Capítulo Extra 1 - João e Antônio
~Visão de João ~
Desde muito cedo na minha vida eu entendi minha sexualidade, mas em contrapartida, ao ver como a minha família falava sobre pessoas como eu – sem saber que eu era também – me fechei por medo de ser massacrado, ainda mais por eles sempre falarem que quem não tem família "tradicional" não tem valor. Essa repetição de absurdos entrou de forma tão profunda na minha mente que por diversas vezes quando eles não falavam dessa forma, eu mesmo falava pra mim, para que não esquecesse que embora parecesse, eu não era uma pessoa realmente digna de nada. Acabou, então, que por muitos anos meus relacionamentos foram escondidos de todos, por medo da forma como eles iriam reagir se descobrissem.
Tinha medo do olhar da minha mãe e que meu pai negasse ser meu pai quando descobrisse tudo sobre mim. Então durante todo aquele período crucial para as descobertas de qualquer adolescente eu vivi relacionamentos problemáticos em silêncio. Sofri abusos calado, namorei homens mais velhos, casados e meninos como eu: que ninguém sabia que eles eram gays. Fui humilhado de todas as formas possíveis e embora dentro de casa eu mantivesse meu linguajar completamente limpo e recatado, na rua eu passei a ser uma pessoa que definitivamente não me orgulhava, nem mesmo na forma como eu falava. Acabei criando realmente uma persona pra minha família.
Tudo isso pode ser levado com uma imensa carga dramática e com cheiro de injustiça por quem ainda tem um coração ou consciência, mas pra mim não era assim. Não era como se eu acreditasse que tinha algum valor, então se ninguém me valorizasse estava tudo bem, mas tudo mudou quando Antônio se tornou o capitão do nosso time de futebol.
Não posso dizer que sempre ignorei totalmente aquele corpo, sorriso e humor, mas também não posso assumir quanta inveja eu tinha de Arthur por ele poder ficar tão próximo dele, sem medo do que as outras pessoas iriam falar – até porque ninguém nunca falava nada de Arthur, por saber que Antônio era realmente um cão de guarda pra ele. Quer dizer... cão de guarda quando era com algum membro do time, porque o capitão sempre usava Arthur como um péssimo exemplo do que não poderíamos ser e Antônio nunca tinha coragem de bater de frente com ele por causa disso.
Ele sempre deixou claro que era o único amigo de Arthur e que eles tinham praticamente uma relação de irmãos, mas confesso que sempre me perguntei se era isso mesmo, em específico pelo jeito que Antônio parecia querer possuir o garoto. Pra mim aquilo seria totalmente aceitável se ele fizesse comigo, afinal seria apenas mais um relacionamento abusivo, mas vê? Se cheguei em um momento da minha vida cogitar que acontecesse comigo, é porque eles dois realmente passavam uma impressão mais forte que dois amigos.
– Você tá muito entregue pra esse cara? – José me pergunta. Ele era o cara que me vendia maconha há anos, desde que eu tinha começado a usar pra desestressar e aos poucos tínhamos desenvolvido uma relação de amizade complexa, mas pelo menos ele conhecia meu verdadeiro eu e não me condenava por isso.
– Muito. – respondo, observando-o por alguns segundos. – Às vezes eu tenho medo do quanto eu gosto dele. E ainda nem ficamos, nem conversamos direito, mal vejo ele... mas só de observá-lo por 5 minutos com o Arthur eu fico me perguntando se algum dia vou ter oportunidade de sentar naquele cara. – ele sorri, indo até o balcão organizar algumas peças de armas que ele tinha para vender.
– Aí enquanto não rola você fica procurando transa fácil com qualquer um que vê pela frente? – ele pergunta. José não gostava muito desses meus comportamentos por achar perigoso e não perdia uma oportunidade de demonstrar isso, mas é como eu disse: pelo menos ele não me tratava como um lixo humano.
– Você fala como se eu fosse um puto de merda. – rebato e ele sorri, olhando pra frente. – Sim. Um dia vou ter a minha chance, José. E nesse dia esse homem vai ser meu.
– Cuidado, João. O jeito que você deseja ele pode acabar trazendo problemas pra você, vai com calma... mas se der problema, por favor peça minha ajuda, me entendeu? – confirmo com a cabeça. – Não fica se metendo em problemas sérios sozinho, você não precisa passar por isso assim. Pode não ter uma família pra contar, mas tem eu.
– Obrigado, mas mais problemas do que transar em banheiro público com homem casado por 30 minutos só pra sentir que alguém no mundo me deseja? Para. Você sabe muito bem que não é como se alguma coisa pudesse me machucar. – ele me observa por alguns segundos, respirando fundo. José tinha por volta dos 25 anos de idade e por mais que discordasse de muita coisa que eu dizia e fazia, me respeitava.
– Passou tempo demais sem saber o seu valor, né? – ele pergunta e eu dou de ombros. – Entendo. Só não quero que você se meta em uma confusão que depois vai ser de fato impossível de se desvincular por causa de um cara qualquer.
– Ele não é um cara qualquer. O Antônio é o cara mais gostoso e simpático daquela escola. É meu desejo de consumo desde que entrou no time e vai seguir sendo, em especial pelas coisas que as meninas falam sobre ele. – falo.
– E se ele só ficar com caras escondido?
– Eu faço exatamente a mesma coisa, não? Pinto e bordo que tenho uma família que super me aceitaria ou pelo menos não me humilharia, quando na verdade a realidade é bem mais cruel que isso. A questão é que me importo e preocupo tanto com eles que não quero que as outras pessoas achem que eles são detestáveis como são. Um trouxa cuidadoso, é isso que sou. Sofro calado e levo o mundo nas costas como se nada me afetasse, quando tudo o que eu mais queria era sentir que posso conversar com a minha mãe sobre minhas aflições, sem temer que ela me coloque pra fora na primeira frase que eu disser. – explico e José parece ficar sem palavras, por isso se vira pra continuar fazendo o que estava.
– Isso é muito injusto. – ele comenta, depois de alguns minutos de silêncio absoluto. – Enquanto sua mãe provavelmente te condenaria por causa de uma sexualidade que nada impacta no seu caráter, outras passam por cima de leis pra proteger seus filhos de crimes horrendos. – ele me olha por alguns segundos. – Pessoas de merda tem seus atos mascarados pelo amor e dinheiro de outras pessoas, enquanto você tem que sofrer todo tipo de agressão e humilhação calado, por não poder contar com quem te colocou nesse mundo e teoricamente deveria te guardar e cuidar acima de tudo. – meus olhos se enchem de lágrimas. Sempre que eu ia lá e entrávamos nesse tipo de conversa ele falava alguma coisa que conseguia atingir meu âmago da forma mais crítica possível.
Acontece que provavelmente de tanto ter implorado pro universo que queria o Antônio pelo menos uma vez, ele me entregou e eu não tinha dimensão do que viria a partir daí. Aconteceu a primeira vez quando ele estava passando por problemas em casa com seus pais, por causa de problemas de família. Naquela semana ele ficou pulando de casa em casa, procurando abrigo pra não precisar dormir no mesmo lugar que seus pais, sem chamar atenção dos pais dos outros jogadores e aquele dia era a vez dele dormir na minha, porque meus pais amavam demais aquele rapaz.
Minha mãe sempre deixou claro que ele era um cara popular que poderia me apresentar novas pessoas, então queria mesmo que tivéssemos mais contato – e acredito que ele percebeu isso, porque mesmo quando não ia dormir na minha casa, ele passava a tarde com ela lá, conversando.
Por mais que me incomodasse um pouco ter um colega de escola na minha casa conversando com a minha mãe sobre a religião dela, eu mais sentia que ele era o tipo que ficava dando corda pra saber até onde as ideias dela iam do que alguém que estava verdadeiramente preocupado com o que ela tinha a dizer. Antônio era ótimo em examinar os locais onde entrava.
– Posso saber o que tem de tão interessante na minha casa pra você querer ficar conversando tanto com a minha mãe? – pergunto e ele sorri aquele sorriso gostoso, enquanto pensa.
– É engraçado ouvir alguém que eu não concordo em absolutamente nada falar. Sua mãe é tranquila, mas nas entrelinhas dá pra observar o lado preconceituoso dela.
– E por qual motivo você quer analisar ela? – pergunto. – Não é como se ela fosse importante pra você, é?
– Não, mas eu geralmente faço esse estudo com todo mundo, porque assim sei como devo me comportar com cada pessoa. É um jeito de evitar que as pessoas falem mal de mim por aí, por isso é raro encontrar alguém que se disponibiliza a prestar esse papel.
– Isso é coisa de gente manipuladora, sabia? – pergunto e ele me observa, sorrindo levemente e desviando o olhar, como se começasse a flutuar nos seu próprios pensamentos.
– Tá pensando no que? – pergunto pra ele, apreensivo, enquanto fumo maconha pra tentar acalmar a vontade que tinha de agarrar aquele homem lindo que estava deitado sem camisa em cima da minha cama. Por fora eu estava completamente calmo e controlado, por dentro tinha muitas vontades.
Naquele dia ele deixou escapar que queria um cara, então rapidamente minhas orelhas se levantaram para analisar aquele fato, enquanto fumava. Precisava demonstrar que não me importava com nada que ele estava dizendo, para que ele falasse mais – e eu enfim pudesse chegar onde sempre quis com ele. Como Antônio era um cara de difícil relacionamento, sabia que precisava entender e usar o jeito dele ao meu favor, se não jamais teria uma chance.
Descobri ainda que ele ainda não tinha se relacionado com um cara, mas tinha vontade com alguém específico – e pelo o que observei de Antônio nesses anos, apostava todas as fichas em Arthur. Foi aí que decidi que se não fosse naquele dia, não seria nunca mais. Aproveitei que ele estava relativamente confortável e ofereci meu cigarro pra ele, que a primeiro momento negou, mas por causa dos pensamentos paralelos acabou aceitando e ao se render a isso ele se rendeu também aos seus desejos.
Foi ali que criamos algo. No começo algo extremamente doentio e preocupante – mas pra mim definitivamente não era como se fosse a primeira vez me enxergando em um "relacionamento" dessa forma. O que me surpreendeu no final das contas foi que aquela foi a primeira vez que não aguentei.
Mesmo que ele me tratasse como gente, me senti humilhado de diversas formar diferentes, seja por ele me chamando por outro nome ou me ignorando totalmente nos treinos, como se eu valesse ainda menos do que quando ele não estava tendo relações comigo. Eu nunca tinha sido de fato tão desejado e desdenhado na mesma proporção e pela primeira vez essa dualidade de tratamentos começou a me ferir profundamente, porque enquanto estávamos nos relacionando eu fantasiava que ele gostava muito de mim e depois tudo isso desaparecia e eu percebia que mais uma vez estava criando um verdadeiro conto de fadas na mente.
Nesse começo chegávamos a transar várias vezes ao dia e ele me mordia, dava estocadas fortes e realmente me agarrava como se eu fosse sua propriedade – o que eu achava excelente –, mas me chamava por outro nome, não perguntava nem mesmo uma vez como eu estava e se me visse chorando preferia ignorar do que demonstrar qualquer tipo de humanidade. Eu sequer podia beijá-lo.
Com o tempo, no entanto, as apostas da minha mãe estavam corretas, porque por causa das pouquíssimas vezes que fomos vistos trocando mais que 3 palavras, o grupo de amigos dele começou a me convidar para fazer parte daquele meio – mas eu sabia que ele não gostava muito disso, então todas as vezes que íamos transar depois que eu conversasse mais do que deveria com seus amigos, ele me tratava da pior forma possível e isso começou a somar em todo o resto.
– E como é? – José me pergunta, enquanto conversamos sobre como eu me sentia em relação ao Antônio.
– Não sei, um lixo. – respondo e ele me encara por alguns segundos.
– Por que? Você sempre deu pra gente merda e nunca se importou com isso.
– É, mas ele eu não sei... não sei se eu esperava lá no fundo que ele fosse melhor, ou se eu sei que ele pode ser, mas não quer ser comigo. Os outros eu já sabia que não ia dar em nada, mas ele, acho que mesmo assim esperei que pudesse dar pela forma carinhosa como eu via ele tratar Arthur, sabe? Mas acabei me esquecendo que eu não sou o Arthur. – falo e ele me observa por alguns segundos.
– Se tá ficando insustentável pra você, faz com que seja pra ele também, assim pelo menos cria coragem de acabar por causa do calor do momento. – José sugere.
– Como? – pergunto e ele dá de ombros.
Fiquei me perguntando constantemente o que poderia fazer para que ele ficasse com raiva de alguma atitude minha – já que até aquele momento eu tinha aceitado tudo que ele queria fazer comigo – e achei uma resposta. Acabou que em um dia qualquer eu o beijei e lembro até hoje a sua expressão.
Aquela foi a nossa primeira discussão. Percebi naquele momento que ele estava vivendo em um vício automático tão forte que sequer percebia o quanto me tratava como lixo na maior parte do tempo e por alguns segundos até considerei que talvez ele não fizesse por ser uma má pessoa e sim por não saber exatamente como ser uma pessoa minimamente agradável mais. Era como se ele tivesse matado uma parte dele há muito tempo e agora só tivesse a carcaça. Por conta disso tudo tivemos nossa primeira separação desde que tínhamos começado a nos relacionar.
Fiquei orgulhoso de pela primeira vez me ver dando as costas para um relacionamento ruim. Mesmo que Antônio não tivesse me oferecido muitas coisas boas, ele tinha sido o primeiro a me forçar a ser minimamente decente comigo mesmo – mesmo que inconscientemente – e isso era uma loucura se eu colocasse em reflexão.
É claro, no entanto, que isso não durou de forma consistente por muito tempo, porque eu acabei percebendo que tinha ficado levemente viciado nele também. Nem mesmo fumar era a mesma coisa sem ele e eu tinha completa noção que José também sabia disso. Logo, foi em uma festa que nossos colegas fizeram que tivemos uma recaída diferente. Ao contrário do que ele sempre fazia – controlar e manipular nossa relação ao máximo – Antônio foi relativamente carinhoso comigo. Ele me beijou, cuidou de mim e me tratou pela primeira vez como alguém que se esforçava para ajudá-lo como podia. Acredito que foi nesse dia que percebi que estava completamente apaixonado por ele, mas nunca achei que poderia realmente falar isso pra ele em algum momento.
Apresentei Antônio para José, que brigou bastante por ele ter me tratado de forma desprezível no começo do nosso relacionamento e por incrível que pareça Antônio até mesmo pediu desculpas por isso, sem rebater nenhuma das broncas de José – o que era raro pra alguém que não levava desaforo pra casa. Durante todo o resto do tempo que ficamos juntos ele me tratou como um príncipe – o que me deixou levemente preocupado no começo, admito. Tive medo que esse comportamento fosse apenas para me viciar em um ciclo problemático de uma relação ruim em que ele fica insustentavelmente grosseiro, eu explodo, terminamos e quando ele percebe que está realmente sem mim, finge uma nova e boa personalidade pra me manipular.
O curioso é que em nenhum momento, mesmo sabendo que no começo ele tinha uma queda grande por Arthur, não fiquei com ciúmes dele ou julguei como se essa relação deles fosse o motivo pelo qual jamais poderia prosperar com Antônio. Não sei, talvez ao perceber que ele estava mais próximo de Alex que Antônio e percebendo o quanto Antônio era problemático, julguei que Arthur seria inteligente o suficiente para escolher o outro e não ele. E foi o que aconteceu. Esperava apenas, então, que Antônio fosse inteligente o suficiente para perceber que aquele ciclo vicioso dele com Arthur o segurava de ter algo verdadeiramente real com alguém, porque era basicamente isso que o prendia.
Aliás, é importante dizer que por causa de um episódio traumático na vida Antônio – que foi a morte de seu padrasto, que ele levava como se fosse seu pai por ter sido criado por ele – fez com que ele ficasse relativamente mais carente quando enfim passou a confiar de fato em mim. Ele foi de um cara que só me fodia e ia embora, pra alguém que sempre que podia queria dormir de conchinha, chorava e acordava de madrugada com sustos, choramingando por carinho e acalento. Era como se ele conseguisse esconder muito bem que era um cara verdadeiramente perturbado quando precisava se passar por alguém forte, mas na verdade era apenas uma pessoa desestruturada que precisava de cuidados, mesmo negando-os.
No geral, com o tempo ele parou de dar assunto para as meninas que corriam atrás dele, não dava assunto pra ninguém e além de mexer no celular na minha frente – deixando claro que não tinha nada a dever –, ainda pedia às vezes, para que eu fizesse coisas no aparelho pra ele, como se demonstrasse que confiava em mim. Isso pode parecer pouca coisa, mas pra alguém sistemático e extremamente fechado como ele, era um grande passo e todas as pequenas melhoras dele com o passar do tempo passaram a significar muita coisa.
– Seus pais foram viajar já? – ele pergunta, assim que abro a porta e eu concordo com a cabeça, dando espaço para que ele entre.
– O que quer? – pergunto e ele me beija.
– Primeiro, isso. – diz, se referindo ao beijo. – E em segundo lugar, trouxe coisa pra gente fazer brownie, vi uns tutoriais no youtube de como fazer e a gente podia testar, o que acha? – ele pergunta.
– E você vai dormir aqui comigo? – pergunto de volta e ele concorda com a cabeça.
– Não posso deixar meu neném sozinho. – responde e eu sorrio, sentindo ele passar a mão no meu rosto, puxar meu queixo e me dar um beijo na testa em seguida.
Naquele dia ele fez o brownie, enquanto eu dava apoio moral e me tratou como se eu fosse um verdadeiro rei. Pra mim, naquelas semanas que vivemos intensamente, ele demonstrou uma melhora na forma como me tratava tão grande, que me perguntei diversas vezes se o Antônio tinha sido trocado por alguma outra pessoa – mesmo que pra outras pessoas de fora ele continuasse frio, como sempre. Enquanto estávamos comendo, então, veio a conversa que me quebrou inteiro:
– Obrigado. – ele fala e eu fico confuso.
– Pelo o que? – pergunto e ele dá de ombros, me olhando. Estávamos deitados no chão, enquanto comíamos.
– Por me salvar de mim mesmo, mesmo que durante esse tempo. Pra mim foi muito difícil entender que você realmente se importava comigo, sabe? Principalmente por eu ser detestável e já ter me colocado em um pedestal alto. Por sua causa eu desci dele e me coloquei no meu lugar, João. Nunca vou admitir pra ninguém nem repetir isso novamente, mas não suportaria te perder definitivamente por ser uma pessoa de merda. – me viro pra ele, olhando em seus olhos.
– Não precisa agradecer. Acho que eu não contava que eu iria me apai...
– Não fala. – ele me interrompe e eu continuo olhando-o. – Se disser, eu vou me sentir na obrigação de ir embora. Não quero atrair problemas pro homem que conseguiu domar esse monstro que é meu coração.
– Antônio... – tento falar, em tom de advertência.
– Não se pode curar um amor com outro, João, e é por isso que preciso deixar claro que você não foi um substituto pro Arthur, na verdade seu trabalho na minha vida foi e continua sendo outro.
– Qual? – pergunto.
– Você tirou as raízes tóxicas que estavam manipulando minha mente e meus ombros, confundindo ciúmes com amor quando o assunto era o Arthur. O fato é que eu nunca amei ele de verdade, eu tinha um sentimento de querer possuí-lo, como um objeto... – respiro fundo, aliviado de ouvir aquilo. Ficava verdadeiramente feliz por ele enfim ter enxergado isso.
– E o que eu fiz? – ele sorri, olhando para frente.
– Você me ensinou a amá-lo. – meus olhos se enchem de lágrimas e eu permaneço em silêncio, desviando o olhar dele. – O que foi?
– Há algum tempo atrás essa frase só poderia ser dita por alguém nos meus sonhos mais fantasiosos. – respondo, tentando me controlar para não chorar mais e ele se levanta, vindo até mim e me puxando. Me levanto e o abraço, chorando copiosamente ali, enquanto ele passa sua mão pelo meu pescoço e costas.
– Eu amo você, João. – ele diz e eu choro ainda mais. – Amo verdadeiramente você. – ele olha nos meus olhos. – Você é a pessoa que eu quero construir uma família e um futuro, mas preciso que considere a possibilidade disso nunca acontecer.
– Por qual motivo?
– A vida é imprevisível. – é tudo o que ele diz e eu permaneço olhando-o.
E realmente foi. Antônio acabou se envolvendo em um crime que ficou conhecido por todo o país. Ouvi minha mãe falar coisas absurdas dele, o que me deixou verdadeiramente incomodado, mas não pude dizer nada. Por muitas vezes senti necessidade de ir vê-lo, pra saber como ele estava, mas José me impediu todas elas.
Tive, inclusive, sensações de estar sendo perseguido algumas vezes por homens que nunca tinha visto – mas em todos esses momentos José se desdobrou pra não me deixar só e passou a andar armado para me proteger, o que me deixou ainda mais apreensivo. Durante todos os anos que Antônio ficou preso eu me senti verdadeiramente acuado, como se a qualquer momento alguém pudesse me fazer mal e no dia que ele foi liberado enfim pude vê-lo mais uma vez.
Alex me emprestou seu carro com vidros escuros e mandou que alguns seguranças me acompanhassem em outros carros no dia de buscar Antônio, que entrou no meu carro, que era o segundo daquela fileira, sob instruções dadas pelo irmão no dia anterior. Assim que abriu a porta e me observou, ele ficou parado por alguns segundos, sem acreditar que eu realmente estava ali, entrando no automóvel em seguida.
– Eu não... meu irmão disse que você viria, mas eu não acreditei. – ele comenta, aparentemente envergonhado e eu puxo seu rosto, olhando em seus olhos.
– Acha que eu ia deixar de vir buscar meu homem? – pergunto. – Alguma vez eu já demonstrei que não era totalmente surtado por você? – ele sorri, negando com a cabeça e me dando um beijo em seguida. – Guarda essa saudade pra daqui a pouco, vai precisar. – digo, acelerando o carro e saindo dali em seguida.
Na pista eu e os seguranças que estavam nos outros carros embaralhamos bastante, para despistar qualquer pessoa que estivesse nos seguindo e dado certo momento cada um foi pra um lado. Eu acabei indo parar no prédio que Alex morava – onde ele tinha comprado um apartamento para Antônio. Eu estava responsável por mostrar essa surpresa pra ele.
– O que é isso? – ele pergunta, entrando no lugar. – É seu? Seus pais te deram?
– Não, é seu. Seu irmão te deu. O apartamento e o carro que estávamos. – digo e ele me encara, sem entender. – Está totalmente mobiliado, só vai precisar sair pra comprar roupas e mudar um pouco seu visual, pra não ser reconhecido com facilidade na rua. Por já ter se passado 3 anos desde o que aconteceu, você mudou muito, a maior parte da população não vai te reconhecer, mas é melhor evitar por causa do quanto que seu caso ficou famoso. – ele se vira pra mim, pensando um pouco.
– Só pode ser brincadeira. – falo. – O Alex não me falou sobre isso.
– Como foi lá? Eles te trataram muito mal? – pergunto. Estava há anos sem falar diretamente com ele, sabendo por cima o que ele tinha vivido apenas pelas cartas que ele me mandava.
– Não, todos entenderam meus motivos. É claro que ninguém concordou com o que eu fiz, mas pelo menos não fui tratado como um animal. – ele explica e eu concordo com a cabeça. Antônio, então, tira a blusa e eu vejo que ele estava muito mais gostoso do que quando foi preso. – Fui até que bem alimentado, olha só... fiquei fazendo exercícios pra não ficar sedentário... – vou andando até ele, beijando-o brevemente e olhando em seus olhos em seguida e vi seu olhar pra mim mudar, se transformando instantaneamente em um olhar de puro desejo. Por mais que quisesse saber o que ele tinha feito e como tinha sido o período de internação, não era uma pessoa controlada o suficiente pra ignorar aquele homem daquele jeito na minha frente.
Naquele primeiro dia não nos relacionamentos apenas uma, como várias vezes. Ele conseguiu me deixar tão cansado quanto deixava quando estávamos na escola e quando perguntei como ele conseguia ter tanta energia, ele me explicou que passou muitos anos sem ter nenhum tipo de contato íntimo com alguém – confesso que fiquei até feliz de saber isso, porque tinha muito medo que ele acabasse saindo de lá namorando outra pessoa – e agora podia aliviar todos os anos de seca com quem ele realmente queria.
Daí pra frente nossa vida ficou um tanto quanto unificada. Eu já estava quase me formando na faculdade de direito e ele terminou por entrar na dele aquele ano. Acabei passando mais tempo em seu apartamento do que na minha casa, o que não deixou minha família muito feliz, mas tiveram que engolir e engoliram até mesmo o pedido de casamento que veio anos depois.
Se me perguntassem se algum dia eu realmente considerei me tornar um "caso" tão sério pra ele a ponto de me casar com ele, eu negaria. Por mais que quisesse, era difícil pra mim realmente considerar que iria me casar algum dia com Antônio – ou com qualquer pessoa e ser verdadeiramente amado –, mas aqui estávamos. Mesmo que eu sequer recomendasse pra alguém que entrasse em um relacionamento péssimo como eu tinha feito, pelo menos no meu caso a vida teve piedade e me deu um final feliz.
Sabia que esse era um caso em um milhão, mas estava feliz de ser o um por cento que deu certo, mesmo sabendo que se ele não quisesse mudar, de nada meus esforços teriam servido. Isso, porque não existe essa coisa de uma pessoa transformar outra, existem casos raros em que a própria pessoa percebe o quão ruim era e tenta melhorar – e esse foi nosso caso.
– Ae! – todos os nosso convidados comemoraram quando terminamos de assinar os papéis, enquanto dávamos um beijo. Não tínhamos escolhido uma cerimônia religiosa, porque tanto eu quando Antônio não seguíamos nada do tipo.
Na hora de jogar o buquê, ele acabou caindo na mão de Arthur, que encarou Alex por alguns segundos e todos caíram na gargalhada em seguida. Durante o resto do dia fizemos uma pequena comemoração em um salão de festas, para nos despedirmos dos nossos convidados, já que iríamos viajar em pouco tempo. Ao chegarmos em casa, deitamos cansados na cama.
– Eu te amo pra caralho, João. Juro que vou me esforçar ao máximo pra te dar todo meu amor e a minha melhor versão. – Antônio comenta e eu o observo. – Obrigado por ter me esperado, mesmo depois de eu ter feito a escolha errada sem te pedir ajuda.
– Da próxima vez eu juro que começo a me relacionar com outro. – brinco e ele pula em cima de mim, segurando meu rosto, enquanto ri.
– Você não ouse... – diz, em tom de advertência e eu começo a rir, enquanto ele começa a descer seus beijos pelo meu pescoço, me fazendo gargalhar com as cócegas.
– Não ouso! Não ouso! Me rendo! – digo e ele me olha nos olhos, começando a me beijar mais uma vez. – Eu também amo você, Antônio, por favor não me machuque mais. – digo, quando ele para e ele concorda com a cabeça, deixando que algumas lágrimas saiam de seus olhos. Eu, então, o puxo para que ele me beije mais.
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