CAPÍTULO 10

A segunda-feira depois do fim de semana encontrou-me totalmente renovada depois de dois dias sem nenhum contato de Ez. A conversa com Vincent ficara no replay todo aquele tempo em minha cabeça. Seus sorrisos, seus óculos e seu cabelo desarrumado, sua voz calma dizendo "Eu fiquei preocupado"...

Sorrindo que nem uma idiota, balancei a cabeça para afastar aquelas lembranças, caso contrário não conseguiria me focar no computador à minha frente, onde o arquivo de Memorabilia estava aberto. O andamento da produção do livro estava num ritmo muito bom, e em breve a data de publicação seria anunciada (obviamente, calculada de acordo com o lançamento de Kairosclerosis, que era o foco da editora no momento). Os designers já tinham concluído a capa — aprovada por Tyra Elisa e dentro dos padrões sugeridos por ela — e tinham feito vários exemplos de diagramação com os primeiros capítulos já revisados. Eu estava trabalhando no resto dos mesmos, batendo as emendas que tinham sido feitas por outro funcionário alguns dias antes. A autora ainda não tinha decidido qual estilo de página preferia, e estava vindo em breve para minha sala resolvermos isso.

Suspirei, lendo uma cena de romance entre os dois personagens no capítulo oito da história. Lembrei-me automaticamente de Vincent e seu comentário sobre amores desastrosos. Eu havia jogado seu nome no Google para tentar saber se havia algo sobre relacionamentos antigos dele, mas não havia nada. Pelo visto, a vida social de escritores não era tão interessante quanto a de ídolos pop, cujos relacionamentos eram até mesmo chamados de "escândalos". De qualquer forma, foi o suficiente para que minha cabeça planejasse diversos scripts e versões mirabolantes em que eu ensinava a Vincent o que era amor e nós acabávamos juntos e felizes para sempre. Afinal, agora tínhamos até mesmo um segredo em comum.

— Lora! — Tyra Elisa entrou sorridente e sem bater, e eu saí de meus devaneios com um pulo.

— Oi! — tenho certeza que minha voz saiu uma oitava mais alta. A garota não pareceu perceber, sentando-se na cadeira à minha frente em um movimento bufante, graças a seu vestido solto e de tecido leve. Ela parecia extremamente feliz e eu deixei tanto meu trabalho quanto minha caneca de chá de lado para dar atenção a ela.

— Você está bem? Passou bem o fim de semana?

— Sim, consegui descansar bastante. E você? — eu gostava do clima amigável que se instalava entre nós desde que fomos tomar café juntas. Tyra Elisa era sempre muito gentil e educada, tínhamos até trocado contato e conversado um pouco por mensagens, normalmente sobre Vincent. Na verdade, esse parecia ser o assunto de hoje também.

— Eu estou ótima! Acabei de passar por Vincent na recepção! — ela soltou risinhos e abanou o rosto, que tinha se tornado bastante vermelho. Tentei controlar os batimentos apressados de meu coração ao pensar em Vincent mais uma vez e sorri. — Enfim, eu vim por causa da sua mensagem! O que precisamos ver?

— Ah, sim! São as opções de diagramação para o miolo do livro. Tenho certeza que estão aqui em algum lugar... — comecei a fuçar a papelada da minha mesa, que confesso não estar um exemplo de organização, mas Tyra Elisa foi paciente. No entanto, os papeis não estavam nenhum lugar à vista. — Desculpe... Acho que os deixei na sala de Ez.

Só de pensar em ir para a sala de Ez sem ser convocada me dava calafrios. Eu mal havia olhado em seu rosto hoje, cumprimentando-o ao chegar e me enfiando na minha sala com a desculpa de que havia muito a ser feito. Inesperadamente, depois de todo o assédio que sofri na semana anterior e no dia de meu home office, ele parecia bem tranquilo essa semana, me deixando em paz durante todo o fim de semana e não me chamando nem mandando mensagens até agora. No entanto, isso balançava com minhas certezas, e o coro de "Lora Louca" voltava no cantinho de minha mente, fazendo-me questionar se eu não tinha reagido exageradamente.

— Lora? — a voz de Tyra Elisa era baixa, mas mais uma vez me tirou de meus pensamentos. Engoli em seco, sabendo que tinha divagado mais uma vez e que provavelmente não tinha escondido minhas preocupações direito.

— Desculpe — ri, nervosa. — Vou lá buscar, você pode esperar só um minutinho?

— Quer que eu vá? Você não parece muito confortável... — ela sussurrava e eu arregalei meus olhos de leve. Ela era surpreendentemente muito perspicaz.

— Não se preocupe — sorri um pouco, tentando parecer calma. — É meu trabalho, não tem muito que eu possa fazer.

Ela ficou em silêncio, mas me observava atentamente enquanto eu me levantava.

— Pode se servir de chá, acabei de fazer. Tem bolachinhas também! — falei, apontando para o canto da sala. Acenei, repetindo que já voltava, e fui para o corredor.

Mal dei três passos quando Ez surgiu em minha frente, como se tivesse esperando o momento para dar o bote. Seu cabelo estava um pouco bagunçado hoje, algumas mechas saindo de seu perfeito penteado para trás e caindo sobre sua testa. Ele era tão alto e parecia tão intimidador que para mim era como se o corredor tivesse sido completamente bloqueado.

— Onde está indo, Lora? Está se sentindo bem? — perguntou, estendendo a mão e tocando em meu ombro. Aquela sensação horrível na boca de meu estômago retornou, e eu forcei um sorriso.

— Estou apenas indo buscar em sua sala uma papelada referente à Memorabilia. Foi um engano meu. Tyra Elisa está esperando, então vou me apressar — justifiquei, tentando soltar sua mão de meu ombro e passar por ele. Em vão.

Ez bloqueou meu caminho mais uma vez, estampando um sorriso supostamente doce em seus lábios. Eu podia sentir meu ombro queimando e minha respiração começando a falhar. De alguma forma, ele não bloqueava totalmente minha visão e por trás de seus ombros consegui ver Vincent surgindo no fim do corredor, com expressão cansada e conferindo alguns papeis em sua mão.

— Só um minuto, Lora. Estava me perguntando por que não consegui falar com você na sexta-feira. Por que foi Woodham quem me ligou a respeito da reunião de vocês dois, e não você? — ele arqueou uma sobrancelha e eu tentei manter meu olhar firme, mas estava totalmente desconcertada. Vincent ainda não parecia ter nos notado, e eu não tinha muita escapatória.

— Ah, sobre isso... eu estava no banheiro... quando você ligou... — respondi, sabendo que era uma desculpa horrorosa. Antes que Ez, com um ligeiro sorriso vitorioso, pudesse retrucar, a voz de Tyra Elisa me salvou.

— Lora? Já conseguiu pegar a papelada? Estou tão ansiosa para ver as opções! Ah, boa tarde, Sr. Broadbent — ela falou, animadamente. Nós dois olhamos para ela, mas antes que eu a focalizasse percebi Vincent levantando sua cabeça e finalmente olhando para a situação. O que era um alívio, porque ele iria colidir com as costas de Ez em alguns passos se não prestasse atenção por onde andava.

— Estou a caminho, o Sr. Broadbent só queria tirar uma dúvida sobre uma coisa.

— É, você pode esperar um pouco, Srta. Riese? — ele sorriu largamente, mantendo seu foco nela. Nesse milésimo de segundo em que sua atenção não estava em mim, olhei para Vincent, esperando que meus olhos e minhas sobrancelhas retratassem meu desespero, enquanto eu os movia de Ez para ele, em um pedido silencioso de socorro.

Depois de franzir a sobrancelha e rolar os olhos (o que pra mim, demorou muito), Vincent disse:

— Sr. Broadbent, boa tarde. Srta. Preston. Tyra Elisa — ele cumprimentou a todos e eu quis me odiar por estar no meio daquela situação desesperadora e ainda assim sentir uma pontada de ciúme por ele se referir apenas à Tyra Elisa pelo primeiro nome. — Sr. Broadbent, se tiver um momento, gostaria de conversar com você e com a Srta. Preston a respeito de Kairosclerosis.

— A Srta. Preston está ocupada no momento com a Srta. Riese, Sr. Woodham — Ez foi suave, finalmente dando as costas para mim. Virei para Tyra Elisa e movi meus lábios para dizer "Obrigada" e ela piscou para mim. Não sei se deixei meu medo de Ez muito evidente ou se ela era simplesmente excelente em entender o que estava acontecendo, mas eu estava verdadeiramente grata por sua intromissão.

— Não tem problema, Sr. Broadbent. Se quiser, aquele rapaz que lidou comigo semana passada pode resolver as coisas e Lora, quer dizer, a Srta. Preston, pode ajudar o Sr. Woodham — ela foi solícita e sorriu. Aquilo foi inesperado para mim, mas aguardei o que Ez declararia. Eu sabia que Vincent retinha maior prioridade na empresa, então não fiquei tão surpresa que Ez concordasse, convocando Alex, um dos diagramadores, para lidar com Tyra Elisa, e fazendo sinal para que eu o seguisse para sua sala, juntamente com Vincent.

— Depois conversamos apropriadamente, Srta. Riese. E se precisar de algo, me envie um e-mail — falei para ela, antes de dar as costas e seguir os dois, tentando imaginar o que diabos Vincent tinha em sua cabeça para conversar comigo e Ez ao mesmo tempo. Queria ter o tempo de reflexo que ele tinha para certas coisas, quem sabe minhas desculpas não seriam tão esfarrapadas.

Na sala de Ez, Vincent acomodou-se confortavelmente, enquanto meu chefe sentava-se em sua escrivaninha e eu permanecia em pé, próxima a ele. Tanto eu como Ez aguardávamos ansiosamente qualquer coisa que fosse que Vincent tinha inventado, mas eu tentava não demonstrar mais do que o necessário. Eu sentia que uma parte de mim surtava internamente, apesar da parte profissional ser capaz de reprimir aquilo.

Será que é isso que significa ser uma adulta?

— Bem — Vincent pigarreou, olhando para mim. — Kairosclerosis está praticamente finalizada — ele anunciou, e eu não pude deixar de arregalar meus olhos. Há dois dias ele havia me dito que não tinha praticamente nada da história. Será que ele passara o final de semana inteiro escrevendo, sem nem dormir, para conseguir terminar o livro? Seu rosto realmente aparentava cansaço agora que eu o notava melhor.

— Isso é maravilhoso, Sr. Woodham. Fico muito feliz em saber que tudo está correndo bem — Ez disse, sorrindo largamente. — Então Lora já poderá receber seu original para finalizar o processo, e anunciaremos a data de publicação!

Vincent pareceu um pouco inseguro quanto à última frase de Ez, e eu finalmente percebi que ele provavelmente estava blefando. Eu não acredito que ele inventou uma história qualquer para enrolar Ez só para que eu tivesse uma escapatória. Era um pouco fofo, mas eu estava me perguntando onde diabos ele ia me encaixar nessa trama, caso contrário podia ter chamado meu chefe sozinho para a sala.

— Sobre isso... — ele remexeu-se um pouco desconfortável na cadeira, perdendo um pouco sua pose de confiança que tinha anteriormente. Ele lançou um olhar rápido pra mim, que aguardava ansiosamente o fim de sua frase. — Eu estava pensando se poderia pegar Lora emprestada por alguns dias, assim ela pode me ajudar com a revisão e entregaremos o original mais rápido.

Me pegar emprestada? Que tipo de objeto eu era para ele?

Enquanto eu o encarava, incrédula, percebi que Ez parecia tão confuso quanto eu. Retiro o que disse sobre a habilidade de Vincent de inventar as coisas na hora, ele era tão ruim nisso quanto eu.

— Sr. Woodham... — Ez lançou-me um olhar e eu mantive minha expressão impassível, tentando não demonstrar o tornado de emoções que se apoderou de mim. Eu queria entender a cabeça daquele escritor, ao mesmo tempo em que abafava meu surto fangirl e minha indignação com o jeito que ele se referira a mim. — Sinto muito, não entendo muito bem o que você quer dizer com "pegar Lora emprestada".

É! Fazia parecer que eu sou possessão de Ez e eu não gostei nem um pouco disso. Tudo bem que sou parte da empresa dele, mas o tom de Vincent não ajudou.

— Eu gostaria que ela tivesse uma semana de home office, e pudesse ficar disponível para mim sempre que eu precisasse. O processo de encerrar o livro e revisá-lo é cansativo e eu, tanto quanto vocês da editora, quero que ele acabe o mais rápido possível. Estou ansioso para que possamos anunciar a data de publicação e quanto mais ajuda eu tiver, melhor. Ela pode realizar as atividades normalmente, como faz em home office, apenas à disposição prioritariamente para mim — ele explicou, sem olhar para mim, parecendo um pouco mais confiante em seu plano agora. No entanto, eu permanecia estupefata por sua ideia. Do jeito que ele soava, ele queria me escravizar durante uma semana, e aquilo não parecia muito certo.

Ez parecia estar em um conflito interno entre ceder a tudo o que a galinha de ovos de ouro pediu ou me manter ao seu lado durante essa semana. O que Vincent sugeriu pareceu bom o suficiente, até porque se realmente terminássemos o livro nesta semana, todo o processo seria acelerado e a editora sairia melhor nas divulgações, com o livro sendo publicado mais cedo do que o esperado.

— Certo — Ez disse, finalmente, soltando um suspiro. Ele puxou uma folha de papel e assinou algo, provavelmente uma permissão para mim. — Espero que possamos ter o texto preparado dentro deste prazo então. Estarei contando com você, Lora, para assistir ao que Vincent precisar durante esse período.

— Sim,senhor — não pude evitar um pequeno sorriso em agradecimento a Vincent, querolou suavemente os olhos. Ez parecia irritado, e eu me perguntava se aquelaexplosão de borboletas em meu estômago seria saudável.    

- - - - - - - Continua... - - - - - - - 

Nota da autora: Uma nova semana chega e então finalmente temos o novo capítulo! Ele foi um capítulo mais de intersecção, pois agora a história começa a tomar um novo rumo - e eu pessoalmente o ADORO. Estou muito ansiosa para ver o que vocês vão achar da história a partir de agora.

O próximo capítulo é um dos meus favoritos, então espero que voltem aqui em duas semanas para conferir o que vai dar desse pedido do Vincent!

Com isso, já passamos da metade da história, e apesar de ainda muitas coisas acontecerem, estamos começando a nos encaminhar para o final... tem uma grande surpresa que aguarda vocês!!

Obrigada por estar acompanhando a história e espero que estejam gostando!
Até a próxima <3

Beijos,

Anne

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