28. Enfim... Crazy.

Se você quiser alguém pra ser só seu

É só não se esquecer, eu estarei aqui

LEGIÂO URBANA

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Desde que cheguei a Amsterdã não me lembro de ter acordado tão bem como hoje. Me espreguicei com força e fiquei estatelada na cama como uma lagartixa preguiçosa. Sem forças nenhuma para sequer virar a cabeça, me sentia aérea e feliz. O dia que passei na casa de Yuri acabou sendo uma surpresa e me fez repensar algumas coisas.

- Não precisa me responder agora. Apenas, pense. 

Yuri me pediu em namoro. Assim mesmo, como um dos maiores clichês da vida: "Você quer namorar comigo?". Fiquei chocada demais. Assustada demais. Gostava de estar com ele, o sexo era muito bom, mas... faltava algo. Faltava aquela pitada de pozinho mágico. Faltava resolver minha vida com Jack. E eu não conseguia me imaginar sem ele. Não que tenhamos algum compromisso ou qualquer coisa desse tipo, mas meu coração não está totalmente liberto. Eu não sei o que fazer, nem quando saberei e nem se quero saber. 

A reunião com o Sr. Luiten fora produtiva. Voltarei com os ensaios na segunda - daqui a dois dias. Yuri continuará a frente. O diretor gorducho insistiu para que eu voltasse apenas quando me sentisse totalmente pronta. O que mais preciso é voltar à minha rotina. Me sinto segura quando sei o que fazer. Estar afastada por tanto tempo da dança é algo que me faz pensar que é exatamente isso que preciso. Dançar.

A tarde, como combinado, Jack me encontrou na praça Dan. Apoiado a uma mureta, ele segurava flores amarelas lindas. Meu coração se apertou e um sorriso brotou assim que nossos olhos se encontraram. Eu realmente não sei o que fazer com todo o sentimento que transborda no meu coração por Jack. Também não existe possibilidade de uma reconciliação depois de tudo o que houve. Jeni sempre estará entre nós. Nosso passado atormentado sempre estará entre nós. Reconhecer essa verdade me fez querer chorar.

- Jeni ainda aguarda o julgamento na ala psiquiátrica do Hospital de Londres. Não acredito que demore mais que dois meses. 

- Você foi vê-la? Ela tem consciência do que fez? 

O restaurante Bovary é agradável e calmo, mas senti uma agitação com o assunto da conversa. Bebi um gole do suco de kiwi enquanto Jack se serviu de vinho. 

- Aquela Jeni não é a que conhecemos. Ela está dopada o tempo inteiro para evitar que se machuque. E sua conversa não faz sentido algum.

- Como assim, não se machuque? - perguntei com terror.

- Amy, meu bem, não quero mencionar tudo o que vi. Embora Jeni mereça pagar pelo que fez, inclusive tentar nos matar, é muito triste seu estado.

Sem ter a menor noção do que estava ouvindo, só consegui pensar em outro confronto com aqueles olhos maldosos e insanos.

- Eu não quero vê-la - desabafo.

- É melhor não.

Mais tarde, liguei para Kate. Sua mãe esteve com Jeni no dia anterior. Seu estado é deplorável. Ela arranhou seus braços e rosto com suas enormes unhas, deixando horríveis cicatrizes. Com um garfo de plástico, rasgou seu antebraço escrevendo na carne JACK. Depois que desliguei o telefone, chorei a noite toda.

A comida estava maravilhosa. Como sobremesa, pedi uma mousse de chocolate enquanto Jack me assistia com simpatia.

- Quer um pouco? - peguei uma colherada da taça e ofereci em sua direção.

Jack não respondeu, apenas se inclinou para a frente e abocanhou a colher. Aquela cena tão sem propósito fez horrores com meu corpo. Ele lambia a mesma colher que eu tinha na boca. E era chocolate. Era bom beijar com gosto de chocolate. Acompanhando todas as etapas de sua degustação, a passadinha de língua nos lábios, o olhar sexual, todas essas coisas me fez querer Jack dentro de mim. 

- Para onde você vai agora? perguntou.

- Eu... eu preciso voltar pra casa - respondi aflita, mexendo no guardanapo, tentando espantar os pensamentos obscenos.

- Eu preciso de um momento com você. Antes de ir embora. Por favor.

Sua voz está suave e seus olhos brilham suplicantes.

Aquilo soou nos meus ouvidos, como: Preciso fazer sexo com você. E de imediato, pensei: Eu também. Minha cabeça estava na mais profunda luxúria.

- Você está hospedado em algum lugar?

Jack passou o cartão com o garçom que fingiu não prestar atenção na conversa. Ele se retirou. Jack se  levantou, me estendeu a mão e respondeu olhando nos meus olhos - grato com a minha pergunta:

- Vou estar agora.

Assim que porta do elevador no hotel fechara, o clima pesou. Sentia vinte quilos nas minhas costas. Embora estivéssemos sozinhos, era como se tivesse cinquenta pessoas ali. De soslaio, olhei para Jack, que estava ao lado do painel eletrônico. Ele tinha as mãos no bolso e a perna direita dobrada a frente. Ele me encarava. Não tirou os olhos de mim durante os treze andares de subimos. Mexi nos cabelos, roí duas unhas e seu olhar continuava ali. Ininterrupto. Com o coração acelerado e uma pressão descendo estômago abaixo, o questionei:

- Algum problema? Perdeu alguma coisa aqui? - tentei parecer séria, mas senti que falhara.

Ele não exitou. Sem alterar uma molécula de sua respiração, me respondeu sério:

- Perdi meu coração. Perdi aí. Bem aí - disse, apontando com a cabeça na direção do meu peito.

A sensação foi a de algo atingindo meu coração. Dor. Náusea. Tontura. Tremores. Nossos sentimentos eram grandes o bastante para nos sufocar naquele cubículo. O suor escorria pelas minhas costas.

Quando o elevador parou e as portas se abriram, eu continuei parada lhe olhando.  Eu amava Jack. Amava com todo meu coração e alma. Só pensava o quanto seria terrível abdicar desse amor. Não suportava pensar na minha vida sem aquele homem, e não suportava pensar em viver com ele.  A dor aumentou e minha cara denunciou-me.

- O que foi, Amy? 

Jack segurou minha mão e me levou para o corredor. Segurou minha cabeça entre suas mãos fortes e seu simples toque foi capaz de me tranquilizar.

Eu poderia viver sem isso?

Minha cabeça encosta no seu peito e aquele perfume... aquele perfume que me provocou, me desorientou desde a primeira vez que percorreu meu corpo, aquece minha alma. A dor aumenta.

Eu poderia viver sem isso?

Foi uma noite mágica. Jack sobre mim, prometendo seu amor eterno, dando-me um prazer sem fim, foi como uma despedida. Uma verdadeira despedida. Não contive as lágrimas diversas vezes, imaginando essa ser nossa última vez.

Eu poderia viver sem isso?

Depois de fazer sexo duas vezes, deitei minha cabeça em seu peito e pensei pela primeira vez em Yuri. Isso que eu vivia naquele momento era muito maior que qualquer coisa que eu pudesse vir a viver com Yuri. Tive certeza disso. 

Conversamos sobre meus planos na academia, minha turnê que começaria em alguns meses, sobre seus planos na Universidade de Londres e sua ideia de morar em Amsterdã.

- Eu conheço o reitor. Ele era vice-reitor em Londres quando era professor. Não seria difícil conseguir uma cadeira aqui.

Meu silêncio e incapacidade de entender o que eu quero, o que me deixa feliz e segura para um futuro estável, o fez compreender minha opinião sem que eu precisasse usar as palavras.

Antes de ir embora, abri meu coração. Não sabia se um dia ficaríamos juntos, mas hoje isso não era possível. 

Deitada na minha cama, ouvindo um pouco da tristeza de Hadiohead, sinto que fiz a escolha certa. Meu coração está calmo. Triste, mas calmo. 

Eu poderia viver sem Jack?

Sei do que preciso. Sei a maneira que preciso viver. Ela se chama Liberdade

8 meses depois...

- Você só pode estar brincando, Amy? Você perdeu a cabeça?

- Não! Eu estou ótima. E você, poderia ser mais educada?

Sanne ri sarcástica e isso me irrita. Sinto meu rosto vermelho.

- Você fica fora por meses, trepa com Jack sempre que está em Londres e agora chega aqui e vai pra casa do Yuri? 

- Não sei qual o seu problema com o que faço da minha vida?

Percebo minha arrogância. Esses meses tem sido uma prova de fogo. 

- Você mudou, Amy. A fama mexeu com alguma coisa aí dentro - ela está com os braços cruzados e aponta com a cabeça para mim. 

- Faz duas horas que cheguei e você só sabe me criticar, Sanne! Que espécie de amiga você é? Deveria estar do meu lado, porra! 

Me levanto e pego minha mala. 

- Eu sempre estive do seu lado, mas o que você está fazendo... - ela se contém.

- Termina - desafio.

- É coisa de puta.

- Você não deveria ter falado isso.

Há quatro meses sem derramar uma lágrima sequer, sinto romper esse ciclo. Agora, meus olhos carregam várias delas e me seguro para não piscar. Não aceito que me digam o que fazer. Sou dona da minha vida, ganho o meu dinheiro, faço o que bem quiser. Não estou prejudicando ninguém porque não tenho compromisso com ninguém!

Abro a porta do nosso quarto com força e antes de batê-la atrás de mim, ouço Sanne:

- Sabe o que estão dizendo? - pergunta descrente. Sua voz está deprimida. - Que qualquer uma pode virar a estrela da Academia se fizer como minha amiga. Dar para o instrutor.

Bato a porta com toda a força que consigo e as lágrimas caem desesperadas sem que meu rosto mude de expressão. Não vou tolerar que falem assim de mim. Sou a principal dessa porra, pelo meu talento. Antes de dormir com Yuri eu já era a protagonista! Não admito isso! Sanne deveria me defender e não me acusar. 

Desço as escadas que há quase um ano me  tiraram meu filho. Todo aquele pesadelo volta e percebo que as pessoas estão olhando pra mim. Corro para o banheiro atrás da escada e entro na cabine. Choro. Choro muito. Minha cabeça vira um emaranhado de lembranças. Yuri me socorrendo. Sanne cuidando de mim. Kevin nos traindo. Jack baleado. Jeni presa. O sucesso da turnê. Minha foto em todas as revistas. Apresentações em todo o mundo.  Eu e Jack fazendo amor na grama da fazenda. Kate, Megan e eu nos abraçando no aeroporto. Eu e Yuri fazendo amor no camarim. Não consigo parar de chorar. Meu coração se despedaça e me sinto um lixo pela primeira vez. Tenho dinheiro suficiente para sair desse lugar e morar sozinha. Sanne. Porquê briguei com ela? De onde veio minha raiva? Será que ela quer ficar com Yuri para tomar o meu lugar? Porquê sinto que ele é meu? Sanne. Não! Ela jamais faria isso. Ouço sua voz e acho que estou delirando.

- Amy? Onde você está?

Choro mais alto. Minha amiga está atrás da porta e bate. Eu a abro e me jogo em seus braços. Agora, ela também está chorando. 

- Me perdoa - digo em meio as lágrimas.

- Me desculpe, amiga. Eu jamais deveria ter te acusado. Não tenho o direito de me meter dessa forma na sua vida.

Subimos novamente para nosso quarto e depois de uma conversa reconfortante, tomo um  banho bem quente e adormeço.

Acordo com o telefone tocando. Estou sozinha e já são quase 9 da noite. Me sento e acendo o abajur de unicórnio de Sanne.

- Alô?

- Oi...

Reconheço aquele Oi. Esqueci do nosso jantar.

- Yuri... Desculpa. Eu acabei... me envolvendo na conversa com Sanne e... ficou meio tarde, né?

- Tudo bem... Só liguei pra te convidar pra jantar.

Eu não tinha mais intenção de ver Yuri por hoje, mas estava realmente faminta. 

- Você passa aqui em quanto tempo? - pergunto rodeando a cabeça.

- Eu já estou aqui em baixo. É só descer.

Seu novo tom é suave. Yuri agora não se parece em nada com o ogro maldito que conheci há quase um ano. Ele é gentil, carinhoso, paciente e... paciente. Nunca desistiu de um compromisso. Trabalhamos muito bem juntos. Ele respeita minhas ideias e está sempre de bom humor. Sua companhia se tornou essencial. Passamos meses viajando com um grupo grande de dançarinos e por isso sinto sua falta quando estamos distantes. Geralmente, quando voltamos para Amsterdã, somente por alguns dias até que a turnê retome, fico em sua casa. 

- Já estou indo. 5 minutos!

Ele ri.

- Tá brincando! Vou mumificar aqui esperando você se arrumar!

- Calúnia! - rimos juntos.

- Não esquece da mala - me lembra.

- Não vou.

Sorrio com o telefone no peito. Já estava com saudades do meu ogro.

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SEMANA QUE VEM TEM O EPÍLOGO E... FINITO....

BJOSSSSSS AMORES....

PS. NÃO ME MATEM :)

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