LUÍSA

O dia amanheceu ensolarado.

Um belo dia de sol e praia, Luísa Araújo se deu conta. Nesta manhã ela acordou cedo como de costume e convidou a amiga para sentir o vento no rosto enquanto pegavam uma praia. Era sábado. As duas mereciam, ainda mais por estarem de folga do trabalho. Raramente ficavam de folga simultaneamente. E Luísa nem se lembrava da última vez.

Ela estava sempre na delegacia. Quando não, estava cumprindo mandados de prisão, andando para cima e para baixo dentro do carro da polícia pelas ruas de Santa Chuva. Enquanto Pâmela, a amiga, estava sempre na empresa onde trabalhava no cargo de engenheira-chefe ou com os olhos vidrados no computador. Raramente saía do quarto quando estava em casa, por isso Luísa praticamente arrastou ela para fora a fim de bronzear a pele branquela dela.

Ainda assim, Pâm sentia-se desconfortável.

— Ainda não entendo como conseguiu estudar em um curso presencial — disse Luísa, com uma menção de sorriso no rosto. As duas estavam sentadas em toalhas estendidas na areia.

— Não são exatamente as pessoas, minha amiga.

— Então o quê?

— Sou eu. Exigência demais.

Luísa riu. Estava de biquíni preto, enquanto Pâm estava de maiô azul. O vento soprava forte. O barulho das ondas era música para os ouvidos de Luísa.

— Bem, vou dar um mergulho. Você vem?

Pâm assentiu e as duas correram rumo à água. Assim que entrou, o frio tomou conta do corpo de Luísa. Ainda não chegava nem às nove da manhã. Ela precisava relaxar o corpo com um bom dia de praia. Os olhares estavam em cima das duas.

— Sabe, Pâm, você devia sair mais. — As duas saíram da água. — Tentar pegar um sol mais vezes.

— Me desculpe — disse Pâm, sentando novamente na toalha em cima da areia. — Nem todas as pessoas têm a pele maravilhosa igual a sua. Nem o seu corpo escultural.

— Anos de treino, minha amiga. Você também devia fazer mais exercícios.

— Trabalho com números, não correndo atrás de bandidos. — Luísa riu. Não era exatamente isso que ela fazia no trabalho, mas não precisava explicar. — Falando nisso, o trabalho continua o mesmo?

— A mesma coisa chata — ela respondeu. — Até parece os meus primeiros meses. Eu devia receber mais crédito por ter resolvido aquele duplo homicídio com suicídio. E como vai o seu?

— A mesma coisa incrível. Mas nem adianta falar sobre isso. Você não entenderia, não é?

— Não. Muitos números.

As duas riram. O celular de Luísa tocou. Ficou surpresa quando viu o nome do delegado.

— Pode mandar.

— Preciso de você aqui — ele disse.

— Sério? É a minha folga, Simão...

— Tenho um caso de assassinato pra você, Luísa.

Ela ponderou por um momento. Não poderia fazer ele esperar para sempre e havia muito tempo desde o último caso que pegara.

— Chego aí em trinta minutos.

— Em vinte — ele rebateu, e desligou.

Ela guardou o celular e olhou para Pâm.

— Precisam de você?

— Assassinato — disse Luísa, com expectativa na voz. — Preciso chegar lá o quanto antes.

— Tudo bem. Mas vamos com calma, Luísa. Você parece uma maluca nessa moto.

Vinte e cinco minutos mais tarde, Luísa chegou à delegacia. Até que foi um tempo razoável, depois de ir para casa, tomar banho e se vestir, além de todo o caminho até a delegacia.

Ela estacionou a moto, levando consigo o capacete na mão. Usando jaqueta de couro preta e calças da mesma cor, além das botas pretas que ressoavam contra o piso. A arma no coldre preso à coxa e o distintivo no pescoço, balançando a cada movimento. Enquanto andava pelos corredores, vários colegas de trabalho a cumprimentavam. Ela conhecia aqueles corredores há mais de um ano. Fora promovida para lá quando resolveu o caso de um duplo homicídio com suicídio na sua cidade natal, um marco em sua pequena carreira de investigadora. O pai ficaria orgulhoso... Não era todo mundo com vinte e quatro anos que resolveria aquele caso, ainda mais com poucos meses na profissão.

Luísa bateu na porta do delegado e entrou.

— Cinco minutos atrasada — Simão disse. Ela sabia que era apenas implicância. Ele estava na sala como sempre: sentado atrás da mesa, as mãos sobre a barriga proeminente, a cabeça branca sem nenhum fio de cabelo brilhando de suor. — Bem, preciso que você vá até o Hotel Atalaia. — Ele jogou uma pasta sobre a mesa. — Aqui está tudo o que precisa saber sobre a vítima. Dois policiais foram os primeiros a chegar. A ficha foi preenchida por eles.

— Eles não estão mais no caso? — Ela pegou a pasta e folheou.

— Decidi deixá-los apenas nos dois casos anteriores. Apesar de esse ser um empresário também, como você pode ver. Interrogue os funcionários do hotel, essas coisas, faça seu trabalho. Aí dentro está o mandato se algum espertinho quiser se fazer de advogado. Brenno irá com você, Luísa. O caso é seu. Confio em você.

— Brenno ainda não apareceu por aqui?

— Deve estar lá fora. Agora vá, o tempo está correndo. Esses abutres da imprensa devem estar se revirando em cima da carcaça do infeliz.

Luísa saiu com a pasta na mão.

Enquanto se arrumava em casa, depois da praia, ela viu a notícia na televisão. Segundo as contas havia sido o terceiro empresário morto em três meses.

Ela chegou ao estacionamento da delegacia. De longe avistou Brenno. Ele estava parado do lado do carro preto da polícia.

— Tiraram você da folga? — ele falou, assim que ela chegou. — Qual a bola da vez?

— Mais um empresário. — Ela entrou no carro. — Vambora, estou ansiosa por isso.

Brenno entrou no carro e saíram do estacionamento. Ele seguia no volante.

— Hotel Atalaia — informou ela. — Essa é a ficha do cara. Albertoni Moretti, cinquenta e cinco anos, branco, empresário, milionário, dono das Empresas Moretti. Causa da morte: impacto com o solo, possível queda da cobertura, às duas da madrugada de sábado.

— Suicídio? — Brenno tentou, enquanto viravam em uma rua.

— Duvido. Por que um cara desses se mataria? Aqui diz "possível assassinato". Janela da varanda do quarto quebrada... Tenho duas perguntas. Por que ele estava naquele hotel e fazendo o quê.

Chegaram ao Hotel Atalaia. Um imponente prédio de quarenta andares. A área do lado de fora estava isolada com a fita amarela da polícia. O veículo dos peritos ainda estava lá. O corpo não estava mais lá fora. Luísa e Brenno viram os policiais que preencheram a ficha de Albertoni. Vários curiosos olhavam também, rodeando o local, e jornalistas estavam aos montes.

Decidiram ir logo tirar o fardo das costas dos policiais mais experientes.

— Senhor, senhora — Luísa os saudou.

— Muito engraçada — disse o homem. — Até que fim chegaram. Não interrogamos ninguém. Achamos que vocês iriam querer fazer isso, afinal o caso agora é de vocês.

— Como vai o caso dos outros dois? — Brenno perguntou.

— Nada ainda — disse a segunda policial. — Talvez alguma relação apareça, cedo ou tarde. O que vocês acham?

— Assassino em série, você quer dizer? — perguntou Luísa. — A menos que os outros casos tenham sido de dois mortos por uma queda do último andar de um prédio. Foram?

— Não. A única relação é que são todos empresários. Extorsão de dinheiro é o mais provável.

— Dinheiro acaba com as pessoas — disse o primeiro policial, refletindo por um momento. — Bem, temos que ir. Boa sorte lá dentro.

Luísa e Brenno caminharam até a recepção do hotel. Havia poucas pessoas lá dentro, com certeza a notícia afugentara os clientes. Os que ficaram eram as pessoas que gostavam de um lugar com um caso de morte.

— Precisamos falar com quem é responsável pela gerência — Luísa disse ao recepcionista. Um homem franzino, com um topete para cima, usando o uniforme vermelho com o nome do hotel.

— Poderia dizer do que se trata?

— Sim, sim — ela falou, apresentando o distintivo.

O homem apenas saiu, voltando logo em seguida com uma mulher. Branca, com um rabo de cavalo louro, usando uma blusa branca com o nome do hotel.

— Sou a gerente do Hotel Atalaia. Em que posso ser útil?

— Sou o investigador Hansberg — Brenno se apresentou. A mulher olhou estranho para ele. — Essa é a investigadora Araújo. Poderíamos fazer algumas perguntas?

Ela concordou com a cabeça embora hesitante.

— Precisamos também de todos os funcionários que estavam trabalhando durante a madrugada — Luísa disse.

— Bem, não será possível — falou a gerente. — Os funcionários mudam de horário. Os que trabalham de madrugada já foram liberados. Agora estão apenas os do turno da manhã.

— Então queremos o nome de todos, com endereços e contatos. Suponho que tenha isso. — Ela assentiu. — Você estava aqui quando aconteceu?

— Não. O pessoal da gerência muda junto com a troca de turnos.

— Que ótimo — disse Brenno, virando o lábio. — Então você não poderá ajudar muito. Queremos também o nome de quem estava na gerencia, queremos tudo isso até sairmos desse hotel. Poderia nos levar até o quarto em que ele estava hospedado?

Depois de saírem do elevador, seguiram por um longo corredor até o quarto. A gerente abriu a porta. Lá dentro estava marcado com as fichas da perícia, todas delimitadas por números em plaquinhas amarelas. Luísa viu a janela da varanda quebrada, um enorme painel de vidro. Briga, com certeza, disse a si mesma. A gerente continuou lá fora, os dois entraram. Olhando cada parte do quarto, até o banheiro, Brenno foi até a sacada. Cacos por toda parte. O vento soprou forte.

— É uma queda e tanto — admitiu ele. Virou-se para a gerente. — Queremos também as filmagens das câmeras de segurança.

O restante da tarde passou-se com Luísa lendo a ficha de Albertoni. Os resultados da perícia sairiam outro dia. Ela disse a si mesma que interrogaria a família do empresário. Quanto aos funcionários, apareceriam o quanto antes na delegacia. Ela fazia questão de interrogá-los junto com Brenno. Mas isso seria no outro dia.

Hoje ela teria um lugar para ir. Pegou a moto e dirigiu até o hospital psiquiátrico. Estacionou a moto na rua. Caminhou até a recepção. Ela não conheceu a mulher na recepção. Ou a funcionária era nova ou Luísa andava sempre no piloto automático naquele lugar.

— Luísa Araújo — informou. — Visita.

— Qual o nome do paciente? — perguntou a mulher atrás do balcão.

— Henrique Araújo. Meu pai.

A mulher pesquisou algo no computador. Assentiu e disse:

— Quarto vinte e sete.

Luísa conhecia o quarto. Sempre o mesmo quarto. O lugar era silencioso, as botas ecoavam contra o piso. Virou à direta, depois para a esquerda. Mais duas portas. Ela abriu a porta branca com o número pendurado. Uma enfermeira aplicava algo no tubo preso ao braço do homem na cama. Embora Henrique Araújo estivesse debilitado, sempre seria o mesmo homem para ela.

— Luísa? — perguntou, estreitando os olhos. A voz saía fraca. Talvez fossem os remédios. — Como foi na escola?

Ela acenou com a cabeça para a enfermeira que saiu logo em seguida. Sentou-se na cadeira ao lado do pai, segurando a mão dele. O cabelo dele estava salpicado de fios brancos, a pele escura como a dela revelando as marcas do tempo, os olhos pareciam estar sempre distantes. No entanto Luísa já se acostumara com isso.

— Foi tudo bem — respondeu. — Tivemos uma nova lição hoje. Poderia me ajudar? Não sei se consigo resolver sozinha.

— Me desculpe, filha. Esses remédios me deixam sonolento e fraco de raciocínio. Poderia pedir pra sua mãe. — Ele olhou ao redor do quarto branco. — Onde ela está? Laura! Laura, ajude a Luísa com a lição da escola!

Luísa sentiu as lágrimas vindo, mas segurou o choro.

— Tudo bem, pai. — Acariciou a mão dele. — Eu resolvo depois. Estão tratando bem o senhor? Como estava a comida hoje?

— Horrível, como sempre. Esse pessoal não sabe cozinhar. Às vezes tenho a impressão de que estou mastigando isopor.

Ela sorriu.

— O que quer comer, pai?

— Você poderia cozinhar, meu amor. Daria uma aula para esses idiotas daqui.

— Não, pai. Quem cozinhava bem era a mamãe. — Ela ficou em silêncio por um momento. — Eu vou descobrir, pai. Prometo que vou descobrir.

Luísa levantou-se da cadeira, indo até a janela. Lá fora o céu começava a ficar escuro. Talvez mais tarde fosse chover, ultimamente era sempre assim durante os dias de outubro. O inverno estava chegando, os dias frios e cheios de chuvas de novembro. As árvores soltavam suas folhas e o vento as levava para longe.

Ela virou-se para o pai novamente. Ele estava olhando para o quarto, como se tentasse reconhecer o lugar.

Até que o olhar encontrou o dela.

— Luísa — ele disse. — Como foi na escola?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top