CAPÍTULO 01

— Aqui! — ouvi sua voz me chamar enquanto meus olhos passeavam pelo restaurante lotado, meu coração se apertando ao encarar tantos rostos desconhecidos enquanto buscava aquele que queria. Não; aquele que me chamava. O rosto que eu queria ver eu sabia que não encontraria ali.

Percy continuava com seus braços levantados, acenando para mim apesar de eu tê-lo visto assim que localizei a direção de onde sua voz havia vindo. Ele os manteve no ar, sorrindo feito um palerma, até que eu houvesse alcançado a mesa que ele dividia com mais duas pessoas.

Ash Bryson, com seu chamativo cabelo loiro-claro, deveria ter sido meu ponto de referência, destacando-se com seu jeito despojado apesar de sua pouca altura, totalmente o contrário de Percy, seus braços compridos de quem tinha 1,87cm e seu terno formal. Ash sorria largamente, como sempre, estendendo por baixo da mesa suas coxas grossas de ex-jogador de futebol. Incomodado com toda a sua ocupação espalhafatosa estava René Moon, o cabelo tingido de vermelho escondido por um gorro que combinava, como sempre, perfeitamente com sua roupa do dia. Apesar de formarmos um quarteto pra lá de estranho, considerando que eu era o escritor introvertido e Percy era o apresentador de TV mais cabeça-de-vento do mundo, aquela era uma amizade que havia durado por bastante tempo, então me acomodei confortavelmente na única cadeira restante enquanto cumprimentava a todos com um sorriso.

— Eu não acredito que estamos finalmente tendo a ilustre presença do famosíssimo, chiquérrimo, elegantíssimo, inteligentíssimo e perfeitíssimo Vincent Woodham!! — Ash disse, quase gritando, pronunciando mais sílabas e superlativos do que eu imaginava ser possível. Ele, que se aposentara dos campos há alguns anos e agora trabalhava como repórter esportivo, vinha trabalhando muito bem sua potência vocal e dicção, como pude observar. Não entendi inicialmente o motivo para tanto escarcéu, mas subitamente me lembrei que, graças ao processo de finalizar o novo livro, eu havia dispensado todas as tentativas de um encontro em grupo dos últimos meses.

— Bom, de fato me faz falta não ver Vincent, mas vocês dois estão na TV o tempo todo, então estou num ponto que de certa forma não aguento mais a cara de vocês. Em especial a sua, Bryson — René reclamou, removendo um pedaço de fio de sua blusa listrada, sua paranoia por limpeza sempre se destacando. René era um grande estilista e sua ausência em nossos encontros dava-se por ele viajar por vários lugares do mundo, explorando tendências, tecidos, estampas e tudo que se tem direito nesse universo misterioso da moda.

Nem Ash nem Percy pareceram incomodados por sua alfinetada, Ash pegando sua caneca de cerveja ao mesmo tempo em que a minha chegava.

— Isso quer dizer que você assiste a todos os nossos programas, não é mesmo? — o loiro disse, cutucando Percy com o cotovelo e fazendo-o rir.

Eu sorri também, aproveitando o ambiente. Eu estivera enfurnado no trabalho por tanto tempo, enfrentando os altos e baixos de finalizar um livro, que mal tivera tempo de encontrar Percy, e ele era quem sempre estava ali por mim. Eram quase quinze anos de amizade, ficando sempre juntos e aprendendo a ter a presença constante do outro por perto. Mesmo que morássemos a duas ruas de distância um do outro e ele não viajasse tanto quanto os outros dois por conta de seu emprego, provavelmente mais de um mês e meio havia se passado desde que eu o vira pessoalmente. Ash eu havia encontrado casualmente há algumas semanas, sem nenhum plano, e pudemos bater um papo, mas me atualizar com René era a grande complicação. Por isso, enquanto nossa comida chegava aos poucos e as canecas com cervejas eram esvaziadas e enchidas novamente, foquei minha atenção nele e em suas novidades, com Percy e Ash ocasionalmente participando e opinando naquilo que ouviam, intermediando com seus próprios assuntos do mundo televisivo.

Era bom, para mim, toda aquela distração. Tirar minha cabeça da editora, do livro, dos contatos limitados que eu estava tendo por falta de tempo. Muito tinha acontecido nos últimos meses, mas eu não sentia nem um pouco de vontade de falar sobre mim. Nunca fora muito bom com isso, pra começar. Desabafar sobre o que estava acontecendo e o que me afligia era algo que eu apenas fazia em últimos casos.

E não é bem como se eu estivesse aflito. Aflito não era a palavra certa.

Talvez incomodado. Havia um incômodo, ali. No canto do meu coração, no canto do meu cérebro, se escondendo, se acomodando. O problema de incômodos é que eles se acomodam. Eles ficam ali e quando você se dá conta, você nem lembra que aquilo é um incômodo. Aquilo só está ali, fazendo parte de você. Só faz diferença quando ele para de incomodar.

Então eu não ia falar nada sobre mim nem sobre o que estava acontecendo. Eu ouvia com entusiasmo as coisas que meus amigos próximos compartilhavam, pescando uma coisa e ali e guardando nas gavetinhas da minha mente, rindo do rosto cada vez mais avermelhado de Percy e me sentindo um pouco bêbado eu mesmo. Era bom estar daquele jeito. Era bom ter amigos e estar perto deles. Eu estava quase me esquecendo dessa sensação, estando rodeado de pessoas apodrecidas e falsas como estivera recentemente.

De barriga cheia, já sentindo a letargia característica do fim de noite e começo de madrugada nos alcançando, as canecas de cerveja já não estavam vazias e provavelmente não precisaríamos de refil por um tempo. O burburinho da conversa já havia baixado e se tornara um agradável som ambiente. Eu revirava uma folhinha de manjericão entre meus dedos, imaginando que seu cheiro bom se impregnaria nas pontas deles. Percy piscava lentamente, focando o olhar no copo a sua frente, mas René e Ash mantinham a classe, sorrindo tranquilos enquanto falavam sobre algum assunto que eu perdera a meada enquanto pensava no manjericão.

Levantei-me, um pouco trôpego, anunciando que iria ao banheiro. Nenhum dos três manifestou nada e eu me afastei da mesa, caminhando sem preocupações. Eu não estava mal. Não estava bêbado de cair. Estava bastante alegre e leve, apenas. Entrei no banheiro, dei uma olhada no espelho, confirmando que realmente estava bem, e me posicionei na frente do mictório. Um ou dois segundos depois, Percy chegou ao meu lado, esfregando os olhos.

— Se você vinha pra cá também, por que não veio junto? — perguntei, rindo um pouco. Ele sim não parecia muito bem. Ele grunhiu, dando ombros. Lavei minhas mãos e esperei por ele.

— Vince — ele disse, enquanto esfregava o sabão lentamente, parecendo muito focado na tarefa. Respondi com um resmungo, apoiado na parede perto da saída, para indicar que eu o estava ouvindo. Demorou um longo tempo para que ele voltasse a falar, depois de secar suas mãos e se virar para sair, olhando em meus olhos. — Você está bem?

Achei estranha a pergunta. Eu estava bem. Acabara de me olhar no espelho, estava me sentindo perfeitamente bem. Eu tinha me divertido com meus amigos e falado de banalidades sem pensar no trabalho. Tudo bem. Tudo ótimo. Sorri e respondi-lhe isso, e Percy não falou mais nada, nem insistiu. Saímos juntos e voltamos para a mesa, onde nossos pratos vazios haviam sido retirados e sobraram apenas algumas canecas com cerveja e água. Tomei um gole de água, antes de voltar a segurar a alça da caneca.

— E quando seremos agraciados por seu mais novo lançamento, Vince? — Ash perguntou, o rosto apoiado nos nós dos dedos, olhando em minha direção enquanto seus cabelos loiros caíam um pouco sobre seus olhos.

— Acho engraçado você perguntar isso sendo que não teve a decência de ler nenhum dos meus outros livros — biquei, tomando um gole da cerveja enquanto ouvia a risada escandalosa do ex-jogador.

— Você não perdoa uma, hein? — ele comentou, parecendo um pouco embaraçado. Eu sorri, sem realmente estar bravo por ele não ler meus livros. — O fato de eu não os ler não quer dizer que não vou torcer por você e te apoiar comprando eles, você sabe disso.

— Eu sei. O próximo deve sair em torno de dois meses. Como acabei tendo que reescrever tudo do zero e houve complicações na editora, o processo de revisão e cuidados foi recomeçado também então houve umas burocracias que impediram o lançamento mais imediato.

— Eles não estão putos com você? — Percy perguntou, arqueando as sobrancelhas. Dei de ombros.

— Eles vão ganhar muito dinheiro, então acho que não estão tanto quanto poderiam estar. Tendo um livro com meu nome para publicar já os dá uma grande vantagem.

— Nossa... você realmente disse isso — René abanou a cabeça, como se não acreditasse. — Quão mais metido você pode ficar?

— Cale a boca — eu ri, empurrando-o de leve. — É algo que construí sozinho, então deixe eu me sustentar nisso um pouco, por favor.

— Certo, certo — René riu também.

— Como era mesmo o nome? Cairo? Esclerose do Cairo? — Percy balbuciava e eu rolei os olhos. Eu sempre escolhera nomes diferenciados para os meus livros, e Percy sempre tivera muito problema com eles.

Kairosclerosis — o corrigi, parcialmente. Aquele não era mais o nome, mas eles não precisavam saber disso agora.

— De onde é que você tira esses nomes... — Ash resmungou, finalizando sua caneca de cerveja e sinalizando pro garçom. Preferi não responder, mantendo aquele segredo para mim.

Pude sentir que estava sendo observado. Não por um ser misterioso ou algum perseguidor esquisito, mas por Percy. Enquanto eu mantinha meus olhos em Ash, ansioso por acrescentar que eu não gostaria de pedir mais nada ao garçom que agora se ocupava com ele, senti os olhos calorosos e amigáveis do meu melhor amigo fixos em mim. Não conseguia adivinhar o que ele queria com aquilo, mas me causava uma sensação estranha.

Assim que o garçom se afastou da mesa, Percy falou.

— E o que houve com aquela moça?

Ash e René mudaram suas posturas, subitamente interessados. Era muito raro eu falar de interesses românticos então eu imaginei que a atitude deles era referente a este tópico inexplorado, facilmente interpretado de forma errônea por conta do jeito de Percy de expor a situação. Ele mantinha seus olhos em mim, enquanto eu baixava os meus para minha caneca e finalizava seu conteúdo.

— Que moça? — René fez a pergunta que estava escrita nos olhos brilhantes dele e de Ash, e eu fiquei um pouco frustrado por Percy soltar aquilo sem pensar nas consequências. Ele nem sabia da história toda. Porque eu não havia contado.

— É uma moça do trabalho dele. Ele foi muito rude com ela num dia de chuva, mas depois descobriu que ela era funcionária da editora — Percy explicou para os dois, depois se voltou para meu eu calado. — A última coisa que eu soube foi que vocês foram juntos para sua casa na praia.

Eu queria que Percy se calasse. Queria que Percy parasse de falar coisas que faziam os olhos de René e Ash se arregalarem e suas bocas se arredondarem em um "O" de surpresa enquanto intercalavam sua atenção entre Percy e eu, como num jogo de pingue-pongue. Queria me lembrar de quando foi que passei a informação de que fora para a casa de praia com ela, mas minha mente estava um tanto turva.

O ruim de você se acostumar com o incômodo, é que não quer dizer que o incômodo desapareceu. Às vezes, alguma coisa vai o fazer pulsar de novo, onde estava quieto em seu canto, e você será relembrado que ele existe. Incômodos acomodados não deixam de ser o que são, por mais que você tente ignorá-los. Eles estavam ali e, amargamente, não te deixariam se esquecer deles.

Olhei para Percy, Ash e René, que aguardavam a resposta. Só havia uma resposta. Havia muitas coisas para dizer, mas só uma resposta.

— Eladesapareceu.

- - - - - - - Continua - - - - - - -

Nota da autora: E aqui vamos nós! A partir do ponto de vista do Vincent, vamos ver onde iremos chegar com essa história. Tivemos mais dos amigos dele, e principalmente de Percy, que amo demais. O que acharam deles?

Obrigada a quem está chegando aqui depois de passar por Quem Eu Quero Encontrar e vai acompanhar essa nova jornada, estou ansiosa para ver o que vocês vão achar!

Próximo capítulo vem dia 13/03, até lá!
Beijos,

Anne

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