Capítulo 14
Subi no píer e franzi os olhos quando vi ao longe um amontoado no chão. A minha cabeça processou a situação com um soco no estômago.
— Samuel! — Grite, desesperadamente.
Foi a única coisa que eu consegui proferir antes de correr em direção ao corpo da minha mãe. Ela estava caída no meio do caminho e quando me aproximei, vi que ela tinha desmaiado.
— Mãe... — Abaixei-me ao lado dela com urgência, tocando em seu braço e sacudindo-o suavemente, tentando acordá-lo. — Mãe... — insisti, a garganta seca e apertada pela tensão de sentir seu braço mole e sem vida.
— Samuca, ela desmaiou. — informei com pressa, erguendo olhar para ele.
— Precisamos levá-la para dentro. — disse, abaixando-se e passando os braços por trás das pernas e dos braços dela, pegando-a no colo.
Samuca se afastou, com o corpo esmorecido nos braços dele, precipitando-se em correr para dentro da casa da forma como pode, e dava para ver a cabeça dela pender para trás, sacolejando com o movimento. Meu coração inflamado martelou ao pensar no que poderia estar acontecendo e um turbilhão de suposições começaram a me deixar nervosa, porque minha mãe estava com o algum problema de saúde, e não tinha falado comigo.
Uma lágrima insistente escorreu pela minha bochecha, mas passei a mão antes que ela pudesse continuar o caminho e cruzei os braços, chacoalhei o rosto ao tentar afastar os pensamentos ruins, correndo atrás de Samuca, acompanhando-o com minha mãe nos braços.
— Ângela... — Eu ouvi Samuca chamar quando ultrapassou a porta dupla da antessala.
A voz dele estava carregada de pressa e preocupação. Isso deixou todo mudo alarmado, porque Samuel não é o tipo de pessoa que faz tempestade em copo d'água. Na verdade, ele é bastante comedido, e são poucas as coisas que podem fazê-lo agir dessa forma. Então, todo mundo já sabia que tinha alguma coisa de errado, e minha tia foi a primeira a aparecer, correndo da cozinha e parando no meio do cômodo ao se deparar com a situação.
— Ai meu Deus! — Ângela levou as duas mãos ao rosto, em choque. — O que aconteceu?
Marco surgiu pela escada, descendo-a, muito agitado e gesticulou com a mão, chamando Samuca para que a levasse para cima. Eu tentei segui-los, mas deles subirem os degraus, Marco fez um gesto de mão e trocou um olhar sério e cheio de segredos com minha tia.
A minha atenção se voltou para ela.
— Nina. — Ângela entendeu a mensagem que ele quis transmitir e segurou o meu antebraço, impedindo que eu fosse atrás deles. — Você precisa ficar aqui! — disse, soltando-me para passar as mãos nos cabelos e empurrando-os para trás ao deixar o rosto livre. — Você vai vê-la, mas essa não é a melhor hora.
— O que está acontecendo? — perguntei com a voz fraca, olhando para a escada e depois para a minha tia que bloqueava a passagem.
Ângela coçou o couro cabeludo e olhou da direita para a esquerda, recuando alguns passos para se sentar no sofá sem dizer absolutamente nada. Balançou a cabeça, negando veemente com o gesto, levando a mão ao rosto. Sua expressão foi repentinamente distorcida pelo choro que ela parecia sem sucesso algum tentar controlar.
Os meus músculos se contraíram e o nervosismo foi cedendo lugar para o medo. Respirei fundo e me sentei ao lado dela, jogando o corpo todo para trás. Uma sensação ruim preencheu o meu estômago. A mesma sensação de quando alguma coisa muito ruim está prestes a acontecer. A minha garganta se apertou quando a cabeça da minha tia se ergueu e seu rosto molhado virou para o meu lado, brilhando com a baixa luz.
— Não... — balbuciei, negando com um gesto de cabeça antes que os lábios dela se abrissem para pronunciar algo.
Eu já sabia o que era e não queria ouvir.
— Sua mãe está doente — a voz dela arranhava na garganta — mas ela me fez prometer não contar nada a você.
A notícia chegou como uma pancada brusca na boca do estômago, e eu me inclinei abruptamente para frente com o choque.
— É grave? — foi a única coisa que eu consegui pensar.
Ângela não disse nada, apenas inclinou o corpo mais para frente, e apoiou os cotovelos nas coxas, cobrindo o rosto com as mãos em conchas, fungando uma última vez. Ela apoiou a cabeça na mão para me fitar.
— Acho melhor você conversar isso com ela quando acordar — recomendou com mais sobriedade. — Ciça vai te contar tudo.
Assenti com um gesto de cabeça, receando o pior.
***
— Câncer? — A minha voz não passou de um murmurar descrente, mais para mim do que para ela.
Minha mãe concordou com um gesto recluso. Meu coração martelou apertado no peito e eu precisei me sentar ao receber a notícia, levando a mão à boca, perplexa.
— Eu ia contar... — comentou com a voz fraca.
Ergui o meu olhar para ela, fitando-a. Ainda estava em estado de choque, sem conseguir acreditar no que estava me contando. Ela ainda estava deitada, reclinada sobre dois travesseiros, o lençol de algodão branco cobria até a altura do abdômen e as mãos estavam juntas uma em cima da outra, sobre ele, um dedo polegar deslizando pela unha do indicador. Ela não conseguia erguer o olhar para mim.
Ela estava com câncer. O meu cérebro travou nessa parte e dali não saiu mais.
Câncer...
— Você chegou tão animada e isso arruinaria o nosso final de semana — comentou, forçando um sorriso fraco.
Meu coração foi partido em vários pedacinhos. Eu entendia a dor dela, mas eu merecia saber que ela estava doente.
O silêncio berrante só fazia a minha cabeça funcionar mais rápido. Suspirei ruidosamente e virei o corpo na beira da cama, ficando de frente para ela.
— Todo mundo já sabe? — perguntei, num suspiro, erguendo o olhar para ela ao aguardar uma resposta.
Ela concordou com um gesto comedido de cabeça, e eu me ergui abruptamente da cama. Ela não tinha o direito de esconder isso de mim. Ela contou para todos, menos para mim.
— Até Samuca? — perguntei, mesmo sabendo da resposta.
Ela não precisou responder para que eu já soubesse. É lógico que o Samuca sabia, mas por que ela não pensou em ligar para mim e me contar? Ela tinha que ter me dito. Eu tinha o direito de saber. Eu sou a filha dela e simplesmente, tinha me reservado ao pior modo de dar a notícia.
— Não pareceria ser real se você não soubesse... — ela justificou, com a voz arrastada.
A culpa subiu corrosiva, logo depois, na minha garganta. Nós tínhamos nos afastado, e como ela me contaria? Eu estava ocupada demais com o trabalho, quase não atendia as ligações. Não havia espaço para diálogo entre nós nos últimos seis meses.
Ela não era culpada. Eu era a única culpada disso. Conclui, passando a mão rosto.
— Há quanto tempo você sabe? — indaguei, voltando meu rosto para ela.
Ela desviou o olhar para a janela, fitando o galho da árvore que insistia em farfalhar no vidro quando o vento passava por ele.
— Dois meses. — minha garganta se apertou com a quantidade de tempo. — Ângela estava comigo quando o médico deu o diagnóstico.
Engoli o nó que se formou na garganta. Culpa, porque passei os últimos dois meses vivendo como se tudo estivesse bem enquanto ela, minha mãe, vivia um inferno.
— E o tratamento? — inqueri. — Já começou?
Os olhos dela relancearam assombramento e depois negou com um gesto de cabeça, passando a mão pelos cabelos que caiam pelos ombros.
Os cabelos. Pensei na quimioterapia e na queda.
— É quimioterapia... — comentou num choramingo. — Eu não quero perder meus cabelos.
Nenhuma mulher quer perder os cabelos para um tratamento de câncer e me colocar no lugar dela foi simplesmente horrível. A dor envolveu e apertou meu coração abruptamente. O fôlego me faltou.
— Oh, mãe... — suspirei, inclinando-me na cama, passando o meu braço pelo ombro dela, fechando-a num abraço reconfortante. — Eu sinto muito.
Não consigo mensurar o quanto isso deve ser doloroso e assustador para ela.
— Tudo bem. — disse, eu não sabia se realmente ficaria, mas me sentia na obrigação de tornar as coisas menos piores para ela. — Vai ficar tudo bem, mãe. — Minha voz saiu abafada pelo ombro dela. — Vamos para o Rio de Janeiro comigo, eu te ajudo com tudo.
Ela colocou um bom espaço entre a gente, e fitou meu rosto antes de balançar a cabeça numa negativa.
— Eu não quero atrapalhar a sua vida, Nina. Não de novo...
Inclinei a cabeça e lancei a ela um olhar complacente. Nada do que tinha acontecido no passado tinha sido por culpa dela. Tudo aconteceu como deveria ter acontecido. No começo foi difícil aceitar e processar toda a situação, mas hoje eu sou capaz de entender, e ouvi-la falar desse jeito foi como se alguém pegasse o meu coração do peito e o esmagasse entre os dedos.
— Por favor, mãe. Não tem relação nenhuma, o que passou, passou. — Argumentei, com sinceridade. — As coisas funcionam mais rápidas por lá, e eu vou te ajudar com tudo.
— Mas e a Fernanda? — ela perguntou.
— Eu vou falar com ela, mas isso não vai ser um problema. — Aleguei, num suspiro. — Vamos comigo. Nós vamos a outro médico, fazemos mais exames. Vai ficar tudo bem, você vai superar isso.
Ela balançou a cabeça em concordância, deixando o choro retumbar o seu peito.
— Obrigada, meu amor. — A voz dela estava embarga e eu a apertei mais em meu abraço.
Eu suspirei com o coração sangrado. Eu não queria que ela passasse por isso. Um câncer na mama... Eu não conseguia imaginar o estado em que ela estava por dentro, mas não queria deixa-la sozinha.
Os meus olhos começaram a pesar e ergui a cabeça para ver que mamãe já tinha dormido. A maçaneta se agitou e Ângela entrou furtivamente no quarto, aproximando-se da cama, e afagou o meu braço, deixando um beijo na minha cabeça.
— Vem, querida. — Ângela sussurrou em cima da minha cabeça.
Afrouxei os braços ao redor da minha mãe com cuidado para não acordá-la e coloquei as pernas para fora, levantando-me silenciosamente.
— Sua mãe é uma mulher forte e jovem. A notícia foi um choque, mas ela vai superar. — Minha tia disse, quando atravessamos a porta e ela a fechou atrás de si. — Ela vai ficar bem, Nina.
Concordei com um gesto de cabeça, apertando os lábios ao tentar conter o choro, depositando todas as minhas esperanças no que ela dizia.
— Oh meu amor. — Ela passou os braços em volta dos meus ombros — Vai ficar tudo bem. Seja forte — pediu com firmeza na voz — por ela.
Ângela se afastou quando ouvimos passos se aproximarem, ergui o olhar, por cima do ombro dela e me deparei com Samuca. As mãos enfiadas nos bolsos da frente da bermuda, enquanto ostentava um brilho fraco e desestimulado nos olhos.
A minha garganta se apertou e a frustração me subiu a cabeça. Samuel sabia de tudo e tinha colaborado com essa ideia estapafúrdia da minha mãe de manter segredo.
— Que direito você tinha de esconder isso de mim? Você deveria ter me contado. — disparei, assim que soltei Ângela.
— Bem, eu vou me deitar. — Ângela disse. — Pega leve, Nina. — Isso tem sido difícil para todo mundo.
Samuca exalou e segurou a minha mão, mas a puxei de volta.
— Eu sinto muito, mas sua mãe me pediu para esperar que ela mesma te contaria. — Argumentou, complacente. — O que você queria que eu fizesse?
Levei a mão ao rosto, esfregando os olhos.
— Que me contasse — dei de ombros. — Pelo menos eu estaria com ela nesse meio tempo. Como pode?
— Tenta compreender, amor — ele praticamente implorou, segurando o meu pulso com firmeza. — Eu estava com medo de te dar essa notícia. Olha o seu estado. Você acha que eu estou contente com isso?
— Eu fiquei seis meses longe dela, Samuca. Ela estava doente esse tempo todo e eu... Eu estava longe... se você tivesse me...
A notícia da doença estava me doendo, mas a verdade é que o que mais me incomodava, foi tê-la abandonado no momento em que ela mais precisava. Eu tinha sido egoísta e estava ocupada demais, cuidando das minhas coisas e vivendo a minha vida. Agora, estava tentando amenizar a sensação de culpa ao dividi-la com Samuca. Ele deveria ter me contado e ponto. Isso não estava em discussão, mas jogar a culpa do meu afastamento sobre ele me fez sentir medíocre, porque eu não tinha o direito de tirar essa culpa dos meus ombros e jogar sobre os dele.
Fechei a minha mão em punho e tirei-a do contato, seguindo em direção ao meu quarto.
— Você não podia ter escondido isso de mim.
***
Olá, meus amores <3
Como vocês estão? Sentiram minha falta? Eu também senti a de vocês, mas estava muito ocupada escrevendo esse livrineo lindo.
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