CAPÍTULO 20: Tarde produtiva

                                         DANIEL

     DEPOIS QUE EU CONCLUÍ que oque tinha acontecido na madrugada passada tinha sido real e não um sonho, decidi não contar a ninguém. Não sei direito o motivo.

Talvez porque até eu mesmo continuava confuso. Não é como se o meu transtorno tivesse acabado e ponto. Não acho que seja assim. Inclusive, acho que o motivo de eu ter conseguido sair, foi porque era à noite - de madrugada - e justamente não havia ninguém.

─ Oi! ─ escutei a voz alegre de Sophia, enquanto ela entrava animada no meu quarto sem pedir licença. ─ A sua mãe abriu a porta.

Eu estava sentado em uma cadeira de frente para a minha janela, de braços cruzados e pensando sobre a madrugada anterior quando ela me interrompeu.

─ Vamos estudar?! ─ exclamou animada.

Eu franzi as sobrancelhas e virei para encarar a garota, analisando-a. Inclinei a cabeça, em direção à minha escrivaninha. Ela se sentou e logo eu me levantei, indo até a mesma. Estávamos um de frente para o outro.

─ Bom, continuando com biologia, no outro dia eu saí mais cedo e não lembro... eu te falei sobre matéria escura? ─ perguntou, pegando seus cadernos. 

─ Não. ─ me encostei na cadeira, desinteressado.

─ Ok... ─ ela começou a paginar o livro. ─ Matéria escura é uma parte do universo que existe, mas não emite luz. Ela é tipo invisível...

Soltei um riso baixo. Eu sei bem como é ser invisível.

─ ... e mesmo assim, corresponde a mais de 90% do universo. ─ me olhou nos olhos e eu desviei. ─ É como a gente...

Sem aguentar, a interrompi. Eu não estava com paciência hoje.

─ Quer falar sobre outro assunto? ─ perguntei. ─ Eu realmente não estou afim de escutar essas coisas.

A história do mito da caverna, o post-it e o desenho na minha porta. Era tudo muito legal mas depois de ontem, eu estava me sentindo estranho. Depois que eu saí rápido de casa, estava meio que me sentindo uma farsa.

─ Tudo bem. ─ Sophia começou a fechar os livros. ─ Sobre o que você quer conversar?

─ Não sei. Tanto faz. ─ dei de ombros. ─ Fale sobre você.

─ Sobre mim? ─ ajeitou sua franja.

Dei de ombros novamente. Sophia sabia praticamente tudo sobre mim e eu não sabia nada sobre ela. Estava totalmente em desvantagem.

─ Eu não sei o que falar... ─ pensou. ─ Não tem muita coisa... eu me mudei faz pouco tempo com a minha mãe.

─ Isso eu sei. ─ recordei.

─ Eu passo a manhã estudando no Massey Star e a tarde quando não venho para cá, fico em casa.

─ Só isso? ─ fiz uma careta sem acreditar. ─ Nada mais?

─ É.

─ Você não sai com seus amigos?

─ Na verdade não tenho muitos. ─ falou com tranquilidade. ─ Estou sempre de mudança com a minha mãe então é bem difícil eu manter um vínculo duradouro.

Não respondi.

─ Está vendo, Daniel... ─ ela sorriu. ─ A minha vida é tão entediante quanto a sua.

─ A sua ainda consegue ser pior. ─ eu disse e ela começou a rir.

Era a risada mais estranha que eu já tinha escutado em toda a minha vida.

─ O que você quer ser? ─ perguntei, visivelmente curioso. Aos poucos, Sophia estava se tornando uma pessoa totalmente diferente na qual eu achava que era.

─ Tipo... quando eu me formar?

─ É.

─ Não sei ainda. ─ pensou. ─ Eu quero ser escritora mas também quero viajar o mundo inteiro.

─ Hum. ─ ela é bem sonhadora. ─ Você escreve?

─ Escrevi algumas histórias nas quais você nunca vai ouvir falar.

─ Então isso daqui é algum tipo de pesquisa? ─ apontei para a minha prótese, pra mim e logo, pra ela. ─ Para suas histórias?

─ O quê? Não! ─ respondeu rápida e eu prendi o riso. ─ Daniel, eu nunca usaria ninguém para uma pesquisa. Meu Deus, eu nunca faria isso! Nunca.

─ Entendi, calma. ─ levantei os braços e arqueei as sobrancelhas, surpreso por sua reação. ─ Só estava brincando.

─ É difícil saber quando você está brincando. ─ retrucou. ─ Só fica aí com essa cara de sério.

Eu iria retrucar quando a garota acabou batendo o cotovelo no estojo, derrubando algumas canetas. 

─ Ah, droga.

Na mesma hora, ela se abaixou e começou a pegar os materiais caídos. Quando levantou, apontou com curiosidade para uma caixa aberta que ficava em baixo da minha escrivaninha.

─ O que são essas cartas?

Olhei para baixo e encarei a caixa de papelão com as diversas cartas que eu recebia todo mês.

─ Não são nada. Coisas do meu pai.

─ Eu não sabia que você tinha pai. ─ me olhou.

─ Se eu nasci, é biologicamente comprovado de que eu tenho um pai.

─ Eu sei, mas... ─ eu a interrompi.

─ Ele vazou quando a minha mãe me teve. ─ como eu sabia que Sophia era muito curiosa, disparei logo a verdade, para ver se ela ficava calada. Pelo visto, não funcionou muito bem.

─ As cartas ainda estão todas no envelope. Você não as lê?

─ Não.

─ Por quê não?

─ Por que ele não é meu pai. Não o considero.

─ Mas... ─ suspirei e a interrompi. Esse assunto já estava ficando chato.

─ O que você sabe sobre isso? Cadê o seu pai? ─ perguntei impaciente.

Ela desviou o olhar e murmurou algo que eu não consegui ouvir. Mudou de assunto, pegando a sua mochila e guardando seus livros e cadernos. Olho o horário no meu relógio de pulso e dessa vez observo que ela está no horário certo. Nada adiantada.

─ Tenho uma coisa para você. ─ disse.

Observei ela mexer na sua mochila e logo depois, tirar de dentro dela um livro pequeno.

─ A gente não conversa muito e eu não sei se você gosta de ler, mas esse é um dos meus livros favoritos.

Esticou com a mão um livro de capa grossa e eu li seu título, "O Pequeno Príncipe" do autor Antoine Saint-Exupér.

─ Já ouvi falar. ─ comentei. ─ Clichê.

─ Eu prefiro o termo clássico. ─ retrucou.

Dei de ombros. Já tinha visto falarem desse livro e do filme milhões de vezes. Nunca tive curiosidade ou interesse para ler - ou assistir.

─ Toma, eu te trouxe ele. ─ me esticou. ─ Claro que você não é obrigado a ler. Mas eu ficaria feliz se você tentasse.

Desviei o olhar de Sophia para o livro, e então, do livro para a garota novamente.

─ Não prometo nada. ─ respondi, pegando o objeto de suas mãos.

Ela voltou até sua mochila, mexendo em alguma coisa no estojo. Enquanto ela guardou tudo, percebo que segura um post-it nas mãos. Vai em direção à minha porta onde os dois post-its coloridos do dia anterior ainda estão lá e cola o outro, da cor roxa, ao seu lado.

─ Tchau, Daniel. ─ acena, saindo pela porta.

─ Tchau.

Me aproximo da porta e cruzo os braços. O que ela está pensando em fazer? Tornar a minha porta num mural de post-it? Que coisa esquisita. Seguro o papelzinho roxo nas mãos e leio oque está escrito:

"O essencial é invisível aos olhos"

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