CAPÍTULO 07

— Você tem dez segundos para se explicar antes que eu te meta um chute, Vincent — foi o que ela disse, e sob a pressão do tempo dado e seu tom agressivo, minha primeira reação foi, é claro, rebater de forma igualmente rude.

— Eu não me lembro de dever nenhuma explicação a você — disse, enquanto enfiava uma das mãos no bolso da calça.

Lora arregalou os olhos de leve, parecendo ainda mais irritada.

— O que você acha que está fazendo? Por que está aqui?

— Você por acaso é dona dessa terra inteira? — Perguntei, apontando para as montanhas e para a estrada que levava ao centro da cidade. Seu rosto pareceu corar enquanto me ouvia. — Eu não posso viajar e visitar cidades por aí?

— Mas se tinha tantas cidades por aí para visitar, por que vir justo aqui? — ela grunhiu entredentes. Dei de ombros.

— Você não tem um mandado de restrição contra mim, então não vejo por que está tão brava com a minha presença aqui — apesar de que provavelmente, por sua atitude, um mandado de restrição seria a primeira coisa que ela providenciaria depois do dito chute.

Ela fechou os olhos, e seus ombros subiram enquanto ela respirava fundo. Sem a ameaça de seu olhar furioso, observei-a, notando como seu rosto estava mais bronzeado e umas poucas sardas escuras começavam a despontar ao redor de seu nariz reto e um pouco arrebitado. Seus cílios eram naturalmente compridos, e o rosto estava emoldurado por fios repicados que escapavam do rabo de cavalo que ela usava. O rabo de cavalo era a única semelhança com a imagem que eu criara em minha cabeça quando Tyra Elisa dissera que Lora tinha voltado para o interior; ela não usava um chapéu de palha, jardineira jeans e blusa xadrez, mas sim uma saia florida longa, com uma blusa lisa laranja.

A distração com seu visual durou pouco, pois ela logo reabriu os olhos e voltou a me encarar. Eu me senti um pouco mal por retrucar de forma tão infantil e sarcástica, uma vez que ela estava certa em todos os seus questionamentos. Talvez eu quisesse me proteger dos ataques que ela tinha todo o direito de me dar.

Suspirei, um pouco derrotado.

— Eu fiquei incomodado com a forma que as coisas ficaram entre nós — decidi ser honesto, mas ela soltou uma breve risada pelo nariz.

— "Nós"? — arqueou as sobrancelhas.

— É, ué — cocei a parte de trás da minha cabeça, sem entender seu apontamento. — Talvez algo como um encerramento? Ou uma reconciliação? — Arrisquei.

Lora riu mais uma vez, mas não pude entender muito bem o que ela expressou com aquela risada.

— Boa sorte com isso.

Quando voltou a me olhar, percebi que ela não parecia mais irritada, porém havia uma frieza em seus olhos. Não tive mais o que falar disso e acabei chutando o chão de leve com a ponta do tênis, um pouco desconfortável.

— É tão ruim assim eu estar aqui? — perguntei, incerto de como prosseguir. É claro que eu esperava um confronto, mas também esperava que fosse possível encerrar as coisas entre nós da maneira certa, como Percy sugeriu. Ler o último capítulo desse livro ou algo do tipo. Mas não parecia que isso ia acontecer, e eu comecei a me questionar mais uma vez se essa teria sido a atitude certa a ser tomada. Talvez eu simplesmente devesse ter ido a um terapeuta e tomado alguns remédios para dormir melhor à noite. Como é que eu pude concordar com Percy que viajar até o interior atrás de uma mulher seria a resolução dos meus problemas?

Lora olhou ao redor da fazenda, respirando fundo mais uma vez.

— Agora você já está aqui, e o quarto já está alugado na pousada. Não tem o que fazer, como você disse não tenho controle sobre você, sobre onde você vai e o que você faz — ela respondeu, mas mais uma vez não pareceu revelar como se sentia de verdade. Com minha falta de habilidade de interagir com as pessoas e entender seus sentimentos além das palavras ditas, eu não conseguia notar o que poderia ser; os detalhes escapavam entre meus dedos, não eram captados pelos meus olhos nem pelo meu coração.

A conclusão que pude chegar, agora que ela evitava meus olhos e cruzava os braços, o rosto ficando um pouco corado, é que eu provavelmente assumira tudo de forma errada. Por ela ter sido gentil comigo, me ajudado, se revelado como minha fã, acredito que eu considerara que as coisas iriam bem. No entanto, o caso aparentava ser justamente o contrário; era bem provável que ela na verdade me odiasse e não me quisesse ali. Afinal de contas, os sinais eram claros, não?

A forma que ela saíra no último dia que nos encontramos. Ela não me notificar nada, nem me responder por semanas. Ela não ter expressado nada além de fúria e irritação pela minha visita inesperada. O peso do seu corpo sendo trocado de pé em pé enquanto estava na minha frente, obviamente se mostrando desconfortável por minha presença.

Talvez eu tivesse me deixado levar pela Lora que criei em minha cabeça no tempo que não nos vimos. Como se, usando uma pessoa real, eu tivesse desenvolvido uma personagem e adaptado os pontos que eu não podia preencher com fatos da realidade com uma ficção que vinha da minha cabeça, e de lá apenas. A Lora que eu me lembrava era muito diferente da Lora na minha frente, assertiva, séria, com o rosto bronzeado e as novas sardas despontando em seu rosto.

O choque desse momento de realização foi quebrado por Fausto, vindo de um dos lados da casa, passando apressado por nós.

— Esqueci que ia acompanhar a mãe ao médico, volto mais tarde Lora! — e deu um aceno, correndo em direção ao portão.

Lora apenas acenou em retorno, e eu não soube o que fazer. O clima entre nós estava pesado e eu gostaria de tempo para pensar sobre as realizações que tivera, mas ao mesmo tempo me parecia errado simplesmente me despedir dela naquele ponto e fingir que nada daquilo acontecera.

Provavelmente o que eu estava buscando esse tempo todo era redenção.

— Bem... se Fausto não está aqui, tenho que ir ajudar meu pai — Lora disse, finalmente olhando para mim. Uma luz se acendeu em minha cabeça.

— Vocês gostariam de ajuda? Eu não tenho muito o que fazer por aqui — falei, mais uma vez colocando as mãos no bolso. Ela abriu um pequeno sorriso, que não era doce nem gentil; ela me olhava de forma bastante irônica, e até eu conseguia sentir o desdém que emanava de sua expressão.

— Tem certeza que dá conta do ritmo, Woodham? As coisas não são fáceis como na cidade — ela retrucou, cruzando as mãos atrás das costas. — E achei que tinha vindo aqui escrever ou algo assim.

— Bloqueio criativo — resmunguei. Ela riu.

— Está certo então. Vou te passar o que precisa ser feito. Pode me seguir.

Ela passou por mim sem me olhar outra vez, voltando a entrar na casa.

A lista de tarefas que Lora me passou parecia interminável. Eu não sabia se ela estava fazendo aquilo por vingança, para me manter ocupado e consequentemente longe dela, ou se era simplesmente o que precisava ser feito em um criadouro de gansos. Fiquei me perguntando por que Fausto gostava de trabalhar ali, e me lembrando que na mesa do almoço ele comentara como Lora mostrava seu lado sádico em relação aos ajudantes do lugar.

Primeiro, levei o resto de comida para os gansos que estavam em suas pequenas casinhas de madeira ao redor do lago. Depois, com Mason, varri a parte onde ficavam as chocadeiras. Em seguida, precisava ajudar a recolher mais pasto para o dia seguinte, e aquilo me rendeu boas horas sob o sol, com um chapéu de palha emprestado cobrindo meu rosto. Lora definitivamente estava certa sobre as coisas serem diferentes da cidade, mas não é como se aquilo fosse uma novidade para mim. Eu sabia que não estava mais lá, e faria o que me era pedido da forma correta. Apesar de ser um iniciante, as tarefas não eram complicadas e era apenas cansativo executá-las.

Quando o sol tingia todas as nuvens de rosa e laranja ao oeste, e o azul se tornara pálido até completar o degradê com o azul marinho que tomava conta do leste, eu sentei em um banco com vista para o lago, tentando regular um pouco a respiração e sentindo o rosto quente. Esperava não ter ficado muito marcado de sol, mas era uma consequência óbvia, então não me preocupei muito. Observei a água marrom refletir brilhos alaranjados e os gansos grasnarem em pequenos grupos, enquanto alguns se retiravam para suas casinhas e outros ainda se aventuravam na água fria.

— Até que você se deu melhor do que eu esperava — ouvi, atrás de mim, e me voltei para encarar Lora. Ela me estendia uma pequena toalha de rosto e uma latinha de cerveja, segurando outra para si. Agradeci, recebendo sua oferta e usando a toalha para secar um pouco o rosto, preocupado se estava muito suado.

— É claro. Eu não gosto de fazer nada mal feito — respondi. Lora sentou-se ao meu lado, abrindo sua latinha de cerveja, e eu a imitei.

— Exceto escrever os capítulos de uma história de amor, não é? — ela murmurou, e quando me virei para retrucar de forma grossa que, ao contrário do que ela apontou, eu me dedicara muito pra história sair e o fato de eu subornar uma estagiária era só para ganhar mais tempo para fazer algo bem feito, notei que havia um pequeno sorriso em seu rosto. Esse sorriso era diferente dos outros que ela havia dado mais cedo, então decidi me calar e apenas tomei um gole da bebida gelada.

Ficamos em silêncio por um tempo, um silêncio também diferente de mais cedo, e me perguntei o que haveria mudado. Seria o fato de eu ter dado, literalmente, meu suor durante o dia, mostrando a ela um lado de mim que ela não esperava? Seria ela ter refletido por si só em relação a seu próprio comportamento e decidido agir de outra forma comigo? Seria uma armadilha parte de um plano de vingança que ela elaborara enquanto eu me esforçava em cuidar dos gansos?

— Você chega a ver Tyra Elisa? — ela perguntou de repente, me causando um leve sobressalto. Eu estava perdido em pensamentos e não imaginei que ela continuaria qualquer assunto comigo, ainda mais um relacionado à empresa que trouxera tantos maus momentos para ela.

— Ocasionalmente — respondi. Lora mantinha seus olhos baixos, focada na latinha entre suas mãos. — Teve uma festa recentemente e eu encontrei com ela.

— Sinto falta de conversar com ela — ela continuou. — Ela manda mensagem às vezes e mantemos contato de certa forma, mas por eu estar distante não tenho certeza sobre o quanto posso interagir com ela. Foi a primeira vez em um bom tempo que tive uma sensação de ter encontrado uma amiga, e eu não sei direito como agir.

— Não basta simplesmente agir da forma que você quiser e achar melhor? — sugeri, arqueando uma sobrancelha. Ela me olhou de soslaio, um dos cantos de sua boca elevando-se em um meio-sorriso.

— Esse conselho é a sua cara — ela respondeu, e eu levantei meus ombros, um pouco confuso com seu apontamento. — É mais complicado que isso, Vincent.

— Eu acho que você que está transformando a situação em algo mais complicado do que realmente é. Ela estava curiosa sobre você e me informou como te encontrar. Ela contou com olhos brilhando sobre vocês manterem contato, e ao meu ver isso a faz gostar tanto de você quanto você gosta dela. Eu não entendo o que há de complicado em partir disso e estabelecer uma amizade como você quer.

Lora não respondeu de imediato, levando a latinha à sua boca. Antes de tomar um gole, ela murmurou, bem baixo, apesar de eu ainda ter conseguido ouvir:

— Tem muitas coisas que você não entende.

Não pude discordar daquilo, então fingi não ouvir, querendo preservar a boa sensação daquele momento ao pôr-do-sol. Era bom ouvir a voz de Lora sem ela estar agressiva ou estressada. Mesmo que fosse um murmúrio quase inaudível, dito mais para si mesma do que para mim.

— Já conseguiram achar uma nova estagiária? — ela continuou a conversa e eu me ajeitei no banco, receoso de falar algo que a deixasse desconfortável. Preferia que ela me perguntasse do livro, dos meus motivos de estar cuidando de gansos por um dia, de planos futuros, mas esses pareciam tópicos ainda mais desinteressantes do que a situação da editora para ela. Para enrolar, tomei mais alguns goles da cerveja, notando que com a aproximação da noite a temperatura ia caindo. O céu já estava praticamente todo tingido de azul escuro, apenas alguns resquícios da luz alaranjada sobrando em algumas nuvens.

— Tem uma mocinha, um pouco mais nova que você, acho. Ainda não interagi muito com ela, só fomos apresentados. Parece que as fofocas correm rápido e ela já está um pouco determinada a não aceitar certos tratamentos. Ela parece gostar do trabalho, mas já está com o pé atrás em relação às atitudes do... do Broadbent — contei, terminando em um murmúrio e rapidamente tomando mais um pouco de cerveja. Eu estava dependendo tanto dela como rota de fuga do assunto que em breve ela acabaria.

Observei Lora pelo canto do olho, curioso sobre sua reação. Mas ela continuou apenas encarando o lago e os poucos gansos que sobraram à vista, com algo que poderia ser um sorriso estampado em seus lábios.

— Que bom. É bom que ela fique assim mesmo — ela comentou, respirando fundo e voltando seus olhos para mim. Com o restante do brilho do sol, uma pequena luz refletia neles e em seu cabelo, já livre do rabo de cavalo.

— É... — minha mente de repente corria, tentando buscar algum assunto relevante para contribuir na conversa. — Você sabe sobre Broadbent e Tyra Elisa?

Ela suprimiu um sorriso, arqueando as sobrancelhas.

— Não sabia que você se interessava pelas fofocas da editora — comentou, rindo de leve. Rolei os olhos.

— Não é bem assim. Ela que me contou, na festa. Você já sabia então?

— Depois que eu saí ela mencionou comigo. É uma pena. Espero que não dê certo. Mesmo que toda a situação dela seja um pouco ridícula em pleno século 21, na minha opinião, espero que ela no mínimo consiga ficar com alguém que não é tão escroto quanto ele.

— É, seria melhor para ela mesmo. É triste, porque ele não tem nenhuma qualidade que preste. É um filhinho de papai mimado que se importa no máximo com o pouco trabalho administrativo que tem — retruquei, lembrando que ele nem era tão exemplar assim no trabalho que exercia.

Os gansos fizeram um alvoroço súbito, preenchendo o ar da noite com seus grasnados. Lora ficou em silêncio e pensei que talvez tivesse passado dos limites. Aquele não era um bom assunto para se levantar numa conversa, ainda mais que ela fora uma das vítimas de seus abusos. Falar dele não ia ser positivo, em nenhum momento.

Para minha surpresa, o que ela disse em seguida foi:

— Sabe, Vincent... por aquele dia... obrigada — ela falou baixo, sem me olhar, e eu fiquei confuso por um momento. Depois de toda a briga e do modo que ela tinha agido comigo, ela estava finalmente me agradecendo pela atitude que eu tomara?

Não tinha certeza se ela realmente se sentia grata ou se apenas dissera aquilo para tentar alcançar a reconciliação ou encerramento que eu mencionara mais cedo. Já no escuro, acobertados pela noite um tanto fria, eu não pude interpretar suas palavras, expressão e sentimentos muito melhor do que o fazia durante o dia.

Acabei não podendo continuar o assunto, pois uma luz se acendeu atrás de nós e nos viramos. Mason, parado na porta recém-aberta, acenava.

— Vincent, fique para o jantar! É o mínimo depois de toda a sua ajuda aqui hoje. Além do mais, temos convidados! — Ele parecia animado, e nós dois nos levantamos. Lora pareceu confusa, como se a notícia fosse surpresa para ela.

— É estranho termos convidados inesperados. Ainda mais quando meu pai se refere a eles como "convidados" e não alguém conhecido. Vamos lá, você pode emprestar alguma roupa do meu pai se quiser tomar banho — ela disse, fazendo sinal com a mão para que eu a seguisse mais uma vez. Agradeci mentalmente sua preocupação comigo, apesar de preferir voltar para a pousada e ficar por lá depois de um banho, com minhas próprias roupas. Agora eu realmente me preocupava se estava fedendo suor ou algo do tipo. Talvez tivesse alguma forma educada de recusar o convite do jantar.

Quando entramos na sala, fomos recebidos por vozes empolgadas e uma exclamação de surpresa vinda de Lora, e aceitei o fato que meus planos de recusar o convite seriam inúteis.

— Vince! Você já está se adaptando ao interior? — Percy comentou, sorrindo largamente e fazendo Ash rir escandalosamente. René tinha um sorriso contido, vestindo roupas um pouco chiques demais para a sala decorada de forma bem caseira dos Preston, e Mason parecia embasbacado com aquelas três figuras famosas de pé em sua casa.

Eu respirei fundo, sabendo que toda a paz interiorana que eu tinha planejado aproveitar tinha se esgotado com a presença dos meus três amigos ali.

- - - - - - - Continua... - - - - - - - -

Nota da autora: Surpresa! Atualização súbita em plena terça-feira!
Como vou estar ocupada com visitas esse fim de semana, decidi adiantar a atualização como presente depois de um tempo de hiatus! No entanto, isso significa que a próxima vai demorar um pouco mais heheh sejam pacientes por favor <3

Temos aqui um capítulo um pouco mais agitado, finalmente, e o próximo promete ainda mais! Com os quatro reunidos, finalmente vou compartilhar umas cenas que sempre quis mostrar hehehe espero que tenham gostado dessa atualização e a partir de agora a Lora vai voltar a ser uma personagem regular, para nossa felicidade. Estou ansiosa para ver o que vocês acham de como o enredo vai se desenvolver daqui pra frente.

Obrigada mais uma vez por lerem e comentarem! Até a próxima ♥
Beijos,
Anne

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