Os sons de tiros vindos dos autofalantes da televisão eram o que ocupavam o espaço daquele quarto trancado enquanto Niall e Nick jogavam aquele vídeo game maldito. Já fazem três horas desde que eles começaram a jogar e eu mal consigo ouvir meus próprios pensamentos com o som de todos aqueles disparos soando.

Nick estava empolgado demais com aquilo tudo, mas mesmo assim estava perdendo e por isso ele gritava com Niall, como se gritar com Niall fosse fazer com que ele ganhasse a partida. Eu os assistia e ria todas as vezes em que se empurravam, um tentando atrapalhar o outro, era engraçado assisti-los se digladiando.

Cinco minutos mais foram o necessário para que os últimos pontos fossem contados na tela e Nick fosse derrotado definitivamente.

Como descrever sua reação? Ele ficou puto? Irritado? Explosivo? Bem, acho que todas essas emoções foras as que tomaram meu amigo. Ele levantou do sofá e jogou o controle no mesmo, fazendo com que eu e Niall gargalhássemos enquanto ele resmungava todos os tipos e qualidades de palavrões e saia do próprio quarto, batendo a porta.

Foi questão de segundos até que eu me levantasse em um pulo de onde estava e fosse até o aparelho, conectar ao Kinect. Eu puxava todos os fios que ficaram aninhados atrás da televisão e ia os arrumando para poder ficar tudo certinho enquanto Niall estava jogado no sofá, de barriga para cima, brincando com a barra da camisa e respirando pesado.

- Como que tá as coisas entre você e o Louis? - Eu o olhei por cima do ombro, ele não tinha me olhado, continuava brincando com sua roupa.

- Hum, eu acho que okay. - Voltei a focar nos fios, dando de ombros. - A gente tá bastante amigo, nada demais.

- E aquilo de "melhores amigos do mundo todo"?

- Na mesma, somos amigos, não sei se melhores amigos, mas amigos, definitivamente. Amigos.

- Hum.

- Hum.

- E com a Eleanor?

- Tá na mesma, a gente tem se visto pouco ultimamente.

A porta abre e Nick reaparece atrás dela e logo se joga deitado com a cabeça no colo de Niall, que começa a fazer carinho em seus cabelos escuros. Nick pega uma almofada, a abraça e fica de olhos fechados, apenas aproveitando os carinhos enquanto eu luto com os fios atrás daquele móvel. Conectar um Kinect não deveria ser tão complicado, mas eu odiava aquela confusão de fios e eu não ficaria contente até que todos estivessem desaninhados.

- O que vocês 'tavam conversando?

- A vida amorosa do Harry.

- Nem sei pra que eu ainda pergunto. - Nick riu pelo nariz, ainda de olhos fechados e ainda mais aconchegado na posição em que estava. Eu revirei os olhos e ri.

- A gente realmente discute minha vida amorosa mais do que o considerado normal. Tomos que rever nossos assuntos.

- O que eu posso fazer se sua vida é melhor que novela mexicana?

- Cala a boca, Niall. - Terminei que plugar todos os fios e liguei o Kinect. - Agora sim. - Bati as mãos, tirando o excesso de poeira. - Eu tenho falado com a Els mais por mensagens, no geral. Às vezes a gente se liga, mas ela tá muito ocupada com a família, resolvendo a viagem e tal.

Peguei a capa do disco do jogo sobre a cabeceira e a abri. Just Dance.

- Certo, quem tá pronto pra perder? - Olhamos para Nick, que estava com os olhos fechados e abriu um deles, nos olhando o encarando.

- Isso é vacilo. - Ele jogou a almofada no chão e nós rimos.

Nós passamos o resto daquela tarde apenas jogando Just Dance, fazendo pequenas pausas para comer, respirar, ir ao banheiro ou rir de um passo errado. Acho que nós tínhamos dançado quase metade do catálogo de músicas disponíveis naquele jogo. O quarto estava uma completa bagunça, tínhamos afastado alguns móveis, várias roupas e potes de comidas jogados por todos os lados do quarto, mas nem mesmo as camisas jogadas no chão e os tropeços tinham no impedido de arrasar e bater cabelo ao som dos melhores hinos pop do ano.

No início da noite a campainha tocou e Gemma chegou, nós tínhamos acabado de jantar e agora o jogo era baralho. Nós quatro jogados no chão, em diferentes posições, enquanto jogávamos partidas de pôquer valendo chocolate.

Gemma, aquela desgraçada, tinha vencido as ultimas quatro partidas, straight flushs (ele só poderia estar escondendo cartas naqueles shorts ridículos que estava usando), e agora ostentava, mais ou menos, nove barras médias de milka...

- Eu não ganhei porra nenhuma hoje. Esse caralho. - Nick reclamava frustrado.

- Cara, você conseguiu ficar em segundo lugar em Bad Romance, relaxa. - Niall o confortava com carinhos nas costas, o que fez com que todos nós ríssemos.

- Talvez eu não seja tão bosta assim.

- Não mesmo.

- Yup! - Ele fez uma comemoração estranha, nos fazendo gargalhar mais.

Seguimos o jogo por mais duas rodadas, Niall era quem tinha levado uma delas e estava radiante por isso. Bem, ele tinha conseguido quatro barras, então sua animação tinha um motivo maravilhoso.

Deixamos as cartas jogadas no tapete, cada um encostado em um móvel diferente, trocando olhares, sem assunto, apenas respirando e existindo.

- Oh, Hazz. - Niall murmurou. - Posso te fazer uma pergunta? - Todos me olharam e eu assenti. - Você é gay ou bi? - Oi? - Tipo, eu ó tô meio perdido desde a festa, sabe? - Ele riu meio nervoso. - Eu só quero matar essa dúvida, não que isso realmente importe ou vá mudar como te vejo. - Eu respirei fundo, ele estava vermelho, mas eu o entendia. Ele era meu amigo e se importava comigo, por mais banal que aquilo fosse. Minha sexualidade não ia mudar nada entre nós.

- Eu não faço a menor ideia. - Respondi sinceramente. Eu não fazia e menor ideia do que eu era ou do que eu era.

Meus olhos ficaram fixos em um ponto que eu não sabia identificar, minha respiração desacelerando. Quem sou eu? Eu acho que essa é uma pergunta muito recorrente entre adolescentes, principalmente os que não sabem o que querem ou quem querem. Eu cresci me sentindo atraído por caras, em maior parte. Sempre me identifiquei como um rapaz gay, mas então eu comecei a dividir meus pensamentos entre Louis e Eleanor. Eu sentia algo pelos dois, mais por ele que por ela, mas mesmo assim havia algo lá, algo nela que me atraía e eu não sei como decifrar ou explicar, nem mesmo para mim.

A bissexualidade nunca tinha sido uma possibilidade para mim até que todas aquelas coisas acontecerem e eu não tinha parado para pensar sobre até esse momento.

- Hum. Certo. - Ele murmurou, olhando o chão, perdido.

Mais um tempo passou em silencio, todos focados em nada.

- Niall. - Agora foi Nick quem começou. - O que você é?

Foi tudo que levou para que toda a cor sumisse do rosto do meu amigo. Acho que ele nem respirava. Seus olhos abertos ao máximo, catatônicos, assustados. Um minuto se passou naquele suspense, eu conseguia ver a camada de suor surgindo em sua testa e peitoral.

Eita.

Todos nós ficamos sem saber onde enfiar a cara, eu troquei olhares apavorados com Gemma, Nick percebeu que seu método não tinha sido o mais sutil e começava a entrar em pânico enquanto Niall começava a respirar pesado.

A sexualidade de Niall nunca tinha sido um tópico de debate, ele sempre era o cara que suportava o romance dos outros, nunca o que vivia o romance. As vezes a gente se perguntava, mas nunca foi algo que nos criou tanta curiosidade, nós tínhamos crescido com ele daquele jeito e era algo que nunca precisou ser debatido.

Quando eu me assumi para meus amigos e família foi algo natural, eu na verdade acho que eu teria que ter que me assumir hetero (caso eu fosse), e não gay, pois desde sempre meus pais já sabiam que eu não "era como os outros".

Niall sempre foi Niall.

Não consigo pensar em termo certo para definir Niall além de "Niall". Ele era único e sua sexualidade seria apenas um reflexo disso.

Ele engole em seco.

- Ni, você não precisa falar se não quiser, é de boa.

- Pois é, cara. Se não quiser falar do assunto eu entendo. - Nick falou nervoso.

- Não, tudo bem. - Coçou a garganta. - Só foi meio do nada. - Passo a mão na testa suada, a limpando. - Hum, bem. Há um tempo eu também fiquei me perguntando isso, tipo "Será que eu sou assexual? Ou eu só não encontrei ninguém ainda?" Sabe? - Nós assentimos. - Aí eu fui consultar o bom e velho Google, numa noite em que eu estava sem nada para fazer e com muitos questionamentos na cabeça. - Ele olhou a tela do celular. - E, hum, eu achei alguns fóruns que têm pessoas nessa mesma situação que eu, de não saberem o que são ou qual nome dar ao que sentem e, bem, eu li umas definições básicas de outros tipos de "sexualidade?" bem, acho que pode chamar assim, e eu meio que me identifiquei com a definição da demissexualidade?

- O que é isso? - Gemma perguntou. Eu já tinha ouvido falar, mas não sabia direito o que era.

- Hum, eu não sei explicar, então deixa eu achar aqui na internet e eu leio. - Nós assentimos e ele desbloqueou o celular, digitando rapidamente. - Hum, aqui diz "é só sentir atração sexual quando há uma conexão emocional e/ou intelectual e/ou psicológica com a outra pessoa."

- Oh. - Nós três falamos ao mesmo tempo.

- Então, basicamente, a única pessoa por quem eu posso sentir atração sexual agora é o Nick. - Nós rimos.

- Se você quiser eu quero, amor. - Nick piscou para ele e nós rimos ainda mais.

- Opa, agora. - Niall fingiu que ia levantar, Nick também, mas aí os dois sentaram de novo e ficaram rindo.

- Ni, a gente, na real, não liga pra sua sexualidade, identidade de gênero ou o caralho que for. - Gemma começou. - A gente te ama de qualquer jeito, eu só quero que você saiba disso. Você também, Hazz. Nick, sem comentários, a gente já te socorreu demais da casa de muito cara aleatório, então nem preciso mais falar que a gente te apoia. - Nós gargalhamos lembrando dos ocorridos.

- A gente se ama, independentemente de quem a gente vai amar romanticamente ou de como vai se vestir. - Eu falei. - E espero que vocês saibam disso.

- Harry, a gente não liga pro quê você vai vestir contanto que não seja aquela roupa ridícula que você comprou no Halloween do ano passado. - Nick falou.

- Eu achei isso bastante ofensivo, pra ser sincero.

- Caguei. - Joguei uma almofada nele e todos nós ficamos rindo.

Demos um grande abraço em grupo, brincando ainda mais no meio de tudo aquilo. Eu nunca ia esperar que uma tarde de Just Dance fosse dar numa noite como aquela.