CAPÍTULO 11.

— Você não vai mesmo me contar para onde estamos indo? — perguntei talvez pela quinquagésima vez. Dessa vez não reprimi meu desejo de observar o perfil de Vincent como fizera das últimas vezes, as hastes de seus óculos escuros cobrindo parte de seus olhos, do meu ponto de vista. Não sei por que ele parecia tão sexy quando estava apenas dirigindo, mas o pouco vento que entrava pela fresta da janela aberta bagunçara um pouco seus cabelos e ele parecia mais bonito do que deveria ser permitido.

Porém, havia seu lado irritante. Seu silêncio. O rádio do carro tocava algum jazz interessante, mas quase nenhuma palavra saíra dos lábios de Vincent desde "Isso é tudo?" quando, confusa, entreguei minha mala com trocas de roupa para que ele colocasse no porta-malas do carro. Nós estávamos viajando há horas e eu sentia falta de um pouco diálogo. Ou de, no mínimo, explicações decentes. Caso contrário, aquilo poderia ser considerado sequestro, não?

Apesar de eu ter concedido àquilo. Eu e o meu maravilhoso chefe, Sr. Broadbent, que me deu uma semana de home office como Woodham pedira. À noite, quando cheguei em casa, recebi uma mensagem do escritor, me avisando para montar uma mala e providenciar que alguém cuidasse de minha gata (Haunani era bem tranquila, mas ainda assim eu esperava que a viúva do apartamento ao lado não tivesse muito trabalho). Eu o obedeci, sem muito questionamento, e estava sonolenta demais quando ele passou para me pegar no começo da manhã para tentar alguma conversa. Ele não se importou que eu cochilasse, apesar de isso me tornar uma copiloto horrível. Só que desde que acordei, nenhuma palavra foi dirigida a mim e ele continuava concentrado na estrada, dirigindo tranquilamente.

Bufei, ao continuar sem resposta, e voltei a observar a paisagem. Como eu dormira no começo da viagem, não vi que estrada pegamos para sair da cidade, mas definitivamente estávamos no interior neste momento. Árvores rodeavam a estrada, assim como um mato um pouco seco. O dia estava nublado e parecia ótimo para viajar. Pelo movimento das folhas, percebi que ventava muito lá fora.

Estiquei-me no banco para trás e alcancei uma sacola de loja de conveniência que Vincent trouxera, com algumas bolachas, amendoins e duas ou três águas. Peguei uma das garrafas para mim e outra para ele. Abri a tampa e ofereci a ele, que me lançou um olhar de lado antes de recebê-la.

— Obrigado.

— Você fala! — fingi um tom maravilhado de surpresa, recebendo como resposta um olhar de soslaio de Vincent. Sorri um pouco, vendo-o voltar seu foco à estrada enquanto tomava uns goles da água. Tentei desviar os olhos de seu pomo-de-adão, mas não foi fácil. Quando voltei meus olhos para a frente, percebi uma mudança um tanto inesperada na paisagem.

— O mar! — comentei, surpresa e admirada.

Ele aparecia só um pouquinho, mas agora sabia qual rota tínhamos tomado. Vincent pegou uma saída na estrada e logo ele apareceu quase por completo, cinzento e com muita espuma devido à sua revolta. Entramos em outra estrada, essa ladeando a faixa de areia que nos separava de toda aquela água, e eu finalmente tive uma desculpa para olhar para o lado de Vincent o tempo todo. Era uma região mais desabitada do litoral, com poucas e escassas casas, bastante simples e com diversos barcos e redes à mostra. Depois de alguns minutos, desviamos da estrada que seguíamos e entramos em um bosque, antes passando por uma placa que indicava que estávamos no caminho do centro da cidade. Fiquei um pouco triste que não ficaríamos naquele lugar tranquilo, mas antes que eu pudesse permanecer com esse sentimento, o carro entrou à esquerda em uma rua discreta no bosque e logo chegamos a uma casa com uma faixa de areia praticamente particular. Vincent estacionou ao lado dela e eu observei, encantada, o refúgio do escritor.

Era uma casa pequena de madeira, branca mas já um tanto acinzentada, um pouco corroída pela maresia. Ela era suspensa por toras grossas e diversos outros apoios, por conta da maré alta. Uma escadinha na lateral nos levava a uma porta telada que protegia a verdadeira porta. Eu podia ver do ângulo que estávamos que havia uma varanda, provavelmente com uma outra escada que levava diretamente ao mar.

Vincent abriu a porta e saiu, indo para o porta-malas. Eu ainda estava um pouco embasbacada, mas o segui e peguei minha mala.

— Vamos ficar aqui uma semana inteira?

— Sim. O mar ajuda a me concentrar — ele explicou, puxando sua bolsa e a mala onde trouxera o notebook. — Normalmente venho aqui quando estou com bloqueio.

Agora, além de compartilharmos um segredo, eu estava descobrindo seu refúgio e mais coisas sobre ele. Eu realmente começava a me sentir um pouco como sempre, fantasiando coisas e mais coisas sobre nós.

Entramos na casa, que estava um pouco empoeirada. Os móveis eram todos simples e os poucos eletrônicos estavam cobertos com um plástico. Pude ver um banheiro próximo à sala, em um pequeno corredor que dava para dois quartos. A sala onde estávamos de pé era separada de uma cozinha por um pequeno balcão. Nada muito chique, nem exuberante. Era tudo bastante simples, e eu adorei.

Mas ainda queria minhas respostas.

— Então, você pode me explicar agora exatamente como eu acabei trancafiada com você por uma semana inteira? — larguei minha bolsa no chão e olhei para ele, cruzando os braços. Vincent pareceu um pouco desconfortável.

— Você deveria ser mais simpática com as pessoas que estão te ajudando, Lora. Além do mais, foi você quem ficou fazendo caras e bocas me pedindo por socorro.

— Certo, agradeço muito aquela ajuda, mas eu ainda não entendi porque tudo isso resultou em eu passar uma semana com você numa cabana à beira-mar no fim do mundo — ignorei seu comentário sobre caras e bocas, até porque eu fora bastante discreta e mesmo assim fora opção dele me ajudar depois de ver meu pedido de socorro.

— Você me odeia tanto assim? — ele arqueou as sobrancelhas e eu me surpreendi com sua pergunta, sem saber exatamente como responder. Está certo que eu dava muitas patadas nele, mas achei que não tinha passado a impressão de que o odiava. Até porque não o odiava. Meus sentimentos por ele atualmente estavam muito confusos. Eu definitivamente passava cerca de umas dez horas do meu dia querendo dar um belo de um soco naquele rosto maravilhoso dele, por conta de sua atitude e do jeito que me tratava, embora essa vontade fosse frequentemente intercalada pelo desejo sombrio de arrancar as roupas dele e passar as dez horas fazendo outras coisas.

Visto que eu não respondia, Vincent soltou um suspiro e deu as costas pra mim.

— Você não precisa se preocupar com nada aqui. Só faça seu trabalho de sempre e não me atrapalhe enquanto escrevo. Você pode sair pra pescar ou algo do tipo se for do seu interesse.

— Eu odeio pescar — fiz careta, e mesmo de costas eu sabia que ele tinha revirado os olhos. Observei a cozinha, a geladeira e o fogão cobertos por plásticos para evitar a maresia. — Como faremos com as refeições?

— Eu cozinho. Você não tem que se preocupar.

— Você cozinha? — dessa vez eu estava verdadeiramente surpresa, sem um pingo de ironia. Aquele homem não podia ser real. Talvez eu precisasse soca-lo no rosto para confirmar. — Tem alguma coisa que você não saiba fazer? — bufei, falando em uma voz mais baixa. Achei que ele não tinha me ouvido, pois permaneceu um tempo em silêncio, e em seguida eu ouvi, quase um sussurro:

— Não consigo jogar esportes com bola.

— O quê? Tipo futebol? — arqueei as sobrancelhas enquanto abria um sorriso divertido.

— Tipo qualquer coisa que envolva uma bola — ele falou, virando um pouco seu rosto em minha direção e eu pude observar que suas bochechas estavam avermelhadas. Uau. Vincent Woodham com vergonha na cara. Vivi por esse momento.

— Certo. Acho que todo mundo tem seus defeitos, apesar de que eu achei que o seu era ser nojento — foi o que sem querer escapou da minha boca.

— Muito obrigado pela sua sutileza, Preston — ele disse, seco, mas pude perceber que soou um pouco divertido. De alguma forma, gostei do clima que se instalara ali entre nós.

— Por nada. Tem mais alguma habilidade secreta que eu deva ser avisada de antemão?

Ele pareceu refletir por um tempo.

— Eu sou muito bom em aguentar quando as pessoas fazem cócegas em mim.

Bufei, soltando uma risada. Agora eu tinha uma desculpa para a minha vontade de passar a mão naquele corpo, mas antes que eu pudesse falar algo, Vincent continuou:

— Você pode tentar o quanto quiser, não vai conseguir arrancar uma risada de mim sequer — ele pareceu um pouco orgulhoso daquilo, voltando a me irritar com seu jeito, então não pude evitar retrucar:

— Eu achei que isso era mais por causa da obscuridade no seu coração. E não é como se eu estivesse planejando tentar — embora eu, de fato, estivesse sim. Só que isso teria que ficar para depois.

— Vem, vou te mostrar seu quarto — ele disse com um sorriso de canto. Era uma das primeiras vezes que eu via Vincent sorrir naturalmente para mim e, enquanto eu pegava minha bolsa do chão, senti meu peito aquecer.

Fizemos um pequeno tour pela casa, já que a mesma não era tão grande e não havia muito mais do que eu tinha suposto inicialmente. Na varanda, depois que deixamos nossas malas em nossos quartos, a brisa com cheiro salgado balançava meu cabelo e Vincent, ao meu lado, estava apoiado no balaústre de madeira que cercava o piso. Algumas madeiras estavam bastante gastas, mas ainda pareciam resistentes. Imaginei por quanto tempo Vincent tinha aquela casa, e o quanto a visitava. Parecia bastante solitário.

Dali, podíamos ver uma grande parte do mar, do lado direito havia muitas pedras que bloqueavam o acesso ao resto da praia, do mesmo lado que este devia ser mais movimentado por causa do centro da cidade. Para o lado esquerdo, porém, podíamos ver a faixa de areia se estender em uma baía um pouco longa, que terminava em um pequeno farol. Mesmo com o tempo um pouco fechado e o vento açoitando nossas faces, era um ambiente muito gostoso.

— É bom, não é? — Vincent finalmente falou de novo e olhei-o. Percebi que estava virado pra mim, e me perguntei se estivera me observando enquanto eu passava meus olhos por toda a paisagem. Mais uma vez meu rosto se afogueou e sorri, concordando.

— Mas por que viemos para cá? — perguntei. — Sei que você precisa escrever. Estava claro que foi um blefe na sala de Ez. Não precisava ter ido tão longe pra me ajudar, mas já que estamos aqui, precisa me contar tudo direito.

Vincent suspirou, passando a mão pelos cabelos já bagunçados pelo vento.

— É uma medida desesperada. Não tem mais jeito. Você vai ser minha escapatória, para me ajudar a escrever. Eu vou escrever, você vai ler, eu vou escrever, você vai ler. Não posso desapontar meus leitores — ele explicou, parecendo realmente melancólico e cansado. Fiquei feliz que ele pensasse em nós daquela forma. — Vou escrever tudo nessa semana, então preciso que também me ajude com ideias.

Realmente parecia desesperador. Eu não sabia como aquilo funcionaria para ele, que colocaria seu esforço, disposição e tempo para que os fãs não ficassem decepcionados. Se eu não o conhecesse como o conheço agora e soubesse da notícia que seu livro fora cancelado ou tivera o lançamento adiado, com certeza ficaria chateada. No entanto, se fosse explicado todo esse processo doloroso que Vincent estava passando, acho que eu seria capaz de entender. Mas sabia que nem todos seriam assim. Então, neste momento, o que eu podia fazer como estagiária da DDrafts era ajudar ao máximo esse escritor a alcançar o que desejava.

— Pode contar comigo, Vincent — falei, sorrindo mais uma vez para ele. — É só me dizer o que preciso fazer.

Ele me olhou por alguns longos segundos, como se me analisasse. Depois, sorriu fraco, em um agradecimento silencioso.

— Por enquanto, você pode ler o que já tenho escrito para me dar um feedback mais concreto e sugerir acréscimos ou alterações. Se não se importar, durante esse tempo vou passear um pouco na praia para esvaziar a mente.

— Tudo bem. Como preferir — sei que sentiria um pouco de falta da presença dele, mas era em prol dele que eu estava ali então faria o que fosse pedido. E quanto mais coisa eu tivesse para fazer por Vincent, mais poderia ignorar Ez e seus e-mails chatos. Já havia recebido dois desde que saíra de casa, e sabia que logo outro chegaria.

Vincent me entregou o manuscrito dele, que trouxera impresso. Não era tão longo quanto se esperaria. Ele saiu pela varanda e eu me acomodei no sofá da sala, sentindo a empolgação de começar um livro novo de meu autor favorito se apoderar de mim. Kairosclerosis me encarava enquanto eu observava as folhas brancas preenchidas por caracteres e algumas anotações à mão, sentindo-me grata por ter conseguido chegar até ali e presenciar aquilo.

Por Vincent, e por meu sonho, mergulhei nas páginas que segurava.

- - - - - - - Continua... - - - - - - -

Nota da autora: Última atualização do ano, e um pouquinho atrasada!

Este é um dos meus capítulos favoritos, era uma cena que eu tinha escrita antes mesmo de todo o resto da história! Espero que tenham gostado e que se preparem pro que está por vir! A interação dos dois finalmente está deslanchando e teremos mais seis capítulos para ver aonde vai chegar!

Sendo a última atualização de 2018, gostaria de fazer uma nota um pouquinho maior e agradecer a todos que deram uma chance para essa história. Fiquei um pouco desfocada da escrita esse ano, e desde que acabei Uma Noite em Vegas não sentia muita segurança em postar algo de novo, então fico realmente muito feliz e grata por todas as leituras e a resposta que essa história está tendo. Obrigada de verdade por estar aqui acompanhando Lora e Vincent, e espero que estejam gostando. 2019 trará muito mais coisas novas! Sei que as atualizações são bem esparsas, mas tem um propósito para isso e logo vou revelar por quê. De qualquer forma, se chegou até aqui, saiba que sou muito grata!

Tenham um ótimo Natal e que 2019 seja um ano maravilhoso para todos! Até a próxima!

Beijos,

Anne

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