Capítulo 03
Cerca de 10.000 A.C, Norte da África.
Judy sentiu-se desnorteada por um tempo, pensando o pior, que havia sido drogada e levada por sequestradores. Eles exigiriam dinheiro por seu resgate, então seu dedo seria enviado em uma caixa de presentes aos seus pais.
— Onde estou? — Tateou com as mãos a terra ao seu redor, a areia fina escorregou entre seus dedos e sentiu algumas folhas podres se despedaçarem. — Socorro!
Olhando para cima, Judy encontrou o céu escuro da noite pontilhado de estrelas brilhantes como cristal. Nunca tinha visto um céu tão lindo e iluminado em toda sua vida. As constelações confundiam-se no meio de tanta beleza, até percebia um braço da via-láctea. A escuridão permitia tal maravilha. Então seus dedos se fecharam sobre o celular, sentiu a textura da capinha de plástico e da película, quase gritando de tanta felicidade. Se Judy estava com o celular, então tudo estava bem. Ia ativar a localização, fazer uma ligação, qualquer coisa.
A tela acendeu, exibindo o papel de parede de um anime que gostava e o campo para inserir a senha. Eram 23:50. Que tipo de sequestradores conseguiam agir tão rápido, jogá-la no meio do nada e ainda a deixavam com o celular? Tentou, primeiro, ligar para mãe e o pai, mas não havia sinal de rede e nem conseguiu visualizar a própria localização. Foi então que ligou a lanterna para enxergar melhor o ambiente, e não segurou o grito.
O lugar era descampado, mas ao redor havia uma floresta virgem enorme, com árvores altas. Ligeira, tratou de tocar todo o seu corpo, procurando alguma cicatriz. Teriam lhe roubado um rim e largado para morrer?
Após constatar que tudo permanecia no lugar, andou alguns passos trôpegos para a frente, o tênis vermelho afundando em uma poça de lama. Viu, ao redor, uma caverna e uma fileira do que pareciam cabanas improvisadas, como de acampamentos. Atrás delas tinha mais floresta, e ao longe o som de água corrente.
— Socorro! Socorro! Tem algum aí? Por favor, me ajudem! - Chorou, desesperada. - Meu nome é Judy, só tenho 12 anos, por favor alguém me ajuda!
Ela aguardou, e um grupo de pessoas saiu de dentro da caverna, assustadas pelos gritos. Judy as iluminou bem com luz, gritando mais forte ainda. Os seres humanos, porém, eram estranhos, seus rostos eram diferentes, peludos, e todos estavam quase nus, somente com uma tanga de pelo de animais. Claro, no desespero, Judy não prestou atenção e correu para abraçá-los, se ajoelhar e implorar misericórdia, mas os homens se afastaram, escondendo-se aos saltos conforme ela chegou mais perto, ainda agarrada ao celular, iluminando todos eles com a lanterna do flash.
— Me ajudem, por favor! Voltem! Por favor, gente! Meu nome é Judy, estou perdida.
Não ousava invadir a caverna, o medo tomou seu corpo em um arrepio e sensação de impotência. Um dos homens vigiava bem na saída da boca de pedra, e lá no fundo parecia haver uma iluminação, talvez de tochas ou fogueira. Tremendo, Judy finalmente supôs que eram seus sequestradores e direcionou a luz do celular para os lados, as barracas eram sustentadas por estacas de madeira, tecido grosso e peludo eram o teto. Uma delas parecia ter sido feita com as costelas de um animal, e não teve tempo de gritar, pois os homens saíram da caverna com lanças em punho, rugindo, pedras afiadas amarradas nas pontas a ameaçavam.
Correu na direção contrária, pronta para adentrar a densa floresta, e no processo de lágrimas e tropeços, o celular caiu da sua mão, desligando-se, e ela se atirou ao chão tremendo, buscando seu único amigo e chance de se salvar. Os grunidos estranhos e animalescos dos homens aproximaram-se cada vez mais, e quando encontrou seu fiel companheiro de novo, viu que era tarde demais para correr, pois uma respiração quente eriçou os pelos de seu braço.
Ligou a lanterna uma última vez e viu uma coisa terrível. Percebeu bem de perto a aparência tosca dos homens, com seus rostos estranhos, achatados, como se tivessem sido esmagados por uma pedra. Imediatamente, junto com seu grito, eles levaram as mãos aos olhos pela luminescência da lanterna, que os incomodou. As lanças caíram no chão, e os homens da caverna, apavorados, entenderam que Judy era uma deusa, segurando na mão uma estrela cintilante que caiu do céu. Se ajoelharam perante ela e a adoraram.
Em pânico, Judy sentiu sua visão falhar. Iria desmaiar novamente? Gritou tanto quanto sua garganta podia aguentar, foi tudo que consegui fazer quando um dos homens a carregou para dentro da caverna.
A cognição lógica de Judy sumiu, e uma espécie de dormência tomou seu corpo e mente. Não estava ciente de nada e nem pensou nada, somente segurava o celular com força, como um náufrago no meio do oceano segura sua única boia.
Os homens a deixaram sozinha e reuniram-se lá fora sob a luz de uma nova fogueira, comunicando-se da sua forma com grunhidos e gemidos sobre o que acabaram de encontrar.
Aos poucos, Judy tentou interligar as consequências e as causas, e tudo que fazia mais sentido era abdução alienígena ou experimentos secretos na área 51. Observou ao redor, as paredes de pedra da caverna eram úmidas, cheias de arranhões.
— Mãe! — Logo desbloqueou o celular mais uma vez e enviou dezenas de áudios desesperados para a senhora Henderson, com a sequência de frases mais absurdas que já usou, sobre ter sido sequestrada, abduzida e estar cercada de monstros.
Tentou também o celular do pai, do irmão e até da professora. Imaginou eles angustiados na praça, próximos ao lago. A polícia investigando o desaparecimento e cercando a região com fita amarela, mergulhadores procurando seu cadáver na água. Um arrepio percorreu sua espinha, tomou a iniciativa de levantar. Preferia mil vezes se perder na floresta do que ficar com aqueles monstros. Por isso, tentou sair, mas um deles a impediu, e não é possível definir qual dos dois tinha mais medo um do outro. Judy se retraiu e andou para trás, afastando-se do homem.
— Você consegue me entender?
Ele arqueou a cabeça confuso, pegou uma tigela com carne assada de algum animal e estendeu, mas Judy recusou com um gemido de nojo. Voltou para o fundo da caverna e se escorou entre umas pedras, chorando muito. Não sabia se conseguiria ficar lá, entre aqueles seres, e na floresta morreria em poucos minutos. Pensou em andar buscando sinal para ligar, mas duvidou muito que encontrasse naquele ambiente horrendo.
Desbloqueando a tela do celular, viu suas últimas atividades antes da tragédia. Felizmente, a bateria estava cheia. Na galeria, a última foto que bateu no exato momento que a pegaram era somente um borrão branco. No histórico de aplicativos, estavam seus áudios a Mark, episódios de série e YouTube, mas nada funcionava. Não existia sinal de Wi-fi, o pior de tudo.
— Mãe... Mãe! Mãe! — Em estado de choque, isso foi a única coisa que Judy conseguiu dizer por muito tempo, até sua voz virar um sussurro e o dia amanhecer.
Durante aquele intervalo os homens da caverna não se aproximaram dela.
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