Punhos fechados

Eu nunca chorei tanto na vida como quando descobri o que Antônio fez com Júlia. E de quebra, mais do que isso, descobri que todas as pessoas da escola ficavam distantes, por medo dele. Aparentemente com Alex e Júlia isso não tinha funcionado e esse era o único motivo de ter conseguido fazer amizade. Era estranho entrar na escola e olhar aquelas pessoas com outros olhos, como se minha alma tivesse dono e ninguém pudesse, na verdade, chegar perto para sua própria segurança.

– Passou por coisas ruins, como a Júlia? – pergunto para Alex, enquanto estamos deitados na minha cama. Tínhamos vindo pra minha casa depois da casa dela, porque ele não queria ir pra casa e eu estava com saudade. 

– Nada tão sério quanto o caso dela, acho que ele sabia que eu iria tratá-lo na mesma moeda, caso fizesse. – ele responde e eu o olho nos olhos por alguns segundos. 

– Você parece ter experiência com isso. – digo e ele parece refletir um pouco. 

– Tenho. – responde. – Nunca vou repetir isso e não quero que você se meta, Arthur, mas o Antônio me lembra muito meu pai. É como se eles dois fossem a mesma pessoa em épocas diferentes. 

– Mas seu pai parece tão atencioso e tranquilo...

– Pra quem não o conhece, o Antônio também parece. – ele rebate e eu abaixo minha cabeça por alguns segundos. 

Aparentemente, mesmo que os dois não tenham crescido juntos, Antônio era muito mais parecido com o pai do que gostaria. Tenho certeza que isso era uma brincadeira infeliz do destino, o que deixava tudo ainda mais triste. 

– Pensa em sair de casa? – pergunto e ele dá de ombros.

– Claro, é por isso que dou meu sangue em campo. Tenho motivos pra tentar me tornar independe e distante do meu pai de uma forma que o dinheiro dele não consiga me atingir, pois seria tão rico quanto. – ele explica. 

– Eu posso falar com meus pais para fazer uma denúncia anônima, sabe? Funcionaria assim... – ele me beija. 

– Não. – diz, totalmente calmo. – A última pessoa que tentou fazer denúncia anônima teve o número rastreado e morreu acidentalmente. Todas as vezes que eu te disse que não quero você envolvido nos meus problemas, é porque já tiveram pessoas demais que tentaram e não estão mais aqui para dizer como foi. E não importa se a pessoa é rica ou pobre, conhecida ou anônima, o dinheiro do meu pai sempre vai sobressair.

– Por que não me disse antes? – pergunto. 

– Porque eu sabia que você iria querer comentar com seus pais. E estou dizendo agora, porque vi que respeitou o pedido da Júlia e sei que vai respeitar o meu. Além disso, precisaria te contar o contexto de ter um pai que é capaz de passar por cima de qualquer pessoa e eu sei que não quer seus pais prejudicados. – ele explica e eu penso um pouco. – E quando falo "prejudicados", não é que eles vão perder o emprego ou algo do tipo, isso seria o de menos. Se seus pais forem envolvidos, provavelmente vão perder a vida, assim como qualquer pessoa que tente bater de frente com o Rômulo. 

– Você chama seu pai pelo nome? – pergunto e ele me observa. 

– Não dá pra terminar de dizer tudo que disse e o chamar de "pai", como se ele fosse alguém que me orgulho. – abraço Alex, beijando seu pescoço e abraçando-o com mais força em seguida.

– Me desculpa por todas as vezes que deve ter se sentido sozinho, quando eu deveria ter ficado ao seu lado. – digo. 

– Eu só... tenho a impressão que estou perto de explodir completamente, sabe? – o olho nos olhos. – Aguentei muita coisa calado e vendo a Júlia na beira de um precipício pelo mesmo motivo me fez questionar quando eu vou precisar explodir pra conseguir o mínimo de espaço. 

– Estou contigo, não esquece disso. – seguro o rosto dele, olhando em seus olhos. – Não importa o que aconteça. – ele me beija, me puxando para que eu me sente em sua virilha. 

Enquanto nosso beijo continuava, ficamos nessa posição por algum tempo, até ele se sentar e me segurar pela cintura com força contra seu corpo. Achei que esse momento fosse durar mais tempo, mas não foi o que aconteceu, porque fomos interrompidos por uma ligação do pai de Alex, que se levantou e foi atender. Assim que ele saiu do quarto ouvi Antônio entrar pela janela e me desesperei. 

– Vai embora. – digo e ele fica imóvel, me observando. 

– O que eu fiz? Acabei de chegar. – responde.

– Tô com visita, vai embora. 

– Arthur, desculpa, mas você precisa saber uma coisa que descobri. É urgente. – ele tenta, mas eu nego com a cabeça, assustado.

– Arthur... – Alex volta ao quarto e para de andar quando vê Antônio ali. 

– E aí, cara. Acho que a gente se resolveu no jogo, né? – pergunta e Alex me observa por alguns segundos, concordando devagar com a cabeça, como se procurasse qual era a melhor forma de se comportar naquele caso. – Eu só preciso dizer o que descobri. 

– Acontece, Antônio, que eu não quero saber de nada que venha de você. – rebato e ele parece não entender. Como se pedisse ajuda, Antônio olha pra Alex, que dá de ombros, como se não pudesse fazer nada e ele logo percebe que não estava em um momento muito favorável. 

Como se estivesse se dando por vencido, apenas confirma com a cabeça e se prepara para sair, sem dizer mais nada. Assim como ele veio, ele foi. E assim que saiu, respirei fundo e me sentei no canto da minha cama, tentando segurar a sensação devastadora que tinha tomado conta do meu corpo. Eu sabia que por mais que não fosse passar por cima da súplica de Júlia em não falar nada com ele, tudo que tínhamos tinha acabado. 

Eu não conseguiria confiar em Antônio ou desenvolver qualquer traço de empatia por alguém como ele. Alguém perigoso e que por tanto tempo foi o motivo de eu ser tão solitário. Passei a olhar ele e enxergar a pessoa que realmente era, com todas as problemáticas envolvidas nisso. Não conseguia me importar mais. 

– Isso vai ser difícil. – Alex fala, me puxando para um abraço e eu grudo nele, em silêncio, enquanto choro copiosamente. 

Grudei tanto nele, que não teve coragem de ir embora e acabou dormindo na minha casa. Como ele fazia isso recorrentemente, já tinha algumas coisas dele no meu quarto pra quando acontecesse – como escovas de dentes e algumas roupas, incluindo uma blusa do uniforme da escola. É claro que meus pais deixaram que ele dormisse comigo e enquanto jantávamos, inclusive, eles conversaram bastante com ele.

– Não tem interesse em aprender sobre a empresa do seu pai? – meu pai pergunta e Alex pensa um pouco. 

– Não. Acho que meu ramo é mais o futebol mesmo e como isso é desde cedo, até meu pai já se acostumou com a ideia. – explica. – Às vezes penso que ele queria ter mais um filho pra poder assumir isso por ele, já que se depender de mim a empresa vai ser vendida na primeira oportunidade. – eles começam a rir e minha mãe me observa por alguns segundos. 

– E você iria gostar de ter mais um irmão? 

– Depende. Acho que se ele fosse morar lá em casa, não. – Alex responde sinceramente e depois percebe o que disse, tentando corrigir. – Meio que me acostumei em ser o único, pra me acostumar com mais uma pessoa seria estranho. – tenta se explicar. 

– Eu entendo. É sempre assim, processos de mudança geram estranheza. Antes de me casar, morei sozinha por 6 anos. Quando me casei, foi muito estranho ter que aprender a viver com outra pessoa, principalmente porque o Olavo é alguém bagunceiro. – ela comenta e meu pai a encara, fazendo careta. 

– Eu sou bagunceiro? Onde? 

– Em todo lugar, na cozinha, no banheiro, quarto, sala, carro... – começamos a rir da pequena discussão dos dois. – Fui criada por pais rígidos com limpeza, ele saiu de casa assim que completou 18 e acabou tendo que trabalhar bastante, a ponto de não se preocupar muito com a organização contínua do lugar. Aí quando a gente se juntou, deu no que deu e quando o Arthur chegou tudo ficou ainda mais revirado. 

– São casados há quantos anos? – Alex pergunta.

– Mais de 20, com certeza. – minha mãe responde. – A gente não conta. – começamos a rir. 

– Deve ser ótimo construir algo tão saudável como vocês aparentam que é a relação de vocês. – ele diz, em um misto de tom de carinho com tristeza e meus pais logo percebem.

– Claro... aliás, nesse final de semana vamos ter uma comemoração em família e a gente gostaria que você viesse. Espero que o Arthur não tenha te convidado ainda, porque a gente falou pra ele que queríamos te convidar pessoalmente. Você é muito querido por nós e gostaríamos de te apresentar para mais pessoas da nossa família. Não é todo dia que conseguimos um genro tão bom. – minha mãe fala e ele me observa, com os olhos marejados. 

– É sério? Acho que ninguém nunca quis ter a minha presença em algum lugar. Vou sim, com certeza. – ele responde, sorrindo.

Era clara a diferença da primeira vez que eles conversaram para hoje. Antes Alex tentava sustentar a aparência de pertencer a uma família absolutamente perfeita, hoje já não era mais assim. Aparentemente ele estava transbordando pelos lados, enquanto seguia tentando segurar as aparências. 

De qualquer forma, depois de comermos meus pais foram encontrar alguns amigos em um bar e ele e eu ficamos em casa, assistindo filme. Uma coisa que me deixava nervoso em relação a ficar sozinho com ele, era que sempre que ficávamos de conchinha, por exemplo, ele sentia necessidade de passar suas mãos imensas pela minha cintura, descendo devagar pelo meu quadril e coxas. 

Ele também tinha costume de ficar dando beijinhos na minha nuca e costas, além de me cheirar o tempo inteiro, encostando seu nariz pela minha pele. Alex me deixava arrepiado com frequência e sabia disso, então me virei pra ele e olhei em seus olhos quando não aguentei mais. 

– Você é um patife. Sabe o que está fazendo. – digo e ele sorri. 

– Sabia que sua mãe ia fazer aquele convite?

– Me desculpa por não comentar nada, ela me pediu pra te convidar pessoalmente. Minha mãe não quer que você pense que essas ideias são apenas minhas, porque ela quer que você saiba que é querido pra eles também. – explico e ele me beija com força. 

– Você não sabe a sorte que eu tive quando encontrei vocês. 

– Nem você sabe o quanto é amado. Caso algum dia a gente termine, meus pais vão chorar copiosamente comigo, tenho certeza. – brinco.

– É só não acontecer. Vou lutar por você, não importa o quanto precise. 

– Não precisa, bobão, eu já sou totalmente seu. – respondo e ele me beija novamente, descendo pelo meu pescoço e tirando minha blusa, ficando por cima de mim, enquanto desce sua boca pelo meu corpo. 

Acho que uma das minhas partes favoritas de me relacionar sexualmente com o Alex era o fato de ele ser sempre minha medida certa. Pegada firme, mas nada violenta, beijo lento, com mordidas e mãos sedutoras... sempre que estava na cama com ele, tinha a sensação que estávamos conectados a ponto de eu pensar que ele deveria fazer algo e ele fazer o que eu queria no mesmo segundo, mesmo sem que eu deixasse sair uma palavra sequer da minha boca. 

Fora isso, ele sempre percebia quando eu estava com vergonha ou ainda um tanto quanto quando "travado" e bastava um suspiro dele na minha orelha e uma mordida para que eu até mesmo guiasse suas mãos pelo meu corpo. 

– Vamos ver treino da Júlia amanhã? – o chamo e ele me observa, enquanto estamos deitados, sem roupa, depois da relação.

– Claro. Ela vai ter jogo em breve, né? – concordo com a cabeça, olhando-o. – Os meninos estavam comentando no vestiário da escola. Aparentemente o time dela é muito bom. 

– E tem previsão do time escolar feminino? – pergunto. 

– Esse mês. Ela vai realizar o sonho dela esse mês. Meu pai tá pressionando a escola e eles já deram a nota final, contrataram a treinadora e estão comprando os materiais. Espero ver a Júlia feliz. 

– Eu também. – puxo ele, para que nossos corpos se encaixem. 

No dia seguinte fomos para a escola e depois disso fomos com Júlia assistir seu treino. Eles almoçaram em um restaurante aleatório, enquanto eu comi hamburguer. Pela carinha de Alex, conseguia ver que ele também queria, mas obviamente por ser uma refeição importante ele precisou se contentar com comida saudável. 

De qualquer forma, depois do almoço, quando chegamos no campo, percebemos que já tinham algumas meninas treinando e logo começamos a chamar atenção. Muitas das meninas do time de Júlia nos cumprimentavam aleatoriamente, com sorrisos e acenos, como se tentassem se aproximar. 

Quando o treino começou, Alex pareceu ficar bem atento ao que estava acontecendo, mas dado certo momento, quando ele percebeu que eu estava um tanto quanto distante – principalmente porque nosso namoro não era público ainda e eu tinha medo que as pessoas descobrissem e o tratassem mal –, ele me cutucou, pedindo para que eu me sentasse mais próximo. Quando neguei, ele se aproximou e puxou minha mão para sua coxa, entrelaçando nossos dedos. 

– Tá fazendo o que? – pergunto.

– Mimando meu homem. – responde, me dando um beijo na bochecha, pescoço e boca em seguida. 

É claro que essas ações dele chamaram atenção do time de Júlia, que rapidamente levou observação da treinadora, porque elas deveriam estar prestando atenção no treino, não em nós. Depois do treino fomos embora juntos e ela falou por horas seguidas do quanto as meninas perguntaram sobre nós no vestiário, o que chegou a ser curioso, porque aparentemente elas realmente estavam interessadas em nós.

A semana se seguiu e certo dia ele me chamou pra ir na casa dele, porque queria sair comigo de noite. Fui, mas acabamos não saindo, porque estava chovendo bastante. Como seus pais não estavam em casa, Alex se permitiu ficar confortável e naquele dia nos relacionamos várias vezes e de formas diferentes. Como o tempo estava chuvoso e frio, era fácil cair nas graças do calor humano. Tudo teria corrido bem, até que de noite a surpresa aconteceu:

Enquanto estávamos nos beijando, escutamos o portão da casa abrir e nos vestimos com pressa. Ele sabia que provavelmente poderia ser seu pai, porque sua mãe aparentemente estava em outra cidade visitando algum parente que estava doente e por isso decidiu ir até seu pai, falar que não tínhamos saído por causa da chuva e que eu ainda estava lá. Ele desceu correndo as escadas depois de se vestir e eu o segui, quando...

– Camila? – ele grita em alto tom com aquela voz grossa e eu me assusto também.

– Filho... – Rômulo estende as mãos quase implorando para que Fabrício se acalme, quando ele toca Fabrício eu vejo ele fuzilar o pai com o olhar. 

É claro que Rômulo percebeu que eu estava ali e aparentemente tentou ponderar a forma como estava falando por esse motivo também. Ele tinha uma sinuca de bico muito grande comigo, por causa do seu segredo e eu tinha certeza que isso pesava bastante na forma como ele se comportava naquele momento.

– Sai daqui, seu lixo humano! – Alex grita com Rômulo, que bufa e entende que ele não tem o poder de acalmar ele naquele momento.

– O que? – fico com cara de pessoa perdida ao analisar melhor a situação e ver Camila, aquela garota que o treinador apresentou a Rômulo no jogo, com ele. A mulher olhava para Fabrício espantada segurando em suas mãos sua blusa, tampando com ela seus seios.

– Filho, vamos conversar... você não ia sair? – Rômulo tenta puxar nossa atenção dela, mas acaba piorando a própria situação com Fabrício que estava furioso.

– E você não ia ser fiel? Jura perante a igreja que vai ser fiel e agora tá nessa situação patética? – pergunta, em um tom claramente irônico e se tratando como se fosse superior ao seu pai. 

Eu sabia que pela personalidade de Rômulo, ver seu filho o tratar dessa forma não o deixava nada feliz – em especial por ele ser o homem violento que é. Pra ele era como se seu próprio filho estivesse montando em suas costas, o que era inadmissível.

– Filho... – Rômulo continua tentando contornar a situação, se aproximando.

Nunca tinha visto Alex com aquele ódio nos olhos, provavelmente ele estava não só reprovando o que estava acontecendo como descontando todos os anos de mágoa do pai também. Era como se aquela fosse a oportunidade que ele esperou por anos e agora não iria perdê-la sem humilhar aquele homem ao máximo.

– Você, sai. – Alex ordena, depois de tirar rapidamente uma foto dos dois e a moça começa a correr para a primeira porta fechada que encontra na casa, para se vestir. – Primeiramente, agora, eu vou falar. – ele se vira para seu pai. – Não quero morar nessa casa e olhar pra essa sua cara de merda todos os dias da minha vida, então vou procurar um lugar pra morar e você vai comprar pra mim, além de me sustentar calado. Se quiser me dar a parte da minha herança, aceito, não me importo. 

– Fabrício... 

– Em segundo lugar, vai pedir a separação da minha mãe e não vai deixar ela desamparada, além de sequer olhar nos olhos dela. Quero você como um verme, que olha pro chão, porque sabe que não tem moral pra levantar essa merda dessa cabeça. Caso pise fora da linha, eu juro por Deus que publico essa foto em todos os lugares que posso e exponho tudo que sei sobre você. Sabe a coisa que mais preza? Sua imagem e as ações altas da sua empresa? Vou fazer questão de destruir tudo. Estou te oferecendo a opção menos dolorosa e com menos prejuízo que vai ter. – termina.

– Amanhã mesmo já pode procurar o apartamento que quer que eu compre. – é tudo que Rômulo diz. – Mas da próxima vez que falar daquela forma comigo, enquanto estivermos com uma mulher no mesmo ambiente, eu mato você e quem estiver com você. Sabe que não pode levantar o tom comigo quando estamos com certas pessoas presentes. 

– Eu vou embora, eu... – começo a falar.

– Tá tudo bem, Arthur, não me refiro a você. – Rômulo termina, passando por nós dois. 

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