[ 22 ] Inferno

Reescrito e revisado por: poisontequila


Não há maior dor do que recordar a felicidade nos tempos de miséria.
— Dante Alighieri. 

O mundo inferior é retratado de diversas formas, Dante Alighieri  o cita de forma distinta, onde cada nível se atém a um pecado e punição específica — como um cone de cabeça para baixo, o último nível é onde jaz o reino de Lúcifer. 

Já na bíblia, é descrito em puro fogo e enxofre, almas queimando e gritando de dor, sofrendo por tudo que fizera em Terra; visto que, suas memórias são a fonte de sofrimento, ali, nada de esquecer, você irá queimar e padecer, mergulhado até o pescoço em lava e agonia. 

Ainda acorrentado, Jungkook estava deitado sobre um altar de pedra, seus braços abertos e tornozelos unidos — o sorriso fraco era a mais pura ironia, afinal, estava em posição de crucificação. Achava graça enquanto era torturado, demônios encapuzados arrancavam sua carne, cravava facas com lâminas quentes em seu corpo, o esquartejavam; destruído, era curado para começarem tudo de novo, de novo e de novo. 

E em todas as vezes, aqueles malditos tomavam a forma de Jimin, usavam sua voz para coagi-lo para enfraquece-lo. O deixar louco. 

Mas agora em específico foi diferente, Jungkook se viu em pânico ao ver Jimin preso na pedra, todo machucado, a boca jorrando sangue e os olhos o fitando em pavor extremo. 

— JUN! ME AJUDE POR FAVOR!  — gritou, chorando, tentando se soltar. 

— J-jimin. — gaguejou, a garganta seca e voz rouca, lábios rachados e brancos. 

O demônio estava decadente, miserável e ainda sim, quis tentar se libertar e tirar Jimin dali. 

Como uma ilusão de ótica, tudo se dispersou, levando-o a tontura e torpor. 

E de novo, seria acometido a mais uma série de tortura.  

Os gritos eram engolidos pelos suspiros pesados, sua pele antes tão alva e puído, era flangeada até a carne se desprender dos ossos, grudando nos espinhos dos açoites — toda sua força se extinguiu, a fraqueza o impedia de soltar uma fagulha de poder. Estava preso ali, sem chances alguma. A visão turva o impossibilita de enxergar algo vindo pelo túnel de pedra, o pequeno portão de ferro enferrujado foi jogado no chão pútrido pelo forte impacto, seus torturadores nada compreenderam, afinal, foi lhes dada uma ordem. 

A audição zumbia, queria apagar por horas ou dias, conquanto permaneceu caído, sentindo o frio absurdo da água parada contra as feridas e relaxou, fechando os olhos — dedos macios e quentes acariciam seu rosto, tirando os fios escuros para expor um pouco o rosto machucado. 

— Jungkook? 

Não respondeu, parecia estar à beira da morte, se não fosse uma criatura sobrenatural, certamente teria morrido a dias atrás — ninguém aguentaria aquilo. Todo aquele sofrimento, era demais. 

" Ele morrendo?"

A pergunta não era direcionada a si, havia outro ali, sua mente podia estar pregando peças, ou de fato estava sendo salvo. Não sabia ao certo. 

" Não. Mas está fraco, se ele dormir agora só vai acordar daqui um século. "

Outro tom de voz, diferente e conhecido. 

Jungkook queria ver quem era, não conseguia, seu corpo não respondia, sua mente muito menos. 

" O que fazemos?"

" Eu? Eu não farei nada. Você por outro lado. "

Houve uma pausa, breve. 

" Dê seu sangue. "

Ocorria uma discussão ali, não verbal, Jimin o segurou um pouco mais, vê-lo daquela forma o deixou enjoado e desesperado, queria chorar na mesma proporção que quer cuidar dele. 

" Jimin. É o único jeito. Ele vai melhorar, e temos que tirá-lo daqui, antes de Lúcifer ser avisado sobre nossa pequena excursão." 

O platinado assente, intercalando seu olhar entre o demônio que amava e aquele que foi seu passo de entrada ali — respirando fundo, pediu auxílio ao pecado para levantá-lo e sustentar o peso deste parque que pudesse beber. 

" Porra! Não vai dar tempo. Eles estão vindo. "

Hoseok se levantou com  Jungkook no braços. 

" Consegue sair daqui com ele? Leva para cobertura dele " 

" Não dá para te levar"

" Eu me viro. Saia daqui com ele."

O pecado arregalou os olhos, não tinha empatia pelo garoto pequeno, todavia, uma vibração estranha tomou conta de seu peito, deixando-o apertado. 

— Cacete! Ele apagou. 

— Hoseok! Saia daqui com ele agora. — Jimin ordenou. 

Ele sentiu. 

Haviam chegado. 

— SAIA LOGO DAQUI!  — gritou, e seus olhos queimaram num roxo profundo. 

Hoseok solta um palavrão, envolvendo-se em fogo e desaparecendo rapidamente. 

Jimin permaneceu parado, no corredor, os demônios não avançaram, simplesmente abriram passagem para Lúcifer, que vinha imponente, tronco exposto, os pés descalços — diferente do filho, ele tinha os cabelos curtos, levemente raspados nas laterais; os globos oculares tomados por escuridão fria e intensa. 

— Surpreendente! — comentou despreocupado. — Confesso que esperei por isso. 

O rei o cercou sem tocá-lo. 

— Coragem a sua vir ao meu reino. Tudo isso para salvar um demônio inútil. 

— Não fala assim dele. — retrucou, e dessa vez olhou para Lúcifer, mantendo a postura ereta como se não estivesse com medo. 

Realmente parecia não estar. 

— Apaixonado por um demônio. — cantarolou.  — Um demônio inferior. Sem poder algum. — com extrema calma ficou de frente ao menor, segurando-o pelo queixo. — Deveria ter se interessado pelo rei, não acha? 

— Afaste-se de mim. — ordenou. 

— Parece que seremos apenas nós. — estalou os dedos. 

Todo o cenário mudou. 

Não estavam dentro daquela câmara, e sim em um salão, onde o trono estava sobre o altar, o piso adamantino polido e pilastras se espalhando em pontos estratégicos para sustentar a estrutura. 

Era semelhante a um tempo, ou uma igreja antiga. 

— Onde estamos? — a energia o sugava gradativamente, deixando-o levemente cansado. 

— Em meu castelo. 

— Porque? 

— Para que ninguém ouse entrar diretamente aqui e salvá-lo. — alargou o riso. — Me fará companhia até o meu filho vir bancar o herói. 

— Não mesmo. Vou sair daqui, sozinho. 

A gargalhada do demônio assustou o garoto, era alta, alta demais para sua audição tão frágil. 

— Boa sorte! Sei que seus poderes não surgem tão facilmente, visto que seu corpo ainda se mantém na humana. É livre para tentar, os demônios sentem seu cheiro e clamam por você. 

Vá em frente, tente e falhe miseravelmente. 

Jimin ponderou tentar, a despeito do lugar em que está e do tanto que conheceu ao frequentar igreja e conhecer a palavra, optou por desistir, encarou Lúcifer em seu trono. 

— Desistiu? — indagou. 

— Por enquanto. — retrucou. — Porque não me tira daqui? 

— Acha mesmo que eu faria isso?

— O que quer de mim? Além do óbvio? 

— Não lhe interessa. 

O platinado revirou os olhos e conteve o grito ao ver um servo aproximar-se do trono. 

— Leve essa criatura para um dos aposentos e o mantenha lá. Ninguém toca nele até eu dizer o contrário. — ordenou, já farto. — Vamos ver em quanto tempo seu corpo irá bloquear seu poder, sei que está desorientado, e isso não é só o que irá sentir aqui. — avisou. 

— Sim, meu senhor. — o servo o arrastou pelo braço, sem dar-lhe chance de fazer perguntas sobre o que ele havia dito. 

Jimin não compreendeu quando passaram por um corredor enorme, sentido a outro estreito demais com apenas uma porta de ferro ao fundo, semelhante a uma solitária, e ali ele foi jogado sem cuidado algum. 

— Ficará aqui, criatura nojenta. — o demônio resmunga, batendo a porta e trancando em seguida. 

Sozinho, encarou a porta, a iluminação era escassa e o cheiro de mofo o deixava enjoado; podia enxergar com muito esforço a parede arranhada, os sulcos se mantinham nas paredes e no solo, parecia ser dali que o cheiro pior vinha. 

Precisava sair rápido, tinha de ver Jungkook, e pensar no jeito em que estava, o deixou aos prantos, sua pele estava febril e o medo desencadeia sensações nostálgicas.

 " Lembre-se de quem você é. "

Sua inconsciência soprou tão sorrateiro que só entendeu quando se repetiu — lembrar, e como se lembrar de algo que parecia não ter vivido. No chão, sentado e encolhido no canto, Jimin respirou profundamente, buscando em seu íntimo uma fissura que pudesse dar passagem a aquilo que tinha no livro e as evidências deixadas quando incinerou Gabriel, quando tornou seu quarto frio, e o desespero que abalou a terra sob seus pés. Como um interruptor de luz, Jimin ascendeu e desmaiou no mesmo instante. 

Havia despertado. 

O seu eu havia surgido como uma fênix que renasce das cinzas. 

Ele iria queimar o inferno. 

[...] 

Deitado na cama espaçosa, Jeon se recuperava devagar, acordava e apagava de hora em hora, os espasmos havia parado e Hoseok estava na sala, os lumes brancos, a tentativa frustrante de saber onde de fato Jimin estava e o motivo de não sentir absolutamente nada. Nem uma vibração se quer. 

O elevador abriu e Jung virou-se, vendo Jimin passar por ele, indo até o quarto. 

— Jimin? — chamou. 

O platinado estava parado, vendo Jungkook inconsciente na cama, ainda machucado e absurdamente pálido — Asmodeus observou o garoto se sentar ali e puxar Jungkook para se sentar, sustentando seu peso como se fosse leve como uma pena. A canhota apoiada na nuca alheia, Jimin posicionou o rosto do demônio em seu pescoço, perto da veia carótida. 

— Beba! — ordenou. 

O timbre diferente levou o pecado da luxúria curvar-se em dor, de joelhos não se atreveu a ignorar aquela imagem — sem perceber estava chorando lágrimas de sangue. 

Jungkook despertou, mordendo-o no mesmo segundo antes que a consciência lhe escapasse, o sangue fluía por sua boca, quente, doce, um gosto que escorreu por sua garganta e fez queimar cada ferida, curando rapidamente, sentia dor e mesmo assim não ousou se afastar, sentindo sua força surgir novamente, segurou o platinado pela cintura, mordendo-o com mais força, tremendo dos pés à cabeça pelo gemido que viera dele. 

— Jimin-ah. — o chamou, os lábios que pareciam demonstrar a falta de vida, estava corada, pintada de vermelho, as gotas grossas escorriam por seu queixo até pingar. 

O platinado nem se quer respondeu, saiu da cama, foram cerca de quatro passos até desmaiar — Jungkook correu até ele e Hoseok estava pálido, os lábios roxos e a expressão quase num pavor eterno. 

— JUNGKOOK NÃO TOCA NELE! — gritou, afastando-o com uma barreira invisível posta ao redor do platinado. 

— O que foi?

— Não toca. Ele tá sobrecarregado, não chegue perto se não quiser virar pó, ou algo pior do que isso.  — avisou cansado. 

— Merda. — ganiu, recuando um pouco tonto. 

— A pergunta é. Como ele saiu do inferno? — Asmodeus questiona. 

— Isso se ainda houver um inferno. — Jeon completa. 

Na bolha invisível, Jimin ainda estava apagado, o poder fluindo e sendo contido, como raios buscando o que atingir. 

— Então é verdade. — Hoseok murmura. — O anjo albino é essa coisinha pequena?

— É. 

— Amaldiçoado seja. — assoviou. 

— Fudeu! — Ambos disseram em uníssono. 

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