Noite De Bagunça

Sábado a noite, meu pai percebe que eu estava no mundo da lua – porque depois que cheguei da casa de Alex eu estava mais calado que o normal – e me chama para uma confraternização de negócios. Um saco, se eu já não estava bem em saber que alguém legal estava me dando mole – mas eu não teria coragem de tentar algo por muita dependência emocional em alguém que não estava me valorizando como eu merecia –, por qual motivo ele achava que eu ficaria melhor em ter que me forçar a ser simpático com outras pessoas que sequer conhecia? Acabou que por dependência decido chamar Antônio para ir comigo.

Algum tempo depois, Antônio chegou aqui todo arrumado, como sempre estava quando não estava treinando. É claro que eu não ia comentar sobre a minha tarde rápida na casa de Alex, porque se ele já implicava com o cara sem ele ter feito nada, imagina se soubesse que ele estava me jogando algumas cantadas – cantadas essas que eu gostei muito de receber, mas tinha medo de tentar investir. 

– Cara, eu não acredito que aquele trouxa tá no nosso time. – Antônio comenta, tentando puxar assunto e é claro que ele precisava falar sobre o quão frustrado estava com a nova formação. 

– Nosso quem? Seu time. – corrijo. Ele sabe que eu não me encaixo como uma pessoa que participa ou gosta de coisas extracurriculares e mais do que isso: ele sabe que não faço parte das coisas que ele faz. Eu detestava que ele me incluísse como se fôssemos uma unidade, quando eu era um ser individual, com outros interesses.

– O que? O que foi? Você tá no mundo da lua hoje. E fala como se o Golden Cavaliers não fosse o time dá escola em que você, tanto quanto eu, estuda. 

– Você sabe que eu só quero que a escola termine, não me sinto fazendo parte dela. 

– Para Arthur, você tem que se socializar mais. – diz, colocando a mão no meu pescoço e chamando meu olhar que antes era baixo para o seu. – Se não mudar esse seu jeito extremamente crítico, não vai conseguir curtir o ensino médio e vai se arrepender depois. Fora que ninguém nunca vai se aproximar de você se for assim. 

– Assim como? 

– Difícil. Sabe, eu sou seu amigo, porque nos conhecemos quando crianças, mas se não fosse isso provavelmente não seria. 

– Por quê? – pergunto. 

– Porque ninguém gosta de gente triste, gente que tem uma vibe mais parada. Se quer fazer mais amigos, precisa aprender a sorris mais, levantar o grupo, essas coisas... até mesmo quando não estiver bem. – ele pisca pra mim e eu fico olhando-o por um tempo, em silêncio. – Aconteceu alguma coisa com você? – ele diz, percebendo meu silêncio longo e eu forço um sorriso falso. 

– Não, eu tô bem. – respondo, sendo o mais falso que conseguia. 

– É isso aí, sorria. – ele reforça e eu concordo com a cabeça, segurando para não permitir que nenhuma lágrima saia de meus olhos. 

Antônio ficou comigo, fazendo sala, até encontrar uma das meninas que ele tinha o costume de ficar e saiu com ela, me deixando sozinho. Ele foi embora tão rápido, que nem sequer consegui dizer nada. Em um segundo ele estava ali, no segundo seguinte ele não estava mais. Fiquei, então, parado, observando as pessoas, até ouvir algo diferente. 

– Posso falar com você? – uma voz meio baixa surge em meio as pessoas.

– O que você tá fazendo aqui? – meu coração gela ao olhar para trás e ver Alex, que estava absolutamente deslumbrante. 

Meus olhos fitam aquele corpo que é facilmente marcado por conta da roupa que ele usa, mas rapidamente procuro Antônio com o olhar e vejo ele ainda distante, conversando com duas meninas. Ele parece se divertir no papo com elas.

Quando percebi que por Antônio estar longe, provavelmente não perceberia Alex – e não faria um show de infantilidade, me aproximei dele, para saber o que ele queria comigo. Acontece que como já estava um pouco alterado, eu não conseguia controlar exatamente os meus extintos. 

– Não sei por qual motivo ainda se importa com ele, claramente ele só liga pra você quando está sozinho. Basta encontrar alguma garota para ir atrás e te deixar. – ele fala, depois de eu olhar mais uma vez para a direção de Antônio.

– Ele é meu melhor amigo. – respondo. – Mas não podemos conversar direito aqui. E espera aí... o que você tá fazendo aqui? 

Puxo Alex para ainda mais longe, fazendo a gente se perder um pouco em todas aquelas pessoas. Eu não sabia ao certo se estava protegendo ele de um possível surto de Antônio ou Antônio de si mesmo, mas tentar me esconder foi o que fiz. 

– Calma, meu pai é o dono dessa empresa... por isso estou aqui. – ele explica sorrindo, avaliando meu rosto e tomando mais um gole de bebida. – Ele veio pra cá, porque segundo ele é mais perto dos sócios e de membros importantes da base da rede de supermercados dele. E como pode ver, esse lugar tá cheio de acionistas, diretores e gerentes.

– Posso te perguntar uma coisa? – ele confirma com a cabeça. Qual o nome do seu pai? 

– Rômulo Falmouth. Por quê? – gelo completamente ao ouvir aquilo.

– Qual é seu nome completo, Alex? 

– Alex Fabrício Falmouth Garcia. – ele responde e tudo começa a fazer sentido, começando pelo apelido "Binho" que não remete a nada do nome Alex. – Na minha família todos só me chamam de Fabrício, mas eu não gosto muito da sonoridade do nome, então só me apresento com meu primeiro nome. Já o apelido é melhor, minha prima começou a me chamar assim pra mudar o jeito que os outros me chamam. 

Meu coração gela ainda mais. Eu tinha que ir embora daquele lugar com Antônio. Se ele encontrasse o pai dele com certeza ele explodiria. E explodiria ainda mais se esbarrasse com Alex ali, falando comigo – e talvez eu não aguentasse e acabasse contando pra ele o que sabia, mesmo que ele tivesse me pedido para não fazer. 

– Eu tenho que ir. – digo, tentando sair da situação.

– Você disse que não ia mais correr de mim. – ele responde, segurando meu braço delicadamente.

– Eu não vou, pode ir amanhã lá em casa? Prometo te ouvir. Prometo o que você quiser, mas eu preciso ir embora. – digo, soltando a mão dele do meu braço, mas ele, por sua vez, segura minha mão com cuidado e a acaricia, olhando em meus olhos.

– Você promete mesmo, Arthurzinho? – com a outra mão, solta o copo de bebida em uma mesa, se aproxima de mim e acaricia meu rosto, me olhando nos olhos.

– Sim... – metade de mim derrete com aquele "Arthurzinho" meigo que meus ouvidos escutam. Mas assim que vou começar a andar ele me para.

– Amanhã de manhã não posso, então vou lá mais tarde. – ele diz e eu concordo com a cabeça. Ele, então, me puxa para um abraço tão gostoso, que eu acabo me percebendo gostando muito daquele carinho. 

Acredito que o que mais gostei foi que ele não se importou com ninguém ao nosso redor. Alex, enquanto me abraçava, passou sua mão pelo meu cabelo e depois disso me soltou delicadamente. Quando olhei para seu rosto mais uma vez, senti um misto de vontade de chorar e beijá-lo. De uma forma estranha – mesmo eu sabendo que estava errado – senti como se fôssemos duas pessoas tristes se encontrando.

Não demorou muito tempo para que eu me despedisse dele de fato e fosse encontrar Antônio, que em mais ou menos 10 minutos sozinho já estava bastante bêbado. Eu sabia que dali pra diante a missão seria difícil, porque ele era a pessoa mais complicada de lidar quando estava naquela situação, mas mesmo assim decidi dar a minha cara a tapa, porque tudo seria melhor do que assistir ele encontrando as pessoas que não queria nem podia ali.

– Vamos embora. – digo, tentando puxar ele pelo braço.

– Não. – ele rebate, se soltando da minha mão.

– Antônio! Vamos embora. – chamo ele novamente.

– Não, eu vi que você tava gostando de falar com seu namoradinho. É isso que ele é seu não é? – ele me força a revirar meus olhos. 

– Antônio, por favor não dificulta as coisas.

– Arthur, ele quer ficar. – um amigo das meninas que ele conversava diz.

– Cala a boca que ninguém falou com você. – rebato e ele parece não acreditar que eu tinha falado aquilo. – E você vai vir comigo agora, não me deixa ficar com raiva de você, Antônio. – repito, olhando sério em seus olhos.

– Tá! Que saco, tchau minhas princesas lindas e tchau amigo das princesas lindas, cuida delas. – ele se despede, mandando beijo com a mão.

– Anda. – continuo puxando ele, enquanto forço cara positiva para qualquer pessoa que olhasse em nossa direção.

Me despeço dos meus pais, falo que Antônio não está legal e eles me dão dinheiro para pegar um uber pra casa, porque meu pai teria que ficar. Saio da festa carregando ele que está muito mais bêbado que eu pensava que estivesse e dentro do carro Antônio apaga, com a cabeça no meu ombro. 

Não consegui evitar de pensar no olhar e no toque de Alex, enquanto estava ali. Observei Antônio ao meu lado e entendi que ele já não me causava mais aquele frio na espinha, como se tivesse praticamente perdido o encanto por quem ele era – e isso é muito curioso, porque eu cultivava esse sentimento há muitos anos. Acontece que assim que chegamos na porta da casa dele e eu o deixei lá, para entrar e dormir, ele começou com a palhaçada, dizendo:

– Hey, por favor não me deixa aqui. Se minha mãe me ver assim ela vai brigar muito comigo. – pede, ficando de pé de frente para mim. – Deixa eu dormir na sua casa hoje? 

– Tá, vamos lá. – falo, fazendo sinal para que ele passe o braço novamente sobre meu pescoço e ele assim faz.

Entramos na minha casa, ajudo ele a subir as escadas e o sento na minha cama, enquanto pego um colchão para ele dormir – decidi naquele momento que não deixaria ele dormir comigo mais, porque não sei se me sentiria confortável com isso, principalmente por ter outro homem na minha cabeça. Arrumo o colchão no chão e ele me olha cabisbaixo, entendendo a mensagem que eu estava tentando passar.

– Me ajuda e tirar isso? – ele pede, tentando falhamente abrir os botões da camisa.

Ajudo a tirar a blusa dele e a calça para que ele durma mais confortável. Ele, por sua vez, ao invés de deitar no colchão cai de costas na minha cama e se instala ali. Olho ele enquanto estou de pé e fico impressionado com a falta de capacidade Antônio de seguir as regras e aceitar algo que eu tenha decidido na minha própria casa. Cutuco ele algumas vezes, mas ele nem dá sinal de vida.

– Qual é Antonio, eu que vou dormir aí, você pode, por favor, deitar no colchão e parar de show? Eu não quero dormir contigo hoje, tá bêbado, fedendo, não quero. 

– Dorme aqui comigo Arthur. – ele pede, se virando de lado e puxando um travesseiro para si.

– Antônio, eu não tô brincando... desce. – peço, abrindo minha blusa social e tirando-a.

– Porra. Dorme aqui comigo, eu tô falando sério. – ele resmunga alto.

– Tá, eu durmo no seu colchão. – digo, trocando a calça pela minha bermuda de moletom de dormir e vou ao banheiro, escovar meus dentes. Depois disso deito no colchão que era para ele e é nesse momento que ele começa a cantar alto e bêbado no meu quarto, o que me irrita muito rápido. – O que você quer!?

– Que você durma aqui comigo. – pede mais uma vez, com voz manhosa.

– Tá! Que moleque chato! Porra, nunca mais deixo você beber quando eu estiver com você.

Me deito na cama ao lado de Antônio. Eu já estava enrolado no cobertor que era pra ele, mas não era como se ele se importasse com isso, porque quando me deito, ele se enfia por baixo desse cobertor e me abraça com força, grudando nossos corpos. Ele, então, passa uma das pernas por cima do meu quadril e me puxa pra si, entrelaçando a outra com a minha.

Antônio, então, começa a beijar meu pescoço, descendo esses beijos pelo meu ombro, mas eu não queria que isso acontecesse, então corto, dizendo:

– Antônio, assim não vai dar. – foi a primeira vez em anos que cortei algum comportamento dele, que aparentemente percebeu a minha mudança de tom de voz e quando me virei um pouco para vê-lo, já estava dormindo, sem tentar mais nada. 

De manhã, acordo e o Antônio agora permanece jogado para o outro lado da cama, em um sono pesadíssimo. Levantei, fui escovar os dentes e colocar uma blusa. Quando saí do banheiro, olhei para ele e senti uma imensa vontade de acordar ele como namorados acordam uns aos outros, com carinhos e beijinhos, mas não era como se eu pudesse.

Eu sabia que se tentasse fazer isso, provavelmente ele cortaria, dizendo que só ficávamos quando sentíamos uma química incontrolável, porque se eu tinha problemas para me entender, ele tinha em dobro. Reprimindo aqueles pensamentos que tomaram conta de mim por alguns instantes, então, eu desço as escadas e vou tomar café com a minha mãe.

– E o Antônio, está melhor? – ela me pergunta, enquanto leva uma xícara de café em direção à boca. Meu pai não estava ali naquela manhã, então deduzi que ele tivesse saído pra correr.

– Acho que está. – dou de ombros.

– Legal, ontem você perdeu... finalmente conheci o dono da rede de supermercados em que seu pai é diretor. Me esqueci de perguntar o nome, mas ele e o filho são muito engraçados. Ele se aproximou para me cumprimentar, mas o seu pai estava falando com outro diretor sobre uma campanha, então já sabe. 

– Ah, legal mãe. – respondo, com um olhar de desânimo, que agora começava a ser tomado por um olhar de preocupação. 

– Só esqueci de perguntar o nome deles e quando perguntei ao seu pai, ele disse que iríamos conversar sobre em casa. Ele deve ter feito isso, porque seria horrível eu demonstrar na primeira festa em que o dono está, que não o conheço, né? – ela pergunta e eu concordo com a cabeça. 

– Provavelmente. Acho que ele não queria que você parecesse uma boba. – comento e ela começa a rir. 

– Sim! Eu sou tão avoada, deveria ter perguntado o nome das pessoas aqui em casa, pra me preparar antes de ir. – conclui e eu concordo com a cabeça. 

Minha cabeça latejava de tanto pensar. Minha mãe nunca tinha visto o Rômulo pessoalmente e meu pai sequer conhecia a história da dona Katarina. Ou seja: eles também estavam enrolados até o pescoço e nem sabiam – mas essa questão do meu pai não querer conversar com a minha mãe sobre o Rômulo me chamou atenção. Porque se meu pai não soubesse de nada, ele não teria motivos para esconder nada da minha mãe.

O que importa é que depois de um café conturbado, tentando não dar assunto para a minha mãe, voltei para meu quarto para tentar pensar em uma forma de conversar com ela depois. Ela percebeu que eu fiquei congelado em uma expressão de preocupação enquanto ela falava. Com certeza assim que tivesse uma oportunidade maior ia me perguntar o que tinha acontecido.

Chegando no quarto, me sentei na cama com cara de derrota. Olhei para a frente, sem ter contato visual com Antônio que na minha concepção ainda dormia, mas percebo que estava enganado quando sinto uma mão puxando o braço que apoiava  meu corpo.

– Vem aqui... – Antônio me puxa, com voz manhosa de quem acabava de acordar.

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