Capítulo 4 - Proibido Crianças

Gabriela atendeu a porta, com a mão trêmula, e encontrou Fernando Werneck do outro lado.

— Oi, Gabi, estava preocupado com você, depois da chuva forte de ontem à noite. Não a vi chegar — disse ele.

Gabriela olhou para o rosto dele com desconfiança. Fernando tinha cabelo amarronzado e uma verruga feia no rosto, que sempre a fez pensar que parecia uma cobra. Ela se perguntou como ele sempre conseguia aparecer na hora errada.

— Estou bem, obrigada. Por que você está aqui? — Gabriela perguntou, tentando esconder o medo na sua voz.

— Eu só queria ver se você está bem — disse Fernando, tentando olhar para o apartamento. Gabriela o olhava por uma fresta.

Gabriela saiu e fechou a porta, impedindo-o de entrar. Ela sabia que não poderia deixá-lo ver as crianças. Se ele descobrisse que da existência de crianças em sua sala de estar, no lugar de seus gatos, ele faria uma cena que ela não estava disposta a lidar. Fernando odiava criança. Tolerava animais, por isso cedeu ao pedido dela: mas crianças, para ele era demais!

— Estou bem, realmente, obrigada. Agora, se você me der licença, preciso descansar — disse Gabriela, mantendo a calma e a postura firme na porta.

— Hoje é sua folga? — questionou Fernando, animando-se. — Que tal a gente assistir algum filme? Fiquei te esperando ontem, porque estreou um filme novo, que sei que vai gostar.

— Não é minha folga, só... Bem, me desculpe, tem problemas pessoais para lidar hoje — Gabriela rapidamente levou a mão até maçaneta da porta.

Fernando franziu a testa, mas ela abriu uma frestinha da porta, e entrou em sua casa.

— Outro dia, Nando — disse ela, fechando a porta.

— Tudo bem, então. — Fernando falou abafado atrás da porta. — Se precisar de alguma coisa, é só me chamar. Eu continuou morando no andar de cima.

Gabriela ficou parada na porta, ouvindo o som dos passos de Fernando sumindo ao longe. Ela sentiu o coração batendo aceleradamente, o medo ainda pairando no ar. Ela sabia que não poderia baixar a guarda, não enquanto as crianças estivessem com ela.

Suspirou aliviada quando o pequeno inconveniente se foi, mas ainda sentiu um arrepio pelo corpo, com a sensação de que ele ainda estava de olho nela.

— Eu tenho que dar um jeito nisso — murmurou Gabriela, sentindo novos arrepios passar por seu corpo.

Ela olhou para as crianças, sentadas no sofá, quietas, olhando para ela. As gêmeas estavam pedindo comida, , enquanto Atoide olhava-a com seu ar de desdém. Pi continuava adormecida, seu pequeno corpo relaxado contra o braço do sofá.

Gabriela sentiu-se perdida, sem saber o que fazer. Elas eram apenas crianças, apesar de parecerem um inconveniente repentino, que emaravam sua manhã como teias de aranhas de problemas.

Para o bem da verdade, não poderia cuidar delas, não tinha tempo, nem um emprego bom para aquilo, mal se sustentava. Gabriela se perguntou o que havia acontecido com sua vida, como tudo havia mudado tão rapidamente.

Ela precisava ir à polícia, explicar tudo, encontrar uma solução para aquela confusão. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia evitar se sentir culpada por pensar assim. Lembrou-se do tempo de criança, quando a "solução" Conselho Tutelar pareceu mais um problema. Bem, não sabia como as coisas eram nos dias atuais, e não deveria usar-se como exemplo para tudo. Disse a si mesma que foi um caso em um milhão, estava tudo bem!

— Gabi, eu tô com fome! — a gêmea, que ela julgou ser a Pandora, levantou-se para pular ao redor dela.

— Ah, sim, claro — Gabriela deu-se conta de que não podia negar pelo menos um pouco de comida para as crianças.

Foi até a cozinha, procurando alimentos. Em sua geladeira havia apenas iogurtes e outros alimentos que irritariam o estomago de uma criança. Precisava sair para comprar comida, o que lhe preocupava. Fernando Werneck poderia voltar e tentar invadir seu apartamento, como ele fez quando ela trouxe Pandora e Atena, pensando que logo procuraria outra moradia?

Respirou fundo, levando a cabeça para o que crianças comiam, novamente, se preocupando o quanto Werneck poderia estar desconfiado. Aquele par de gêmeas não fizeram barulho enquanto atendia a porta, mas agora estavam rodeando-a, pedindo sem parar por "ração".

— Esperem! — exigiu Gabriela, tendo a camiseta puxada. Atena usava as mãozinha como uma gata arranhando suas costas, exatamente como sua gata fazia.

Gabriela só podia estar ficando maluca.

Irritada, procurando o aparelho celular para ver quanto de dinheiro lhe sobrou no banco, abriu a geladeira logo em seguida, implorando para as gêmeas se acalmarem. Pegou um tigela de brócolis, deixando na pia, em busca de algo que crianças gostavam. Para sua surpresa, as gêmeas atacaram o pote de brócolis.

— Ixo é gostoso — a gêmea que parecia Pandora olhou para Gabriela com os olhos brilhando. — Que ixo, Gabi?

— Quê ixo, mamãe? — Atena perguntou.

Gabriela sentiu a boca inclinar, confusa. Pandora e Atena realmente gostava de tudo, inclusive já teve casos de ambas roubando brócolis. Na verdade, o alimento preferido delas além da ração.

— Ah... Bem — a moça não sabia o que dizer o pensar. — Vou buscar algo na padaria. Algo mais gostoso para crianças, embora é a primeira vez que vejo o paladar infantil adorar brócolis.

— É gostoso! — disse Pandora, com a boca cheia.

Sem querer responder, Gabriela sacudiu a cabeça, olhando para a tela do telefone celular. Abriu o aplicativo do seu banco, dando de cara com um salto de 5 créditos em sua conta.

— Caramba! — ela exclamou, recordando-se que havia gastado muito dinheiro mês passado, e o pagamento sairia apenas daqui três dias.

Não devia ter estourando suas contas comprando o arranhador ou a árvore de gato, Pandora e Atena sequer deram atenção a itens que lhe custaram 400 créditos.

— Meu Deus, isso só pode ser um pesadelo — Gabriela sacudiu a cabeça, se abanando.

Infelizmente, não tinha qualquer recurso para criar quatro crianças. Nem ninguém para pedir empréstimos. Talvez Fernando Werneck, porém, aquilo queria dizer que ele cobraria um favor — algo muito inconveniente que nem queria imaginar o que seria. Estava fora de cogitação!

Seu pai, bem, era bem provável que estava com as mesmas dificuldades. Era impensável pedir dinheiro a um senhor que ganhava um salário mínimo da aposentadoria, nunca pediu um centavo para ele, mesmo quando já teve dias de fome.

Ela olhou para crianças. As suposta Atena e Pandora continuavam devorando a tigela de brócolis, Atoide estudava suas reações com olhos desprezíveis, Pi estava dormindo.

O problema era que não estava sozinha.

— Bem, cinco créditos dá para comprar algo? — ela questionou para si mesma.

De repente, lembrou-se de uma vez estar em situação semelhante. Comprou em um loja que vendia tudo a 1 crédito bolachas, biscoitos e sucos de caixinha. Não ficava muito longe, devia ir em um pé, e voltava noutro. Além disso, poderia trazer comida para todos eles, e depois alimentá-los com o que tinha na geladeira para o almoço.

— Fiquem quietos, crianças, a Gabi vai sair para comprar algo para o café da manhã — disse, sorrindo com sua genialidade, sentindo o alívio de uma mãe que encontrou uma solução para alimentar os filhos.

Trocou de roupas, e logo, orientou Atoide, que parecia o mais maduro.

— Cuide das meninas — ela pediu. — Não saiam daqui, entendeu? Eu voltou em menos de trinta minutos. A loja Tudo a 1 crédito fica do outro lado da rua, então, volto rápido. Não abram a porta para ninguém, entendeu?

— Humanos se preocupam demais, não somos idiotas — Atoide disse com seu desprezo de gato.

Ela olhou para as crianças, antes de sair e fechar a porta. Seu coração pesou com imensa preocupação, se perguntando se aquela era a sensação de uma mãe que deixa os filhos em casa, saindo para trabalhar.

Mas, ao mesmo tempo, ela se lembrava de sua própria infância, quando sua mãe saía e ela ficava sozinha, com a sensação de liberdade que só crianças conseguem sentir. Ela se lembrou de querer aprontar alguma, como quebrar o braço da boneca preferida, só para ver o que aconteceria. Agora, ela estava preocupada com a possibilidade de algo semelhante acontecer com as crianças enquanto ela estivesse fora. Ela não sabia como lidar com aquela situação, mas sabia que precisava resolver aquele problema o mais rápido possível.

Confiando que nada aconteceria, na verdade, rezando para que nada aconteceria, Gabriela seguiu até o mercadinho, sentido o coração apertado.

Ela precisava encontrar algo para alimentar as crianças, embora sua mente estava totalmente concentrada em ir até a polícia. Era a única maneira de encontrar uma solução para aquela situação insana.

Entrando no mercado Tudo a 1 Crédito, Gabriela tentou se concentrar em escolher alimentos saudáveis e saborosos para as crianças — mesmo não tão saudáveis com míseros 5 créditos —, mas seus pensamentos estavam a mil, preocupada com o que iria acontecer. Ela sabia que precisava manter a calma, mas estava lutando para se controlar. Sua mente fantasia cenas em que Atoide queimava as gêmeas, apenas por desprezo ou para estudar o que acontecia.

Gabriela lamentou, deveria ter desligado o gás. E também escondido as facas das gavetas do gabinete da pia. Se as crianças que apareceram em seu apartamento eram espertas, também podia ser idiotas na mesma medita. Afinal, ainda eram crianças.

Ela nunca fez uma compra tão rápido. Esperou na fila do caixa, pulando de nervoso quando uma senhora levou uma eternidade à sua frente para pagar. Assim que foi a sua vez, todo o questionário que os atendentes faziam, negou todos de uma vez, inquieta. Na hora de pagar, transferiu seus créditos via celular, pegou a sacola plástica e correu como se já tivessem colocado fogo em seu apartamento.

Quando pequena, Gabriela era muito arteira. Seria capaz de fazer incendiar a sua própria casa. As gêmeas parecia com ela, de alguma forma. Cabelos pretos, impetuosas, olhos verdes, inquietas.

Correu de volta para casa com o coração acelerado. Passou pela calçada, temerosa, se perguntando se sua mãe vivia correndo daquele jeito quando saia para trabalhar e voltava para casa.

Subiu as escadas, e foi quando ela teve um quase derrame ao subir até o corredor de seu apartamento. Ela viu a silhueta esguia do intrometido de Fernando Werneck bem na sua porta, girando as chaves.

— O que você está fazendo aqui? — Gabriela perguntou, indignada.

Fernando se virou, surpreso ao vê-la.

— Eu só queria me certificar de que você estava bem. Eu vi você subir com uma criança, e com toda aquela chuva... — ele explicou, mas foi interrompido por Gabriela.

— Você não tem o direito de invadir minha privacidade dessa forma! — Gabriela respondeu, tensa.

Mas, antes que ela pudesse continuar, Fernando já havia aberto a porta e visto as crianças sentadas no sofá.

— O que é isso? — perguntou ele, olhando para as crianças com surpresa.

— Isso é minha vida privada, e você não tem o direito de entrar sem autorização — Gabriela respondeu, tentando esconder as crianças.

As crianças estavam pairando em volta do sofá. Atoide estava pendurado na cortina atrás, Pandora tentando arranhar tecido do encosto com suas mãozinhas feito um gato; Pi continuava a dormir e a outra gêmea rolava no piso como Atena faria.

— São crianças? — Fernando quase gritou. — Eu tinha visto da minha janela apenas uma, mas resolveu abrir um orfanato no meu prédio? De onde saiu todas essas coisas? São suas?

Por alguma razão, Gabriela se sentiu enojada. Fernando tinha o direito de não gostar de crianças, mas não tratá-las como se fossem fungos.

— Isso não é da sua conta, Nando!

Ele olhou para ela como se Gabriela o tivesse traído, como se ele fosse seu namorado e agora lhe pegou com outro cara.

— Realmente, pode não ser da minha conta; mas também não posso abrir exceções. Já fiz isso com as gatas, e não posso fazer isso de novo. — Fernando respondeu, sem dó. — Você vai ter que ir embora.

Ela lembrou de sua infância, quando sua mãe e ela foram despejada da casa de um parente, porque não suportava mais toda a invasão. Recordou da sensação de não ter lugar para ir, das lágrimas de sua mãe desesperada sem ideia do que fazer. Da raiva que sempre sentia com a falta de compaixão dos parentes que fingia que não faziam parte de sua família.

— Vou sair daqui — Gabriela respondeu, determinada. — Sem problemas. Vou atrás de uma solução para as crianças, já que precisam de um lar e segurança. Mas não posso ficar em um lugar onde o dono invade minha privacidade e não tem qualquer tipo de compaixão.

— Faça o que quiser, mas você vai ter que arranjar outro lugar. Não posso abrir exceções. — Fernando respondeu, fechando a porta com força.

Gabriela ficou ali, ouvindo os passos de Fernando se afastarem, a raiva cedendo lugar a um profundo desapontamento. Ela pensou no quanto o mundo era cruel, com pessoas sempre dispostas a prejudicar os outros sem nenhum tipo de empatia ou compaixão. A falta de amor ao próximo parecia apenas piorar com o passar do tempo.

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