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E então eu o vi morrer. Eu já sabia que isso ia acontecer, mas a dor não foi menor por isso. Eu vi todos os meus colegas de trabalho lutando para que ele voltasse, mas de qualquer forma eu sabia que não era possível fazer nada. Aquela maldita doença tinha finalmente levado o único homem que eu amei a minha vida inteira e eu não pude fazer nada.

...§. Intense as Death .§...

7 meses antes

Eu sou o Lucas. Tenho 24 anos e esse é meu primeiro dia no meu novo trabalho. Eu estou trabalhando agora no hospital de câncer de São Paulo. Eu consegui esse emprego principalmente pelo meu ótimo desempenho na faculdade e... Bom, eu amo o que faço.

Ser enfermeiro pra mim sempre foi um sonho, por mais que meu pai quisesse que eu fosse médico como ele eu preferi ter contato a fundo com as pessoas. Eu queria me sentir útil e ajudá-las, acompanhar seus tratamentos de perto e por ai vai.

-Ai. —Falo quando alguém esbarra em mim.

-Não fica no meu caminho, filhinho de papai. —Débora fala.

Débora era minha ex namorada. Ela e eu namoramos na época da faculdade, mas acabamos terminando por motivos críticos de agressividade vindas dela. Digamos que eu a irritava quando não fazia nada e quando fazia alguma coisa também.

-Oi Lucas, é seu primeiro dia não é? —Uma médica me chama com a minha ficha enquanto andamos pelos corredores.

-É sim doutora, eu... —Tento falar, mas ela me interrompe.

-Bom, aqui estão seus pacientes. A maioria deles vão ser recorrentes. —Ela fala me entregando a prancheta.

-Vejamos quem é o primeiro... —Falo olhando a minha ficha.

-É o Bruno. —Ela fala. Eu já conhecia ela, frequentava minha casa as vezes em festas que meu pai dava quando morava com ele.

-Bom, vamos lá no Bruno. —Eu digo enquanto começo a andar.

-Lucas... —Ela me chama.

-Fala. —Digo me virando.

-Nada de sarcasmo com o Bruno. Ele tem 18 anos e está em com leucemia. Me entendeu? —Ela fala, séria.

-Tudo bem, nada de sarcasmo com o Bruno. —Falo levantando e sacudindo a prancheta. —Valeu doutora. —Digo e ela sai.

Eu vou andando pelo hospital até encontrar o quarto do garoto. Pelo vidro vejo que na cama ele dorme como se nada o preocupasse. Bruno era branco e tinha cabelos pretos. Ele estava hospitalizado apenas para tentar ajudar com a dor, já que não faria quimioterapia.

Eu bato na porta devagar e ele desperta, me olhando em seguida. Os olhos azuis de Bruno me fitam como faróis e eu me sinto no dever de entrar em seu quarto.

-Olá Bruno, como estamos? Saudáveis? —Pergunto e ele sorri de lado em um sorriso absolutamente sarcástico.

-Se eu mandar você se lascar você vai me processar? —Ele pergunta e eu sorrio. A médica me pediu pra não ser sarcástico com ele, mas naquele momento eu já vi que éramos parecidos nesse requisito.

-Não, pode ficar tranquilo. Meu nome é Lucas, serei seu enfermeiro aqui. —Falo enquanto examino ele. —Dores?

-No meu coração. —Bruno fala e eu o olho.

-É? Por quê? —Pergunto.

-Por ter um idiota como novo enfermeiro. Eu não deveria ter magoado o último. —Ele fala e eu sorrio, voltando a examiná-lo.

-Pode ficar tranquilo que eu não vou embora. —Digo.

-E se eu te dissesse que era a minha torcida? Você acabou de magoar um cara que vai morrer, se sinta mal. —Bruno fala.

-A não, eu tenho pouca empatia. —Falo e ele confirma com a cabeça, não dizendo mais nada. —Terminei. Se você sentir qualquer coisa me chama.

-Que tipo de coisa? —Ele pergunta antes que eu saia. —Algo que eu ache que possa ser semelhante a morte? —Ele pergunta.

-É, e ai eu vou vir e vou te ajudar. —Falo.

-O que não é nada atrativo se eu quero morrer. —Bruno fala de forma séria. —Pega meu notebook nessa mesa aí, por favor? —Ele pede.

-Não. —Falo brincando olhando ele sério de volta.

-Deixa, eu pego. —Ele fala se preparando para levantar.

-Eu pego, resmungão. —Falo pegando o notebook dele, me aproximando e entregando em sua mão. —Vai jogar o que? —Pergunto vendo ele entrar em um jogo online.

-Overwatch. —Ele diz.

-Meu sobrinho jogava. —Falo e ele me encara.

-Você já estava de saída, não é? —Bruno pergunta e eu confirmo com a cabeça, saindo em seguida do quarto dele.

Eu já sabia que ele provavelmente seria o paciente mais difícil que eu teria naquele lugar, Bruno não parecia ser uma pessoa sociável ou a fim de fazer amizade.

-Ele é legal. Só tá meio degradado e ai se acha totalmente dispensável. —Uma enfermeira fala, vendo minha frustração ao sair do quarto de Bruno.

-É? —Pergunto.

-Sim. Ele quer morrer logo... É o responsável por ele? —Ela pergunta.

-Sim, ele está na minha ficha. —Falo e ela sorri, como se eu estivesse ferrado.

-O último pediu transferência do hospital por causa dele. A Sabrina não quis tirar o Bruno da ficha dele e ele acabou pedindo transferência. —Ela fala e eu fico ainda mais preocupado.

-Eu acho... Que vou me dar bem com ele. —Falo tentando passar segurança.

-Otimista... —Ela fala e eu sorrio.

-Não, realista. Temos o mesmo humor. —Falo e continuo andando.

Nessa correria eu nem pude me apresentar direito. Vocês devem estar imaginando como eu sou e por isso direi. Sou moreno, tenho cabelo curto e sou alto... Bastante alto. Não deixo barba no rosto e acho que meu corpo é razoavelmente definido. Meus olhos tem cor mel e nesse momento eu estou vestindo minha roupa verde e com meu jaleco por cima. Eu também tenho um Estetoscópio (Aquele instrumento para ouvir ruídos como batimentos cardíacos e por ai vai).

Continuo andando até meu outro paciente, na minha ficha tinham apenas 4, mas se todos tivessem a mesma força de vontade de Bruno em meses eu não teria nenhum. Chegando no quarto um rapaz simpático me olha da cama.

-Olá Felipe. —Falo entrando no quarto e ele acena.

-Oi, tudo bem? —Ele pergunta de forma simpática.

-Eu estou ótimo, vejo que está animado. —Falo enquanto me aproximo.

-Estou sim, queria dar uma volta no hospital. —Ele fala. —Tem uma menina no quarto 47 que é uma gata. —Ele fala enquanto eu o examino.

-Vejo que temos um arrasador de corações aqui, hã? —Pergunto e ele ri, tossindo em seguida.

-Claro, eu ainda tenho esperanças de ter uma família. —Ele fala animado e eu me seguro para não deixar que meus olhos se encham de lágrimas.

-E vai ter. —É a única coisa que sai de mim naquele momento.

-Espero. Não quero deixar o câncer vencer. —Felipe fala, animado e eu não consigo dizer mais nada que não fosse meu dever.

-Bom, pra isso você precisa fazer suas sessões de quimio. Tá pronto pra de agora? —Pergunto e ele confirma com a cabeça. Eu podia ver a força e vontade de Felipe para viver.

-Claro, sem dor sem ganho, vamos lá. —Ele fala animado enquanto eu o ajudo a sentar na cadeira de rodas e naquele momento aquela simples frase de academia muda a minha vida.

Saímos do quarto e eu o levava para sua sessão. Felipe era animado e conversava de tudo. Ele procurava formas de tentar passar o tempo ali já que segundo ele não queria ficar gordo. Eu o acompanhei na sua última sessão de quimioterapia.

Na ficha de Felipe falava que seu tempo máximo de vida seria 1 mês, mas ele não chegou a terminar a semana. Ele teve morte por falência múltipla de órgãos. Eu tentei não chorar no dia da morte de Felipe, mas foi inevitável ao chegar em casa.

Assim que cheguei em casa tirei minha roupa e fui até o chuveiro tomar um banho. Enquanto a água descia pelo meu corpo ela se misturava com as minhas lágrimas. Eu estava acabado pela primeira vez por causa do meu trabalho.

Mesmo tendo passado apenas horas com Felipe a força de vontade dele e a esperança me consumiram por completo. Eu sabia que tinha que aprender a ser uma pessoa melhor do que a que eu vinha sendo, eu precisava saber dar valor a vida. No dia seguinte meu primeiro paciente seria Bruno e eu esperava apenas que ele estivesse um pouco mais humano, o que não aconteceu.

-Oi Bruno, bom dia. —Eu falo entrando no quarto dele e ele me olha, descrente.

-Tava bom, tava legal... Tava muito bom antes de um certo idiota aparecer no meu quarto. —Bruno fala, esperando que eu devolva com alguma gracinha.

-Tudo bem. —Digo abrindo a cortina do quarto dele e colocando a bandeja de café da manhã sobre a mesa.

-Espera, você tá bem? —Bruno pergunta.

-É que... —Eu começo, mas ele me interrompe.

-Não, não fala. Não quero saber. —Ele diz enquanto eu vou ajudando ele a comer.

-Sentiu dor essa noite? —Pergunto e ele sorri, concordando com a cabeça.

-Senti, mas gostei. A morte é maneira às vezes. —Ele fala, provavelmente me testando.

-Olha... O Doutor Robson disse que você pode fazer o tratamento por meio de cateter. —Eu falo e ele me olha descrente enquanto toma o suco.

-Não vai rolar. Não vão enfiar um tubo em mim, senhor enfermeiro. —Bruno fala.

-Você ainda tem chances de... —Começo, mas ele me interrompe.

-Você não entende? —Ele pergunta me encarando. —O garoto que morreu ontem não tinha chances mas tinha esperança, eu sou o contrário dele. Eu quero morrer, eu preciso morrer... E logo, então não me oferece tratamento pra ficar aqui mais tempo. Se eu pudesse trocaria de lugar com ele. —Bruno fala irritado.

-Tudo bem, desculpe. —Falo e ele me toma o lanche, comendo sozinho mesmo que seus braços implorassem por ajuda.

-Você tá triste por causa dele, eu sei, mas aqui é isso. Depois de ver umas 30 mortes por dia você vai se acostumar e vai virar mais um dos que trabalham aqui. —Bruno fala enquanto eu ajeito seu prontuário.

-Como assim? —Pergunto me preparando para examiná-lo.

-Vai aprender a não levar o que vive aqui pra casa... Chorou no chuveiro ontem? —Ele pergunta depois de comer tudo e eu fecho meus olhos, sentindo suas palavras.

-Para Bruno. —Peço e ele sorri enquanto eu o examino.

-Chorou né? Que fofo. —Bruno fala.

-Sou humano, tudo bem? Eu ajudei o Felipe e... —Começo e mais uma vez Bruno me interrompe.

-Eu já disse que não quero saber. —Ele fala de forma séria e eu concordo com a cabeça.

-Você tem algum sonho? —Pergunto enquanto recolho as coisas da bandeja para levar embora.

-Nesse momento exato ou futuramente? —Bruno pergunta e eu até penso que ele irá tentar ser simpático.

-Nesse momento e futuramente. —Falo, esperando que ele fale para sair.

-Nesse momento é que você vá embora e futuramente é morrer. —Bruno fala e eu concordo com a cabeça, saindo do quarto dele em seguida.

Eu andava olhando para cima, tentando não deixar ser abalado pelas provas de que Bruno era uma pessoa de difícil convivência. Fui até a cantina pegar outro café da manhã para outro paciente e quando cheguei no quarto dele, Saulo estava penteando o cabelo.

-Bom dia Saulo. —Falo entrando.

-Finalmente trouxe comida. Bom dia, Lucas. —Ele fala esperando a bandeja.

-Estava pensando se você queria dar uma volta, estão oferecendo exercícios hoje. —Falo colocando a bandeja na mesa de Saulo e deixando que ele devorasse todo o café da manhã.

-É, mas eu sou criança, ninguém gosta de criança. —Saulo tinha 8 anos.

-Você é uma criança guerreira, todos gostam de crianças guerreiras. —Falo vendo ele terminar de comer.

-Sabe Lucas, eu acredito em você, mas não acho que queira ir. —Saulo fala. Ele era um garoto bastante esperto, mas em sua ficha constava 4 meses de vida.

Saulo tinha leucemia, como a maioria dos pacientes de sua ala e estava ali para tentar tardar seus últimos meses. Ele era incrivelmente inteligente e gostava de brinquedos Lego. Saulo não tinha força para andar, mas tinha a energia de qualquer criança para falar. Dos pacientes que eu ajudava apenas Kelvin tinha câncer de pulmão em estado terminal... Ele... Vocês irão conhecer. 

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