CAPÍTULO 14

— Eu não imaginei que ia ser tão difícil assim — ele disse ao se jogar no sofá da sala assim que entramos de volta na casa. Ele havia trazido as coisas para escrever e alguns dos papeis estavam jogados por toda a sala, a maioria deles amassada. — Eu não consigo gostar de nada que está saindo. Nada. Todos vão odiar se eu publicar algo assim.

— Não precisa colocar tanta cobrança em si mesmo também — tentei amenizar a situação, me sentando calmamente ao seu lado. Vincent preocupado e precisando de mim fez meu foco voltar ao trabalho e eu consegui deixar de lado as questões incômodas na minha mente.

— Você mesma apontou um monte de coisas que estavam horríveis — ele resmungou. Ele estava soando extremamente mal-educado, mas tentei relevar pelo fato de que aparentemente ele não tinha dormido nem um pouco desde ontem.

— Eu sugeri coisas que achava que seriam melhores de outra forma, mas não que estavam horríveis — o corrigi.

— Bem, eu arrumei todas elas e continua uma grande bosta — Vincent apontou para o notebook. Arqueei as sobrancelhas, controlando a vontade de soltar um suspiro. — Vou entregar isso na editora e eles vão me acusar de ter enrolado eles todo esse tempo.

— Você fez isso, de certa forma — ressaltei, mas percebi um pouco tarde demais que não era o momento para atacá-lo daquela forma. — Tenho certeza que não está tão ruim assim.

— Está sim. Está péssimo. Um lixo — ele reclamou. — Broadbent vai olhar na minha cara e vai ficar completamente convencido que eu usei um ghost writer dessa vez. Ele tem tentado achar um escândalo desses desde que publiquei meu primeiro livro com eles, porque ele não acreditava que eu tinha potencial para tanto.

Certo, agora ele já estava seguindo para o caminho dos devaneios. Encarei seu rosto exausto, seu cabelo desgrenhado e a barba por fazer. Eu não sabia nada dessa história de Ez, então não tinha como falar que tal coisa era de sua mente. No entanto, com aquela energia pessimista e o cansaço, Vincent não ouviria nada do que eu tinha a dizer, por isso a melhor coisa que achei para dizer foi:

— Por que você não toma um banho e descansa um pouco?

Ele me olhou como se eu tivesse pedido para ele arrancar as roupas e pular no mar gelado. E eu tenho certeza que eu não fiz isso.

— O quê? — perguntei, inocentemente, sem ver qual era o problema.

— Você acha que eu tenho tempo para descansar? Eu preciso resolver isso, Lora. Caso não tenha percebido, minha carreira toda está em risco aqui.

Finalmente bufei, encarando-o incrédula. Vincent pareceu perceber que cruzou algum limite imaginário. Nenhum dos dois estava descansado e em sua melhor forma, então era meio inevitável que um dos dois explodisse logo.

— Eu notei sim, Sr. Woodham. Mas caso você não se lembre, foi você que enrolou esse tempo todo ao invés de ser sincero com a editora falando que estava tendo dificuldades em escrever. Não sei se isso realmente funcionaria, mas fingir que está tudo bem e subornar as estagiárias para deixar tudo em cima da hora não é realmente a melhor opção. Você fez escolhas e agora você tem que lidar com elas. Estou dando meu melhor para te ajudar aqui, e nós estamos apenas no segundo dia. Se você vai começar a ser grosso comigo, eu simplesmente paro de te ajudar — falei, puxando o notebook para o meu colo enquanto ele me encarava em silêncio. — Não adianta nada você ficar aí sentado reclamando de tudo que está errado. Precisamos ver o que precisa ser arrumado e arrumar quantas vezes for necessário. Mas eu não vou ler tudo imediatamente e não vou conseguir te dar um feedback num piscar de olhos, então enquanto faço a leitura para te ajudar, você pode muito bem tomar um banho e se cuidar. Descansar vai ser melhor para sua cabeça funcionar do que esse estresse e raiva.

Vincent se encolhera um pouco ao ouvir todas as minhas palavras, olhando para a ponta de seus joelhos. Ele não parecia ter nenhum argumento para retrucar, pois apenas se levantou um pouco devagar e saiu da sala, voltando para seu quarto. Supus que ele finalmente ia descansar um pouco e aproveitei o momento de paz para reler seu documento.

Cerca de três horas e meia se passaram até um Vincent banhado e com uma roupa confortável aparecesse de volta na sala. Seu rosto ainda demonstrava cansaço, mas ele definitivamente estava muito melhor. Ele foi direto à cozinha encher uma caneca com café e depois retornou para o sofá, sentando-se ao meu lado. Pude perceber que ele não só fizera a barba como também passara um perfume maravilhoso que provavelmente me tiraria do sério em breve.

— Bem vindo de volta — o cumprimentei, sem desviar os olhos do arquivo enquanto tentava me concentrar de volta nele ao invés das fantasias que começaram a rolar em minha mente.

— Obrigado. Desculpe — ele disse, soltando um pigarro antes de tomar um gole de café.

— Sem problemas. Conseguiu descansar um pouco?

— Sim. Mas agora vamos falar do livro, por favor. Eu preciso resolver isso, Lora — ele colocou a caneca na mesinha de centro e virou-se para mim. Rolei os olhos, admirada com sua impaciência e me perguntando se ele realmente teria conseguido pregar o olho com toda aquela ansiedade.

— Certo. Quão direta eu posso ser? — perguntei, deixando o notebook de lado e mudando minha posição para ficar mais confortável. Vincent arqueou uma das sobrancelhas, parecendo hesitante.

— O quanto for preciso — foi sua resposta, apesar de ele realmente não parecer pronto para isso. Nem eu mesma sabia se conseguiria falar as coisas que precisava falar, então tentei adoçar o melhor que pude.

— Está bem. Eu acho... eu acho que isso não parece que foi escrito por você.

Esperei um pouco mas como ele não teve nenhum surto mencionando Ez e ghost writers supus que podia continuar por ali.

— Como alguém que leu todos os seus livros e realmente gosta muito deles... eu não consigo te encontrar aqui. Eu não consigo olhar essas palavras e falar "Isso tem cara de Vincent Woodham", como sempre pude com seus outros livros. É por isso que acho que não está bom. Como leitora sua, eu não ia gostar desse livro.

— Mas ontem o problema era que apesar de parecer meu, não dava para sentir o amor da história. E agora você consegue sentir o amor, só que não parece que é meu — ele ri, parecendo meio irônico. Ergui meus ombros, porque era mais ou menos aquilo.

— Ontem faltava intensidade nos sentimentos e ações das personagens. Não era uma história ruim, como eu disse, era só que não se parecia com o que eu esperaria de uma história de amor, escrita por você ou não. A de hoje é outra coisa. Parece que você está tão focado que histórias de amor não são dentro do seu padrão, que nem mesmo está seguindo seu padrão — tentei explicar do modo mais calmo possível.

— Eu nunca escrevi histórias de amor então é óbvio que a primeira não ia sair com minha cara — ele disse, acidamente. Eu estava ficando de saco cheio de sua atitude negativa. Eu também estava cansada, querendo que aquilo desse certo.

— Pois cada vez que você fala isso você parece ainda mais idiota — soltei, finalmente. — Você me parece um escritor ridículo falando o tempo todo que não consegue isso, não consegue aquilo. Nunca achei que você ia ser tão fracote para desafios, achei que conseguiria se superar mais uma vez ao invés de ficar enrolando e choramingando que não consegue fazer. Eu achava que Vincent Woodham daria um jeito de ter uma história de amor com sua marca, como os leitores esperariam, que daria um jeito com o prazo, que não deixaria tudo em cima da hora e entraria em desespero. Mas parece que tudo que temos aqui é uma vergonha.

Levantei-me e preparei-me para sua explosão ou outro comentário ácido, mas ele ficou em silêncio. Ele estava surpreendentemente passivo hoje, ou eu que talvez estivesse explodindo cedo demais. Aproveitando a deixa de seu silêncio, saí pisando forte da sala e fui até meu quarto. Ele conseguira esgotar minha pouca paciência que restara. Toda hora me mandando fazer isso e aquilo, reclamando de tudo. Nada nunca estava bom. Não estávamos ali para consertar o que estava ruim? Essas coisas tomavam tempo, não iam ter um resultado imediato. Achei que ele como escritor saberia disso, mas parece que eu estava enganada. Além de todo o resto da minha vida profissional e social estar caindo aos pedaços, ainda tinha que ficar aguentando um escritor resmungão e cheio de si que nem ao menos conseguia fazer seu próprio trabalho.

Coloquei uma roupa confortável de sair e um casaco, visto que parecia ventar mais forte do lado de fora. Voltei para a sala sem olhar para Vincent e dizer mais nada, batendo a porta atrás de mim e enfiando as mãos nos bolsos do casaco. Eu sabia que podia estar reagindo um pouco demais, e sabia que isso provavelmente era devido ao cansaço e às mil coisas em minha mente, por isso sair e andar um pouco talvez fosse a melhor opção para refrescar a cabeça e voltar mais calma para lidar com Vincent e seus problemas. Eu tinha que deixar de pensar como leitora nesse momento e voltar a ser a estagiária da DDrafts, dando uma análise profissional e lembrando que estava ali a seu serviço.

Eu mal caminhara por cinco minutos em direção ao farol, seguindo a estrada, quando o carro de Vincent parou ao meu lado, com o vidro do carona baixado. Ele havia colocado um casaco mais grosso e me olhava de cenho franzido, parecendo desgostoso.

— Lora, espera — ele pediu, mas eu o ignorei, continuando a andar. O carro seguiu lentamente ao meu lado, com o vidro aberto sempre entre nós. — Você pode me ouvir, por favor? Me desculpe. Entre no carro, por favor.

— Eu não estou com paciência para isso agora, Woodham — retruquei, ainda mantendo o olhar à frente.

— É um plano para que eu consiga escrever. Vamos, eu já me desculpei — bufei ao ouvir aquilo, como se duas palavras fossem resolver toda a situação.

— Já disse que não quero.

— Lembra-se que faz parte do seu trabalho me ajudar? — ele disse e eu parei de andar. O carro seguiu um pouco para frente antes de parar também, e Vincent abriu a porta e ficou de pé, me olhando por trás do veículo.

Encarei-o, incrédula de ter ouvido aquelas palavras saírem de seus lábios.

— Então você também vai abusar de mim porque sou sua funcionária? — arqueei as sobrancelhas e ele pareceu confuso, sem perceber o que significava para mim ele ter dito aquilo.

Contraminha vontade, escancarei a porta com o vidro aberto e me joguei no banco,cruzando os braços e olhando para fora da janela. Vincent entrou de volta nocarro também, sem dizer mais nada. Não sei se ele chegou a se tocar de porquêeu acabara ficando tão brava com ele, mas se isso aconteceu, ele não sedesculpou mais nenhuma vez. Apenas dirigiu em silêncio por toda a estrada queladeava a praia, seguindo em direção ao farol e às formas que eu haviapercebido mais cedo. Agora que estava mais escuro, luzes se acenderam e percebique era um parque de diversões montado numa praça, e era para lá que nosdirigíamos. 

- - - - - - - Continua... - - - - - - -

Nota da autora: Um dia de atraso, mas aqui temos a atualização! Gostaram desse capítulo? Ele e o próximo vão ser um pouco mais parados, uma vez que tem bastante explicação e uma preparação do que está por vir. Estou muito ansiosa para o fim da história, que está quase chegando, pois quero ver a reação de vocês! Espero que estejam gostando!

O que acham que vai acontecer daqui pra frente? Deixem sua ideia nos comentários, e se gostou do capítulo, não deixe de marcar o voto, significa muito pra mim!

Obrigada por lerem e até a próxima!

Beijos,

Anne   

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