pela menina. — Além, do mais, tenho um arquivo ambulante com dez mil anos no banco de dados dele.
— Meu amor, você precisa levar uma vida normal, mesmo não sendo uma criança comum. E seu avô precisa descansar, haja vista, olha a idade dele!
— Agora magoou, ainda bem que ele não está aqui!
— Pandora, não se faça de vítima, você me entendeu e muito bem, do que estou falando.
— O que vovô acha disso? Estudar entre os "Trouchas"?
Amélia, já fora do apartamento,
para próxima a porta do apartamento, e vira-se sem entender nadica de nada.
— A senhora poderia explicar-se? — Pede a mulher à menina.
— Você já assistiu Harry Potter?
— Harry quem?
Pandora desaba no sofá e Amélia levanta uma sobrancelha, entendendo que a menina está com preguiça e procura ganhar tempo, com assuntos estranhos para ela.
— É a história de um menino, que numa noite tem seus pais assassinados por um mágico malvado, e quando ele também vai ser morto, algo acontece, o que é, eu ainda não sei, por que assistir ontem o primeiro filme... E a criança, o Harry, fica com uma cicatriz na testa igual um raio.
— E?
— Os bruxos chamam os que não são bruxos de "Trouchas".
— Então mocinha, a senhora está me chamando disso, por que não sou igual a você?
Pandora sorrir ao ver Amélia com as mãos na cintura.
— Pan, agora falando sério, se você quiser ficar em casa, não tem problema.
— Eu estava vendo se conseguia tirar você do sério.
Pandora passa pela frente de Amélia, e cruza a porta aberta do apartamento.
— Você está maior. Parece que tem uns quatorze anos.
Amélia fecha a porta e as duas seguem pelo corredor.
— Eu também sinto-me diferente, se pelo menos vovô, bebesse um pouquinho do meu sangue, ele saberia de fato qual é a minha idade.
Pandora, pressiona o botão do elevador. A seta vermelha, que de tão antiga ficou rosa, sinaliza com um sinal sonoro que está subindo.
– Por que os sons são diferentes? Digo, quando o elevador sobe é um som, e quando descer, faz outro.
— O sinal é para ajudar, as pessoas com deficiência visual, saberem se elevador está subindo ou descendo.
— Mas, voltando ao assunto, vovô poderia me ajudar nisso! — Pandora abraça Amélia.
— Meu amor, quando seu avô coloca uma coisa na cabeça, não há quem o demova!
O elevador chega, Pandora puxa a porta, e espera Amélia entrar a seguindo logo depois.
— E se minha idade for outra?
— Pan, pelo que entendi, sua mãe e seu avô, estavam há dez anos sem se falarem.
— Mas eu não me sinto com apenas dez anos... E se vovô enganou-se?
— Duvido muito. Mas sua mãe nunca falou sobre seu pai?
— Nunca. E isso é estranho?
— Não, se ele é um cretino.
— Hum, entendi. Se ele não for um cretino, é estranho por uma infinidade de coisas.
Amélia, olha para a menina que está apreensiva, pensando e batendo o pé direito contra o piso e diz:
— Minha flor de mandacaru, não adianta perder o tempo pensando, sobre perguntas que só o tempo pode responder.
— E... Se eu beber o meu sangue?
— Pan, vamos fazer assim... Prometo que quando se avô chegar, vamos conversar sobre isso. Tudo bem?
— Não tem outro jeito, vamos fazer assim.
O elevador segue direto, numa viagem única até o térreo.
— Pandora, você precisa levar uma vida normal, para que possa entender-se mais, compreender seus limites e seus poderes. Deveres e responsabilidades.
— Eu tenho medo de quem sou.
Amélia, encurvando-se um pouco para frente, fica na altura de Pandora e diz:
— Fico feliz que tenha dito isso. Sentir medo não é ruim! É um sinal que não temos respostas para tudo.
— Acho que vovô não tem medo de nada!
— Ele tem sim, meu amor... Medo de te perder! Seu avô te ama muito, você é a coisa mais preciosa, e digo sem duvidas alguma, seria uma terceira, quarta ou quinta morte perder você.
— Amélia, você sabe quantas pessoas vovô já perdeu nesses dez mil anos?
— Não tenho a mínima ideia... Mas, uma coisa que tenho certeza, é o amor dele por você.
As duas saem do elevador, e seguem à rua. O calor está agradável. Pandora, anda e observa as pessoas, na verdade olha suas fisionomias e racionaliza que pode ser que muitas daquelas pessoas, desconheçam seus passado.
A menina olha para o chão, não quer deixar Amélia receosa com seus porquês ou com seus medos... O medo de não poder conter seu poder, o medo de ferir quem ama ou de não protegê-los.
E se seu pai for um cara comum?
"Melhor" – Pensa a menina, para logo em seguida, desfazer o acha.
"E se ele não for um cara comum? Mas, por que me abandou? E se, foi mamãe quem deu um fim? Terminou?"
Pandora suspira. Amélia a abraça, puxando-a para perto de si, enquanto andam pela calçada, como quem está lendo, o que passa por dentro da cabeça dela.
As duas, parecendo mãe e filha, param na esquina e esperam o sinal abrir.
– Ainda bem que a temperatura está agradável! Não suportaria outro dia com frio.
O sinal de pedestre abre.
— Vovô volta quando?
— Logo. Ele já deve ter resolvido o problema que precisava.
— Gostei do sinônimo para assassinato. — Pandora cai na gargalhada. — Quando estiver maior, e a senhora perguntar: "Pandora está indo aonde?", aí vou responder: "Vou ali resolver uns problemas!"— As duas se abraçam e sorriem.
— Vamos primeiro no açougue. — Sugere Amélia, enquanto atravessam a rua e chegam na calçada do outro lado.
— Poderia comprar a carne com mais sangue que tiver?
— Se ele tiver hoje, claro que vamos comprar.
Amélia e Pandora, seguem fazendo suas compras, e não percebem uma van preta, as acompanhando há uns vinte e cinco metros de distância.
Há cinco homens dentro do carro.
— Pessoal, vamos agir em breve. Vocês assistiram o que aquela doce menina, ali na frente, fez com aquelas pessoas.
Os homens se municiam.
— Não a subestime. Sei que somos profissionais, e o sucesso da nossa ação, vai está atrelado a nossa precisão. Alguma dúvida?
Todos balançam negativamente a cabeça.
Pandora, sente uma leve dor de cabeça.
— Amélia, minha cabeça está doendo.
— Meu anjo, deve ser o Sol. Você não usa os óculos escuros.
Os homens monitoram as duas, numa distância segura. Amélia para na vitrine de uma loja de sapatos.
O movimento nas ruas do centro de Curitiba está moderado.
A van acelera.
— Você gostou algum desses tênis?
— Amélia, eu achei lindo aquele branco.
As duas assustam-se com o barulho da freada dos pneus!
A van já está com a porta aberta, e dois deles alvejam Pandora, e outro acerta Amélia que cai por cima de uma mulher que está passando o bicho.
O quarto homem, coloca uma mordaça de trava feita de prata na boca de Pandora, e um saco plástico preto na cabeça dela.
Pandora, tenta resistir, mas o sedativo é forte e logo faz efeito.
O utilitário preto sai em destino ignorado, deixando Amélia alvejada nas costas, por um dardo com calmante.
A mulher, "passadora de bicho", grita pedindo socorro com Amélia em seus braços, desmaiada.
As pessoas se afastam, com medo, pensando que é um tiroteio. Porém, vão aos poucos chegando perto das moças que estão caídas no chão.
— M-minha filha... Onde está minha filha? — Amélia está grogue, e tenta resistir ao convite da escuridão.
— Calma moça, — Fala a "passadora de bicho". — A ambulância está chegando.
A última fala de Amélia é:
"Ele não vai me perdoar nunca, se acontecer alguma coisa com a menina."
Os policiais vão atravessando pela multidão em direção à Amélia, como quem está desbravando uma mata fechada.
Enquanto isso, dentro da van, os cinco homens, seis com o motorista, escutam a menina ressonar.
O som parece o de uma pequena fera, que está dormindo.
A orientação, para que tudo desse certo, era não escutar a voz da criança sobre hipótese alguma, nem olhar em seus olhos.
Como abutres sobre uma carcaça, os cinco homens começam a imobilizar as mãos e os pés da menina com algemas feitas de prata.
A viagem é longa, eles a estavam levando para o velho continente, a casa da rainha e cidade natal de Nefasto: Londres.
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