Prólogo
— Me deixe viver — pediu Albertoni Moretti. — Eu fiz tudo o que você pediu.
— Ótimo — disse o homem que usava um sobretudo preto. Sua voz saía rouca por conta do lenço que cobria sua boca e nariz. — Então, não tem nada a temer.
Graças a Deus, Mary agradeceu mentalmente. Ela estava sentada na cama, imóvel, quieta, como o homem de sobretudo havia ordenado. Devia ser apenas mais uma visita de rotina a Albertoni como na semana anterior. Se ela pudesse adivinhar sua sorte nesta noite...
— Podemos ir embora? — Albertoni perguntou.
— Espere um momento — disse o outro.
Ainda que o quarto de hotel estivesse iluminado apenas pelo abajur na mesa onde Albertoni estava sentado, Mary viu que além do sobretudo com capuz o homem usava um lenço preto cobrindo parte do rosto. Algumas vezes ela ouviu a notícia na televisão: um homem mascarado saía pela cidade atrás de bandidos, estupradores, batedores de carteira e qualquer tipo de infratores. As pessoas o chamavam de Encapuzado. Ela compartilhava do medo no rosto de Albertoni. Não se lembrava de nenhuma notícia dizendo que Encapuzado havia prendido os infratores.
Mary só não entendia o motivo de ainda estar ali. Durante seis meses ela se encontrava com Albertoni, geralmente uma vez por semana. Dias de semana, obviamente — os finais de semana eram destinados à família dele.
Uma baita sorte, ela tinha de admitir. Albertoni Moretti era um empresário, homem de negócios, dono de empresas, no alto de seus cinquenta e cinco anos. Mãos fortes, peitoral largo, viril. Diferente de muitos garotos de vinte e poucos anos com os quais ela se encontrava antes. A exclusividade que ele pediu, ela lhe concedeu. Afinal ele lhe dava joias, vestidos, uma baita mesada por semana. Tudo o que qualquer prostituta desejava.
Mas esta noite era mais do que ela poderia imaginar. E só desejava ir embora.
— Espero que não tenha mentido, Albertoni.
Encapuzado chegou perto da janela de vidro. Lá fora caía uma pesada chuva. Mary olhou a hora no relógio de ouro que Albertoni lhe dera. Duas da madrugada de sábado.
A noite se arrastava.
— Se lembra do que me disse no nosso último encontro? — perguntou ele, virando-se para o empresário.
— Sim, sim. Minha família... Eu fiz tudo o que me pediu... Aconselhou. Não brincaria com isso.
— Nem eu. — Ele voltou a olhar pela janela. — Eu não sou um monstro como pensa. Uma boa quantia ficou para os seus filhos e esposa. Quanto ao conteúdo daquela lista, irei averiguar.
Mas do que eles estão falando?, Mary se perguntou. E como que sobrenaturalmente, Encapuzado olhou para ela. O estômago dela virou água e a boca ficou seca.
— Já pode ir — ordenou Encapuzado.
Ela pegou a bolsa, lançou um olhar de alívio a Albertoni e foi até a porta.
— Espere. — Ela esperou, virou-se para ele bem devagar. — Aconselhe a moça de não contar nada a ninguém, Albertoni. Nada disso diz respeito a ela.
— Não conte nada para ninguém, Mary. Por favor.
— Pro seu próprio bem — Encapuzado completou. — Agora pode ir.
A porta fechou-se atrás dela. O barulho de seus passos ecoava pelo corredor do hotel enquanto caminhava. Um hotel de luxo, cinco estrelas. Bem o nível de Albertoni, o preferido dele. Mary apertou o botão do elevador com os dedos trêmulos. A porta se abriu e um casal aos beijos saiu de dentro, sem nem reparar nela. Ela entrou e apertou o botão novamente. Albertoni sempre pedia o mesmo quarto, no quadragésimo andar — na cobertura.
O elevador parou e Mary saiu. O saguão do hotel era todo decorado em cores escarlate e creme. Estava vazio a essa hora, nada além dos funcionários do turno da madrugada. Os passos ecoavam no piso trabalhado em linhas e curvas em escarlate. Rápida como uma flecha e silenciosa como uma sombra era como ela queria sumir dali.
Aquilo vai acabar em merda lá em cima, disse a si mesma.
A porta automática da frente se abriu quando se aproximou. A chuva ainda caía, gotejando na enorme calçada que se seguia para a rua. Dando um rápido sorriso ao segurança, ela decidiu esperar por um táxi. Assim que um apareceu, ela puxou o guarda-chuva da bolsa. Os pingos de água batiam e ricocheteavam na bainha do seu vestido longo. Mary abriu a porta do taxi e fechou o guarda-chuva para entrar.
— Boa noite, senhora — o motorista disse. — Essa chuva terrível não para!
— Não — respondeu ela, enquanto fechava a porta. Permaneceu olhando o hotel pela janela. — Bem, pode me levar até a rua...
As palavras ficaram presas na garganta. Algo caiu lá fora, pesado, com um baque surdo. Os olhos de Mary se arregalaram, ainda não acreditando. O segurança do hotel correu até onde o corpo estirado estava.
— Senhora, qual o destino? — perguntou o motorista. — Senhora, se sente bem?
Ela virou para frente, olhando o motorista de boné.
— Qual o destino? — ele repetiu.
— Qualquer... Qualquer lugar, por favor — foi tudo o que ela conseguiu dizer.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top