CAPÍTULO 38: Banho de Sol
Eu tinha medo de dentistas e do escuro
Eu tinha medo de garotas bonitas e de começar conversas
|Riptide - Vance Joy
DANIEL
O dia de ontem foi tão diferente e passou tão rápido que foi até assustador.
Depois de dançar tragicamente umas quatro músicas com Glória - a velhinha que no começo sabia o meu nome e que depois parece que esqueceu e insistiu em me chamar de Charles - , eu e Sophia fomos chamados pelo dono do local e juntos, lavamos alguns pratos sujos de mingau.
Senti que ela ficou meio estranha depois - parecia um pouco triste. Não sei o motivo e também não tive coragem de perguntar.
Depois, ele nos ofereceu um quartinho aconchegante com duas camas de solteiro - onde eu e a Soph caímos duros e apagamos.
E de repente, era outro dia.
─ Vocês fizeram um bom trabalho, apareçam de novo qualquer dia desses. ─ o dono do Centro Santo Sol disse, quando eu e Sophia acordamos para irmos embora.
Antes de sairmos pela porta, escutamos uma senhora no balcão da entrada, gritando rancorosa:
─ Me casei. Tive filhos. Me divorciei. Me casei de novo. Tive mais filhos e advinha? mais divórcios!
─ Pra quê isso tudo? ─ Sophia sussurrou ao meu lado e eu dei de ombros. Pois é, existem idosos revoltados.
─ Sabe oque vem depois? ─ a senhora continuou gritando. ─ O meu maldito funeral!
Eu e Sophia nos apressamos em sair daquele local mas parece que a minha mente ficou lá. A frase que essa idosa tinha gritado ficou na minha cabeça. Tão rápido e ao mesmo tempo tão pesado e profundo.
A vida está acontecendo.
Entrei no carro, coloquei o sinto e Sophia deu partida para a continuação da nossa viagem. Tentei mandar uma mensagem de texto para a minha mãe ou para a Melissa mas estava sem sinal. Queria que elas soubessem que eu estou bem e que estou... apenas vivendo a vida.
Sophia continuava calada desde ontem e então, observando a paisagem na estrada, nem percebi quando caí no sono. Só acordei com a minha testa batendo no vidro depois de uma freada forte.
─ Ai, você acordou. ─ ela me olhou. ─ Desculpa pelo susto!
Eu bocejei e estiquei meus braços, me espreguiçando.
─ Por que a gente parou?
─ Nós estamos no condado de Warren, em St.Cloud e estamos bem no lago famoso da cidade. ─ apontou para a vista na minha janela e eu virei, encarando o grande e silencioso lago. ─ Que tal a gente fazer uma pausa? Deve ter alguma lanchonete também pra a gente matar a fome.
─ Com certeza, eu to faminto.
Descemos do carro e eu pude observar de perto o lago Lake George. Tinha algumas pessoas fazendo piqueniques, outras sentadas debaixo de cabanas de praia. Todas observando o lindo e sereno lago.
Só percebi que tinha ficado tanto tempo parado encarando a vista daquele lugar quando senti Sophia ao meu lado, me entregando uma garrafinha de água e segurando um saco de plástico com o nosso lanche.
─ Vamos sentar por ali.
Eu a acompanhei com dificuldade, porque pisar na areia com a minha prótese era difícil e incomodava. Ela pareceu não se importar e sentou-se na areia. Eu xinguei mentalmente e sentei do lado dela, quase escorregando.
─ Faz anos que eu não vejo um mar... um lago. ─ revelei.
─ Por quê?
─ É difícil por causa da areia... ─ apalpei a terra onde eu estava sentado. ─ Entra por dentro da prótese e machuca muito.
─ Então tira. ─ Sophia arqueou as sobrancelhas sugestiva.
Eu estava prestes a rir e dizer que ela achava que as coisas eram fáceis demais quando percebi que... realmente, era uma solução fácil.
─ A Paula sempre me diz para colocar a perna pra tomar sol mesmo... ─ falei, apertando o botão e tirando a prótese animado.
Tirei a prótese e senti meu rosto arder quando Sophia virou para encara-la. Era a primeira vez que alguém - além da minha irmã e e minha mãe, e a Paula - observava a perna.
Olhei ao redor e percebi que algumas pessoas no local também viraram e olharam a minha situação. Me senti no colegial de novo. Quando aqueles adolescentes ficavam me encarando e insultando. Como é que eles faziam aquilo? Não se trata pessoas daquele jeito, como se fosse lixo. E mesmo que eu já soubesse que era um merda, não precisava de lembretes.
Em um impulso, coloquei a minha mochila em cima, com a intenção de cobri-la.
─ Daniel... ─ Sophia colocou sua mão em cima da minha, sobre a mochila. ─ É melhor você saber que mesmo você escondendo, isso não vai embora.
─ As pessoas estão olhando. ─ sussurrei envergonhado.
─ E daí?
─ E daí que eu não gosto.
─ Olha, o mundo está cheio de pessoas que vão querer te olhar e dizer quem você é. ─ tirou a mochila de cima da minha perna. ─ E isso não importa. Sabe por quê? Porque é você quem decide. Entendeu?
Balancei a cabeça e ela me deu um beijo na bochecha. Abri um sorriso desanimado. Odiava quando ela me forçava a fazer coisas que eu não queria. Mesmo que as vezes fosse para meu bem.
─ Você pode fazer e ser oque quiser nessa vida...
─ Não acho que seja verdade. ─ soltei um riso desanimado.
─ E por quê não?
─ Porque praticamente tudo na minha vida está errado.
─ Então concerte. ─ Sophia disse e pareceu simples. ─ Olhe além e se quiser mudar algo, mude.
Ela não entendia... Oque eu quero realmente mudar, não muda. É irreversível e isso é uma merda.
─ Há tantas coisas que eu poderia estar fazendo... ─ pensei alto. ─ Coisas que eu realmente quero fazer, mas não estou fazendo.
─ Me fala uma.
─ Sei lá...
─ Ah, você disse que existe muitas coisas na qual você queria fazer... me fala uma delas. ─ Sophia pediu.
Pensei por um momento.
─ Dirigir.
No primeiro momento em que eu vi Sophia dirigindo - sem carteira - corretamente o carro que ela alugou, senti uma inveja tão grande que tive que morder meus lábios de raiva. Não dela. De mim. Raiva de mim, da minha perna que não existia mais, da prótese e do acidente.
─ Isso é tão fácil... ─ Sophia disse e de repente, ficou em pé. ─ Vamos, vamos lá.
─ Já vamos voltar? ─ perguntei. ─ Eu queria ficar mais um tempo e observar o...
─ Não, não vamos voltar para a estrada... ─ me interrompeu e eu franzi as sobrancelhas confuso. ─ Você vai dirigir.
─ O quê?
─ Isso aí. Vem. ─ andou até a direção onde o carro estava estacionado.
─ Não, eu não posso...
─ Você já percebeu que tudo oque você fala é 'não, eu não posso'?
─ Não... ─ revirei os olhos. ─ Mas é sério, eu realmente não posso... a minha prótese...
Tentei evitar de qualquer forma essa ideia maluca que a Sophia teve de me ensinar a dirigir. Ela nem tinha carteira!
─ Vamos, Daniel! ─ insistiu. ─ A vida está passando. Você tem que se arriscar de vez em quando.
E então, lembrei da senhora revoltada do centro de idosos hoje de manhã - e eu com certeza não queria acabar como ela. É, Sophia estava certa. Eu precisava me arriscar.
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