Vinte e Quatro

Olá Alecrins, tudo bem com vocês? Desculpem-me o atraso, mais uma vez, mas os últimos capítulos tem demandado muito tempo em pesquisa para não errar por desinformação. Espero que gostem desse capítulo, então, se possível, deixem suas estrelinhas aqui!

Lira estava saltitante, sua felicidade era contagiante. Alexia estava orgulhosa de ver sua pequena sem temer mostrar sua verdadeira essência, parte de quem era. A mais velha caminhava até o pátio de braços dados com Miguel, observando sua menina correr para encontrar Clara e Akili. Em poucos minutos, a barraca de Miguel já estava montada e ele expunha as comidas típicas de seu país, bem como apresentava alguns artesanatos que ainda tinha consigo. Depois de o ajudar, a namorada foi ao encontro das irmãs e cunhados, que lutavam para montar seus estandes.

— Sério que nenhum dos dois consegue fazer essa tenda ficar em pé? — Ralhava Alice, com as mãos sobre o avantajado ventre, e um olhar fulminante para o marido e o cunhado.

A morena mais baixa estava com uma roupa tipicamente italiana, que era composta por uma saia plissada e volumosa, de cor vermelha com detalhes em branco, corpete com mangas brancas e colete preto com fitas verdes para o prender, embora um pouco frouxas por causa da gravidez. Por cima havia um avental branco com detalhes em vermelho e verde.

— Olha, a culpa é do Pedro, ele não consegue seguir as instruções de uso da tenda. — Defendeu-se André. O loiro estava com camisa xadrez, chapéu, botas caramelo, e cinto com fivela a prender as calças jeans. Havia decidido ir com roupas parecidas com as de Alessandra, e não como seu irmão.

— Eu não tenho culpa se sempre vêm peças a mais no kit. — Pedro suspirou cansado, ao ver que mais uma vez sobrava um cano e finalmente levantou os olhos para a cunhada recém-chegada, que observava a cena prendendo o riso. — Ah! Oi, Ale. — Os outros dois que estavam ali se viraram para a morena de olhos verdes para a cumprimentarem.

— Eu não sei se eu rio de vocês não conseguindo montar a tenda, ou se acho fofo vocês dois combinando. — Apontou para Pedro e a esposa. Sim, o ruivo também vestia um traje italiano, com meias brancas por cima das calças pretas, camisa frouxa branca e um colete azul marinho por cima. A gravata era vermelha para combinar com a roupa de Alice, assim como a faixa usada como cinto.

— Pedro me fez vestir isso. — Alice reclamou, embora não estivesse de fato descontente. — Disse que também tínhamos que representar sua parte italiana, já que o André se rendeu à San e veio como vaqueiro, igual você. — Completou a outra, indo à mesa já montada e olhando mais uma vez as instruções de montagem do estande.

— Na verdade, a ideia foi da Lice, já que foi ela quem comprou as roupas na internet. — Dedurou o gêmeo ruivo, e André riu, olhando ao redor para ver se encontrava a esposa.

— Você sempre acaba com a graça das histórias, Panda. — Resmungou Alice, encontrando o problema deles ao observar o manual. — Aqui está o problema, vocês sempre encaixam a peça errada. — Bufou. — Vocês dois nunca montaram lego? Eu não posso ficar aqui para sempre, tenho que supervisionar os alunos. — Virou-se para a irmã que também havia se aproximado da mesa e via o que haviam feito de errado. — Ale, você e o Miguel já montaram a tenda dele e de Lira? — Perguntou em tom de súplica e a outra riu assentindo.

— Sim, foi rápido até. — Pedro e André a encararam quase emburrados e ela gargalhou das expressões dos gêmeos. — Eu ajudo vocês. Lice, pode ir para seu posto de professora. — Colocou a mão sobre o ombro da irmã. — E, a propósito, você está muito fofa nessa roupa. Parece uma bonequinha.

— Obrigada, Ale. Uma bonequinha grávida que está morrendo de calor e se arrependendo da decisão de vir com tanta roupa. — Alexia riu e pensou que as duas eram mesmo parecidas em alguns pontos. — E, eles são todos seus. Boa sorte para tentar ajudar esses dois cabeças-duras. — Dito isso, a mais baixa saiu dali, não antes de depositar um beijo terno nos lábios do marido, que ficou a observando sair com um sorriso bobo no rosto.

— André, onde está a San? — Perguntou a morena, pegando as peças certas para as encaixar. O ruivo já havia entendido que a esposa estava longe e se abaixava para ajudar a cunhada.

— Ela estava com Akili e Lira em uma sala, eles estavam ensaiando. Já deveriam ter voltado, se ela estivesse aqui já teríamos terminado isso aqui. — Reclamou ele, provocando uma gargalhada na morena.

— Voltei. — Alessandra parou ao lado dos três que estavam agachados, juntando as peças. O marido se sobressaltou e deixou cair uma peça sobre o pé, praguejando em seguida. — Eu não entendo, vida, cinco anos e você continua se assustando? — Ela sussurrou, ajoelhando-se ao lado dele e puxando o manual para si. A mais velha das Ribeiro, assim como a irmã caçula, havia optado por uma opção que lembrava sua origem sertaneja. Embora, em vez de calças jeans, usava uma saia preta de pregas, camisa xadrez em tons de verde água, chapéu de vaqueiro, e botas pretas de cano alto.

— Meu coração nunca vai se acostumar. — Ele respondeu no mesmo tom, buscando os lábios da esposa.

Com a ajuda das duas Ribeiro, em dez minutos eles já estavam com a tenda montada, e os gêmeos perceberam que elas eram melhores nisso do que eles. Foram atrás dos cartazes, comidas e artesanatos que deixariam ali na exposição. Como Clara fora criada na Espanha e Akili era tanzaniano, dividiriam o estande em duas partes, uma para a apresentação da garotinha, e outra para mostrar coisas típicas do país do pequeno.

— Agora que ajudei vocês, posso voltar ao meu trabalho? — Perguntou a mais nova, e os três riram de sua expressão enfadada. A verdade é que estava irritada por ter perdido tempo que poderia ter passado com Miguel, e naquele momento era requisitada para resolver questões burocráticas da escola.

— Eu sei que você nos ama, Ale. — André brincou ao ver como a outra se afastava, incomodada por não poder voltar ao namorado.

— Amaria mais se não fossem tão dependentes. — Replicou ela em alta voz, já distante da tenda da família, causando a risada ampla nos demais.

Durante boa parte da tarde, tanto ela quanto Alice estavam tão ocupadas com os assuntos oficiais da escola que pouco puderam estar com a família. Mas, de modo geral, estavam felizes ao ver que o projeto estava atingindo seu objetivo. Carlos, o pai dos gêmeos e de Clarinha, apesar da saúde fraca, havia conseguido comparecer, ficando todo o tempo sentado dentro da tenda em que estavam os filhos e neto.

— Papai, eu decorei o poema todinho. — Clarinha estava com as bochechas rosadas, fruto de passar as últimas horas a caminhar apressada pelos estandes com Lira e Akili. Ela estava com um vestido preto com vermelho, cheio de babados, e tinha uma fita vermelha no cabelo cacheado, fita esta que já estava prestes a se soltar. A pequena encostou-se no pai, cansada, mas tranquila, e os gêmeos observaram a cena.

— Tenho certeza que vai ser uma linda apresentação. — O mais velho falou, a voz fraca, e passou os dedos enrugados pelo cabelo da pequena, tratando de apertar o laço para que não se desfizesse.

O ruivo e o loiro estavam estáticos a observarem como o pai era terno e presente na vida da filha caçula. Alguns anos antes, eles tinham certo ressentimento ao pensarem que o progenitor nunca havia sido presente em suas vidas quando crianças. Mas agora, vendo como o mais velho se esforçava em ser um bom pai para a pequena Clara, mesmo estando tão doente, não conseguiam nutrir rancor. Em suas mentes só conseguiam pensar que a garotinha merecia todo o carinho do mundo e que eles mesmos estavam dispostos a darem tudo para que ela tivesse uma infância feliz.

— Clarinha, você viu o Akili? — Alessandra perguntou para a pequena cunhada, que se virou para a encarar.

— Ele está com a Lira na tenda dela. Eu disse que ia vir contar para o papai que havia aprendido o poema, depois vou lá também. — A ideia era que as crianças e seus pais apresentassem sua cultura, mas a maioria dos pequenos passava mais tempo brincando e indo de um lugar a outro com os colegas do que em suas próprias tendas.

De longe, Reinaldo observava como aquele evento havia atingido seu objetivo de uma forma não pensada. As crianças pareciam empolgadas em descobrir mais de cada cultura, andando de um estande a outro, percorrendo com olhos curiosos cada aspecto cultural antes desconhecidos. Os pais de alunos que eram de outros lugares haviam se desdobrado para aparecerem e mostrarem um pouquinho de suas origens. Os pequenos estavam orgulhosos de vestirem roupas típicas e levarem seus colegas até suas tendas para experimentarem as comidas que haviam levado.

Era evidente que a maioria das crianças presente estava interessada em conhecer mais das outras culturas e isso só deixava mais claro que elas não nascem más e preconceituosas, são ensinadas a ser por causa do comportamento e falas dos adultos. Isso não poderia continuar assim, não em sua escola. Pela primeira vez em anos, sentiu que fazia algo realmente valioso. Pegou sua carteira no bolso das calças e a abriu, encontrando uma foto antiga. Ela teria orgulho dele, pensou com um sorriso, antes de guardar novamente a carteira, e caminhar mais por aquele pátio tão rico culturalmente.

Lira e Akili caminhavam de mãos dadas para "ele não se perder", dizia a pequena astuta. Gostava de estar com aquele amigo que sempre a ouvia e nunca discordava de suas opiniões. E também gostava de estarem quase parecidos. Sim, o pequeno albino vestia uma túnica africana em tons muito parecidos à vestimenta de Lira, amarelo, vinho e azul. Ele começaria a estudar no ano seguinte e por isso queria apresentar tudo ao amigo, agora primo.

— Vamos comer jalebis, Akili. O Rad do quarto ano B é indiano e disse que a mãe dele fez um monte de comida. — Ela explicou em inglês, e o menino ao seu lado, sem usar palavras, concordou com um aceno, embora não soubesse sobre o que a garota falava. — Meu pai também trouxe, mas acabou tudinho já. — A menina mostrava-se feliz com esse fato, muito sorridente.

Miguel estava de braços cruzados observando sua pequena se afastar de mãos dadas com o sobrinho de sua namorada, a ponto de não se dar conta da aproximação de Alexia. Ela se aproximou sorrateiramente por trás e o abraçou pelas costas, encostando seu queixo sobre o ombro esquerdo dele.

— É um pai ciumento? — Ele sentiu que relaxava ao ouvir a voz que tanto amava, e soltou os braços que estavam cruzados, assumindo uma expressão mais serena.

— Não, eu só não quero que minha menina cresça e se case. Queria que ela ficasse assim para sempre, sendo minha princesinha. — Ele confessou, descansando as mãos sobre as dela, que lhe rodeavam a cintura.

— Sabe que isso vai acontecer um dia, né? Ela vai crescer, vai sair de casa, e mesmo que não se case, essa pequena vai voar. E talvez seja com ele. Seria uma história bonita. — Brincou para o provocar e ele a puxou pelo braço para que estivesse de frente para si, sem se importar realmente com os olhares curiosos de alguns ali. Já era fim de tarde e em alguns minutos começariam as apresentações.

— Não faz isso com meu coração, Lexi, não estou pronto para essa conversa. — A morena riu e depositou um breve beijo em seus lábios. — Mas, não importa o que ela decida no futuro, eu sempre vou a apoiar. Ela é meu presente, e mesmo que tudo passe rápido demais, sempre estarei ao lado dela. — Alexia o encarava fixamente, encantada com a maneira que ele falava da filha. Será que um dia teriam outro filho? Uma mistura dos dois, mais alguém para amar tanto quanto amavam Lirhandzo?

— Mugui, você quer mais um filho? — Ela perguntou sem temer, e ele se assustaria se não estivesse acostumado à assertividade dela em dizer o que pensava. — Tipo, se a gente se casar um dia, você vai querer ter outro filho?

— Primeiro, a gente vai casar, não é se. — Ela gargalhou, colocando os braços ao redor do pescoço dele, sabendo que poderia levar uma bronca por sua demonstração de afeto em público. — E sim, eu quero. Um menino ou menina que seja um pouco de nós dois. E você, quer isso?

— Eu quero. — Ela contestou, os olhos verdes assumindo uma expressão de convicção. — Mas só um, não quero três como a Lice. — Brincou e Miguel riu de sua fala.

— Acredito que ela também não esperava três, não de uma vez. — Tornou o moçambicano com um sorriso, acariciando sua bochecha em seguida. Eles aproveitavam aquele curto momento em que podiam estar juntos, desejando que o tempo não passasse tão rápido.

Mas passava, e por essa razão, minutos depois, Reinaldo subiu no improvisado palco para chamar a atenção de todos, pois logo se iniciariam as apresentações. Os funcionários da escola, o que incluía Alexia, buscaram as cadeiras das salas de aula para as colocarem no meio do pátio, a fim de que a maioria dos presentes pudesse ter um lugar para se sentar. As crianças que não se apresentariam ficaram com os pais, e algumas se sentaram no chão do pátio, sem se preocuparem realmente com convenções. O céu mesclava-se em tons de laranja e roxo, anunciando o início da noite, e o clima era ameno. Logo, todos estavam acomodados à espera do início das apresentações. Reinaldo havia combinado que Alice abriria com um discurso, visto que a ideia inicial havia sido dela, e em sua sala havia a maior mistura étnica.

Os gêmeos e o pai deles se sentaram nas cadeiras mais a frente, enquanto as irmãs ficavam nos bastidores com as crianças. Miguel havia insistido em ajudar nos preparativos, mas Alexia pediu que ele se sentasse para ver a apresentação da filha, seria importante para ela o ver à sua frente, seria um incentivo a mais para a pequena.

Alice olhava para os alunos e alguns pais que estavam ali para dar apoio aos filhos e suspirou. Era hora de começar. Estava feliz com o resultado e mesmo que a mudança de opinião fosse gradativa, não instantânea, sabia que aquele projeto havia sido um grande passo. Assim, ao ouvir seu nome ser dito pelo diretor, ela olhou mais uma vez para as irmãs, que faziam um sinal positivo com os dedos polegares, e foi até o palco.

Ela se apresentou como professora do terceiro ano A, explicou sobre o projeto e deixou claro os objetivos. Não queriam que situações racistas e xenofóbicas continuassem na escola, e no último mês haviam trabalhado diversos assuntos em classe. Os alunos precisavam entender que as diferenças, a diversidade, era o que deixavam o mundo mais bonito, mais colorido, e todos, independente de cor e origem, deveriam ser respeitados. Deveriam poder mostrar mais de suas culturas e costumes sem temer a ridicularização de alguns. Ela terminou lembrando que a igualdade, o respeito e a educação com outros, era algo que deveria ser trabalho em casa, além do ambiente escolar.

Depois do discurso dela e dos insistentes aplausos de todos os presentes, começaram as apresentações de alunos e não alunos, cada um trazendo um pouco de sua cultura. Entre danças regionais, jograis, declamações de poemas, a hora de Clara se apresentar chegou rapidamente. Confiante, a pequena andou até o palco e se apresentou sem medo:

— Meu nome é Clara Silva Morato. Minha mãe era brasileira, mas eu nasci na Espanha. Então tenho dupla nacionalidade, meu pai que disse isso. Lá onde eu morava, eles falam espanhol. É um pouco diferente do português. Eu gosto da Espanha e gosto do Brasil também. Eu gosto dos dois porque aprendi coisas diferentes em cada país. Meu pai disse que eu não preciso esquecer o que aprendi lá só porque vim morar aqui, posso guardar um pouquinho de cada lugar para mim. Hoje eu vou apresentar um poema de Antônio Machado, um poeta espanhol. — Ela parou por um momento, ajeitou os óculos e se lembrou que deveria acrescentar informações.

Depois de lembrar o que deveria dizer, continuou:

— Ah, essa roupa aqui é usada pelas dançarinas de flamenco, uma dança muito conhecida na Espanha. — Apontou para si. — Não vou dançar porque não sou boa dançando, por isso vou declamar o poema. — Ela fez uma pausa dramática para se preparar. Todos riram de sua espontaneidade, e na plateia, Carlos parecia emocionado ao ver a confiança de sua pequena em falar sobre si e sua criação.

Ele errara muito com seus filhos mais velhos, nunca comparecia às apresentações, sempre estava muito ocupado. Não faria o mesmo com sua filha caçula, estaria sempre presente, embora, ao sentir a respiração pesada, não tivesse certeza de quanto tempo teria para acompanhar seu crescimento.

O poema, na realidade, era a junção de três estrofes diferentes da coleção "Proverbios y cantares" de Antônio Machado. Ela declamava sem necessitar de um esboço, e logo terminava a estrofe com a tradução em português. Todos na plateia ficaram surpresos com a desenvoltura da garotinha, e os gêmeos sentiam orgulho da pequena irmã, que já mostrava que cresceria com muita personalidade.

— Clarinha vai conseguir qualquer pessoa a fazer o que ela quiser. Olha como ela mostra emoção! — André murmurou para o moçambicano ao seu lado, recebendo um aceno enérgico em resposta. Pedro, ao lado deles, não conseguia tirar os olhos da irmã, imaginando como seria quando seus próprios filhos também estivessem ali. Se estava tentado a chorar ao ver Clara declamar um poema, como seria então quando seus pequenos apresentassem algo na escola?

— Todo pasa y todo queda/ pero lo nuestro es passar/ pasar haciendo caminhos/ caminos sobre la mar. — Era a última estrofe e Clarinha suspirou antes de traduzir os versos com a maior desenvoltura possível. — Tudo passa e tudo fica/ e o que nos cabe é passar/ passar fazendo caminhos/ caminhos por sobre o mar. — Assim que terminou, ela esperou as palmas com ansiedade, procurando com o olhar seu pai e irmãos, e assim que os viu levantar e bater palmas, abriu um gigante sorriso, feliz por ter conseguido desempenhar seu papel. Alessandra e Alice a abraçaram assim que ela saiu do palco, e uma olhou para a outra, percebendo o quão importante era a participação da família na vida dos pequenos.

— Eu ouvi, Clarinha. Você foi demais! — Lira se levantou do banco para abraçar a amiga. Pela personalidade, podia-se dizer que a mais nova era quase o retrato de Alexia em suas atitudes. Era carinhosa, mas também enérgica e impulsiva.

Faltavam apenas duas apresentações para que chegasse a vez de Lirhandzo e Akili. Por causa do peso do turbante, a caçula das Ribeiro havia trocado o penteado da pequena, usando apenas uma faixa colorida a rodear o cabelo, para que ela ficasse mais livre na hora de dançar. A saia também era mais aberta que a anterior, e os tons eram mais puxados para o verde, azul e vermelho. O pequeno Akili também usava calças mais soltas e havia trocado a túnica por uma camisa feita no mesmo material da saia de Lira. Eles perguntavam a todo momento se já era hora de se apresentarem, recebendo os olhares divertidos de Alexia, que era a responsável pela ordem das apresentações. Ao receberem o sinal verde para que subissem no palco, a menina quase não esperou seu companheiro, tamanha sua ansiedade para começar.

— Oi, eu sou Lirhandzo Miguel Mahene e esse é o Akili Ribeiro Morato, meu primo. — Ela já se considerava parte da família e ninguém ousaria contrariá-la nesse aspecto. — Eu nasci em Moçambique, ele nasceu na Tanzânia, que fica em cima de Moçambique no mapa. Eu sei porque minha mãe me mostrou o mapa. — Ela olhou para a lateral do palco, mas não conseguiu ver o olhar lacrimejante da morena mencionada. — O Akili ainda não fala português direito, ele fala inglês e suaíli. Suaíli é uma língua da Tanzânia. Mas ele está aprendendo português comigo, a Clarinha e a tia Alice. — Ninguém conseguia se manter indiferente enquanto ela falava. Todos pareciam realmente interessados para saberem o que a garotinha tinha a dizer. — Eu vim para o Brasil quando era bem pequenininha, por isso não lembro muito de Moçambique, mas meu pai me ensina muita coisa de lá, e eu estou aprendendo Changana, que é a língua do meu pai. Minha mãe disse que eu não preciso esquecer da minha cultura de Moçambique, que isso faz parte de quem sou e não preciso ter vergonha. — Alexia se sentia tentada a subir no palco para abraçar sua menina ao ouvir suas palavras espontâneas. Pelo visto, as meninas da família não gostavam de seguir roteiro e preferiam falar como as palavras lhes vinham na mente.

— Espera ela apresentar. Não vai lá agora. — Alice sussurrou para a irmã ao perceber sua intenção.

Miguel estava emocionado. Sua garotinha estava ganhando confiança em mostrar quem era, sem temer a reação alheia. André também estava admirado ao ver como seu pequeno filho parecia tranquilo ao lado de Lira, apenas esperando o sinal para começarem a dançar. Miguel e Alexia haviam escolhido as músicas. A primeira era uma música mais agitada, com batidas de tambores e mescla de instrumentos musicais africanos, quase sem nenhuma letra. Todos ficaram boquiabertos ao verem a desenvoltura das duas crianças, que seguiam o ritmo com destreza e harmonia, sem demonstrarem cansaço. Essa era a primeira parte da apresentação, e logo em seguida começou a segunda canção. Tratava-se de uma música moçambicana da Banda Kakana, chamada Minha Infância, e era cantada em português e changana. Os passos eram mais lentos e seguiam uma coreografia.

Essa é a segunda música citada, o clipe oficial.

https://youtu.be/kxhszwu_nDU

Assim que terminaram, Lirhandzo buscou a mão de Akili para agradecerem juntos. A família se levantou mais uma vez para os aplaudirem, e as crianças ouviram gritos de apoio, mostrando que haviam agradado. Lira olhou para o pai com um sorriso feliz e logo voltou-se para o lado do palco à procura da mãe. Alexia não se aguentou e subiu no palco para abraçar sua pequena. Ninguém ousou a impedir. Akili apenas aceitou o abraço, confuso, mas não reclamou.

Mais tarde naquela noite, todos saiam da escola depois de terminarem de ajudar na organização. As crianças já estavam cochilando, cada uma no colo de um adulto. Miguel carregava a filha, Pedro levava a irmã e André, o filho. O pai dos gêmeos já havia ido por causa dos remédios que deveria tomar. As três irmãs estavam mais atrás, de braços dados, com Alice no meio, e comentavam sobre o sucesso daquele dia. Seus sorrisos e conversas amenas denotavam como estavam seus interiores. Elas sabiam que dificuldades viriam, não se iludiam quanto a isso, mas tinham a certeza de que se continuassem com aquela união, conseguiriam vencer qualquer desafio que se apresentasse nos meses e anos à frente.

Heeeeyyy, e aí, o que acharam do capítulo? Fiquem atentas que algumas pistas do que vai acontecer no futuro estão aí nesse capítulo... :3

Sobre as pesquisas:

A roupa da Alice e do Pedro é italiana porque Morato, o sobrenome do Pedro, tem origem italiana. 

Antônio Machado é um poeta espanhol (1875-1939) e alguns de seus poemas são voltados para a infância. O trecho declamado por Clara é a parte XLIV de sua obra Provérbios e Cantares (tradução para o português). 

Jalebi, citado por Lira, é um tipo de doce frito indiano, comum também em outros países da Ásia. 

A África possui 54 países e 2092 idiomas falados por diversos grupos étnicos, além de mais de 8000 idiomas. (Fonte: Efígie, Afreaka). Por isso, existem incontáveis ritmos e aspectos culturais diversos. Como o Akili é tanzaniano e Lirhandzo é moçambicana, procurei ritmos diferentes para as duas músicas. Como não consegui encontrar muita informação sobre a Tânzania, baseei-me no estilo do grupo Masaka Kids Afrikana (originários da Uganda) ao pensar na primeira música cantada por eles. 

Além disso, precisei pesquisar sobre outros aspectos, como apropriação cultural, diferença entre refugiados e imigrantes e problemas enfrentados por eles ao virem para o Brasil, embora não tenha colocado todas as pesquisas dentro do capítulo. Por esse motivo levei mais tempo para compor o capítulo, para ter responsabilidade ao abordar esses assuntos. 

Próximo capítulo eles começam a viagem para Moçambique. Podem se preparar, a história está chegando em sua segunda parte e vem muita coisa por aí, mais emoções e reviravoltas. Prontas? Espero trazer o próximo capítulo da terça-feira, então, até lá!

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