CAPÍTULO 03
Estava em outra das festas desnecessárias de Broadbent. Eu nem sabia o que estava fazendo ali, com o copo na mão mesmo sem estar com tanta vontade de beber. Apenas alguns dias se passaram desde meu encontro com meus amigos e eu definitivamente havia tomado álcool o suficiente lá pelo resto do ano.
Eu só viera na verdade porque sabia, pelas regras implícitas de contratos empregatícios entre adultos, que a cena que eu causara por conta de Lora podia deixar péssimas impressões na editora, e cicatrizes em meu bom relacionamento com eles. A DDrafts me proporcionava tudo que me era conveniente e apesar de saber que eu estava em um nível de fama alto o suficiente para ser aceito por qualquer outra editora que me interessasse, a dor de cabeça de me envolver em burocracias de encerramento de contrato e nova contratação podia muito bem ser evitada. Broadbent não se dirigira a mim nessas últimas semanas, e apesar de o que tentei fazer por ela ter sido um fiasco, pelo menos isso era uma coisa boa resultante daquilo.
O canto que eu escolhera para ficar de pé segurando paspalhamente meu copo de bebida era quieto e eu não era perturbado por quase ninguém. Nem ao menos sabia o motivo de estarmos reunidos ali daquela vez. Quando me arrumava para vir, pensei que talvez pudesse obter alguma informação sobre o paradeiro de Lora, até me convencer (bem rapidamente) de que aquilo era besteira e se ela havia se mudado, eu já sabia tudo que precisava saber sobre ela.
Irritava-me o fato de que desde que ela dera as costas para mim, ela não saía da minha mente. Eu pensei e pensei sobre o que acontecera, mas não conseguia chegar a nenhuma explicação a respeito de suas ações. E então, cansei de pensar sobre ela e tentei tirá-la da minha cabeça. Eu nem a conhecia muito, nem há tanto tempo para ela ser alguém significativa em minha vida que preencheria um espaço grande e faria falta. Havia, sim, um vazio, mas eu estava supondo que ele era causado pelo desconforto de eu ter me exposto a Broadbent e a todos na empresa e resultado em absolutamente nada. A sensação de que perdera meu orgulho, ou algo assim.
— Olá Sr. Woodham — uma voz um pouco tremida falou ao meu lado, e saí de meus pensamentos para encarar Tyra Elisa, segurando nervosamente um copo de bebida e sorrindo insegura para mim. Dei-lhe um sorriso breve em resposta a seu cumprimento. — Será que eu poderia ficar um pouco aqui com você?
— Claro, fique à vontade.
A menina era uma incógnita para mim. Não que tivéssemos passado muito tempo juntos, mas já a flagrara encarando-me com olhos sonhadores e brilhantes que foram o suficiente para me deixar um tanto embaraçado de ficar perto dela. Ainda assim, ela era sempre educada e refreava-se em sua admiração e exaltação, o que eu agradecia. Dessa forma, era mais fácil manter uma conversa com ela, apesar de essa ser uma das primeiras vezes que chegaríamos a tanto.
— Está se divertindo? — ela perguntou, como quem tenta puxar assunto, e eu apenas arqueei uma sobrancelha, dando um gole pequeno em minha bebida. Seu sorriso foi largo e ela soltou uma risadinha. — Também não entendo por que temos que vir a todos esses eventos, com essa frequência. Poderíamos estar usando esse tempo para escrever.
Soltei uma risada.
— De fato. Contudo, a maioria dos escritores que eu conheço não aproveita o tempo livre dado a eles para efetivamente escrever — comentei, lembrando-me desagradavelmente da correria que foram meus últimos meses.
— Isso é verdade! — ela riu novamente.
— Vi que você estava acompanhando um homem pelo salão mais cedo — decidi manter a conversa, até porque caso contrário eu voltaria a um tédio absoluto enquanto aguardava por um horário decente que não pegaria mal eu ir embora. — Seu pai?
— Sim. Dessa vez ele quis vir junto, para conhecer aqueles relacionados com minha carreira literária — ela respondeu, de repente parecendo um pouco introspectiva. Ela não olhava mais para mim, seu rosto perdendo o sorriso, mas varreu os olhos pelo salão, como se buscasse seu pai ou outra pessoa. — Ele era contra a publicação do meu livro, sabe.
— É mesmo? — arqueei as sobrancelhas.
— A intenção de eu vir para a cidade com ele era arranjar-me um casamento, não uma carreira. Então ele estava meio desgostoso, até ouvir alguns nomes que estavam envolvidos na equipe. Parece que aceitou melhor a ideia desde então. — seus olhos mantiveram-se fixos em um lugar, e eu os acompanhei, encontrando seu pai conversando com Broadbent. A dupla me chocou mais do que a informação que ela acabara de me dar. Voltei meu olhar para ela, tentando esconder a pena e o horror que me assombravam.
— Ele não queria dizer...? — comecei, sem nem saber como confirmar aquilo. Ela desviou seus olhos e encarou-me, sorrindo de leve, seus longos cabelos loiros emoldurando seu rosto.
— Sim, o Sr. Broadbent. Como você deve saber, Mikhail Broadbent é um famoso empresário e milionário. Meu pai tem alguns contatos em comum e conseguiu algumas trocas de serviço também, então ver que o filho de Broadbent estava relacionado com a carreira que eu pretendia seguir foi algo que se iluminou para ele. Acredito que agora ele esteja tentando fazer novas conexões e talvez arranjar um encontro — sua voz era triste.
— Você não deveria estar lá para pelo menos saber o que está sendo arranjado? — apontei para a dupla usando ternos pomposos que continuava conversando naquela monótona falsidade de maneiras socialmente aceitáveis. Tyra Elisa deu ombros.
— Não acho que eu estar lá ou não faça muita diferença. Eu já consegui o que queria; publicar meu livro. Não vou ter muita voz em mais nada do que seja feito a respeito disso.
Senti-me inundado por pena por aquela garota bonita e com potencial, que seria podado de uma forma tão ridícula em pleno século 21. Casamento arranjado era algo que fazia parte da sociedade, mas nunca fora algo próximo de mim e mesmo que não tivesse nada a ver comigo, saber a escória que Broadbent era me fazia ter vontade de ser capaz de fazer algo por Tyra Elisa.
No entanto, na última vez que tentara fazer algo por alguém que estava envolvido com Broadbent o tiro saíra completamente pela culatra, então eu aprendera minha lição e me manteria no meu lugar, conhecendo minhas limitações.
Como se enganchasse o assunto através do meu pensamento, Tyra Elisa subitamente perguntou:
— Tem falado com Lora?
Se eu estivesse bebendo, provavelmente teria engasgado comicamente. No entanto, tudo que fiz foi ficar boquiaberto, surpreso com a mudança súbita de assunto e o nome dela trazido à tona tão casualmente. Lembrei-me que, quando sugerira para Lora tirar a semana de home-office, Tyra Elisa também estava no corredor e parecera ajuda-la com Broadbent da mesma forma. Penalizou-me ainda mais saber que ela estava totalmente ciente do lixo humano que era aquele com quem seu pai tentava marcar um encontro.
— Não. Por que eu teria? — perguntei, tentando manter-me casual e evitar o vazio de se expandir em meu peito. Tyra Elisa não pareceu nem muito confusa nem ofendida. Deu ombros.
— Ela parecia próxima de você, vocês ficaram trabalhando bastante juntos em seu novo livro, então achei que pudessem manter contato. Se bem que depois do que aconteceu na editora, talvez tenha sido insensível da minha parte perguntar. Desculpe — ela falou.
— Não tem problema. Mas acho que você acabou entendendo errado — fiz questão de acrescentar, sem querer passar a impressão que Lora e eu tivéssemos algum tipo de relação especial. Mesmo que tivesse a levado para meu refúgio. E que tivéssemos tido aquela noite no parque de diversões, onde eu me sentira leve e aproveitara sua companhia.
— É, acho que sim — Tyra Elisa suspirou. — Ela também não tem falado de você, então devia ter suspeitado.
As memórias coloridas da noite com Lora fugiram de minha mente quando ouvi as palavras da jovem escritora. Olhei-a, tentando refrear a curiosidade que eu temia estar estampada em meu semblante, e quase mordendo a língua para não perguntar nada rápido demais. Por sorte, seus olhos distraíam-se de novo onde seu pai conversava com Broadbent. Eu nunca considerara a possibilidade de elas estarem mantendo contato mesmo depois de Lora ter saído da empresa, simplesmente por isso não ter acontecido comigo. Mas, parando para refletir, realmente não havia nenhum empecilho entre as duas – como fora comigo e a situação de sua demissão – para que cortassem a comunicação entre si. Dando alguns segundos de espera, porém, dei-me permissão para perguntar apenas uma coisa, que eu sabia que me acalmaria e me faria superar o assunto por completo.
— Ela está bem?
Tyra Elisa voltou seus olhos para mim, sorrindo mais uma vez. Por um segundo fugaz pareceu-me, pela expressão que exibia, que desde que chegara ao meu lado para conversar, era ali que ela queria chegar por todo esse tempo. No entanto, poderia ser apenas impressão ou paranoia minha.
— Sim. Está um pouco entediada, porque voltou para o interior, na casa do pai. Então tem que ajudar na fazenda dele, cuidando dos gansos, que ela não gosta muito. Mas, sabe. Está bem — deu ombros, sorridente.
Perdi-me em pensamentos por alguns segundos, imaginando Lora em um chapéu de palha, jardineira jeans e blusa xadrez, os cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo enquanto carregava uma cesta com ovos de ganso ao lado da cintura. A imagem quase me fez rir, se não fosse algo estranho que me apertou por dentro. Apertei meus lábios, tomei um gole da bebida e olhei pelo salão, antes de responder.
— Bom saber. Espero que continue assim.
— Acho que ela se vira. É meio chato voltar para o interior depois que se passa um tempo na cidade, mas acho que vai fazer bem pra ela. Ah, meu pai está sinalizando. Acho que tenho que ir para lá, então. Obrigada pela conversa e pela companhia Sr. Woodham — Tyra Elisa sorriu mais uma vez e acenou, movendo-se pra longe de mim como se flutuasse. Apenas levantei um dedo, como se a brindasse, enquanto a assistia ir. Fui deixado a sós com meus pensamentos, agora mais uma vez inundados por Lora.
Supus que todas essas descobertas recentes sobre seu paradeiro fossem o suficiente para me acalmar e tirá-la de minha mente. Agora ela não estava mais desaparecida, e se Percy me perguntasse mais algo, eu teria minha resposta: ela está na casa de seu pai, no interior! E está bem! Fim da história!
No entanto, ao beber o último gole da bebida e me preparar para sair da festa, uma vez que nada mais parecia que ia acontecer e que eu já ficara tempo o suficiente, tive que admitir que mentira para mim mesmo ao pensar que o curto tempo que passara com ela não fora diferente de alguma forma. Não afirmaria que tinha sido "especial", isso seria forçar as coisas. No entanto, eu certamente não levaria uma pessoa qualquer para meu refúgio, então devia haver algo de diferente sobre ela. Algo que a fazia brotar em minha mente o tempo todo, que me fazia questionar seu bem-estar e sua localização.
Agora que eu descobrira tudo, poderia ficar em paz, sabendo que ela estava bem e em segurança. Não precisava mais pensar nela nem ir atrás de informações.
Oassunto Lora Preston poderia finalmente se encerrar.
- - - - - - - Continua - - - - - - -
Nota da autora: Amas será mesmo senhor Vincent? xD
Fazia um tempão que queria dar uma noção melhor para a situação da Tyra Elisa, então fiquei feliz de poder colocar isso nesse capítulo. Infelizmente ela não aparece tanto nessa parte da história, mas eu gostaria muito de desenvolvê-la mais em algum momento.
Quem aí estava com saudades do babacão? Hahaha
Espero que tenham gostado do capítulo! O próximo saberemos se o assunto está mesmo encerrado!
Obrigada por lerem e até a próxima!
Beijos,
Anne
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