Volume 2 -Capítulo 6.4


Tomei novamente o Utopia preto, que era mais meu carro pessoal do que viatura da polícia, passei no Friends' e peguei alguma coisa e depois disso dirigi até minha casa, que não era longe do centro.

Estacionei na garagem como de costume, desci e contornei até a pavorosa escada de cimento.

Pavorosa.

Sabe quando você chega num lugar e tem uma atmosfera tensa? Não me refiro a ductu, mas a atmosfera mesmo... O ar fica claustrofóbico, seus movimentos ficam pesados. Realisticamente falando o local é fisicamente o mesmo. Trata-se de um estado mental: é a mente que projeta aquela mudança de atmosfera sobre você. Há algo que te importuna. Você simplesmente para diante do local e não quer entrar.

Esse era o ritual de entrada pela porta de minha casa naqueles últimos dias. Depois de atravessar a grama, subir aquela escada de pedra e olhar a porta... Eu ficava hesitando em girar a maçaneta. Pois eu imaginava o que ia acontecer lá trás. De todas as sensações esmagadoras que sinto durante meus dias, o ductu de um inimigo nada é comparado a essa sensação. Não era uma punição. Não era Jane falando algo como "Henry? Você está aí? Eu esperei o dia todo"... Não...

A bem da verdade era literalmente o oposto disso.

Era uma imagem que contrastava até então com a Jane que eu convivia na ocasião. Uma guinada em seu caráter, em sua trajetória... Ocasionada pela conversa que tive dias atrás sobre a separação. E a mudança pode ser assustadora. A Jane de agora não comia. Não manifestava emoção. E não trabalhava mais.

Abri a porta e o interior estava escuro, mas eu sabia que ela estava lá dentro.

Fui até o quarto e abri a porta. Ela estava em cima da cama. Não liguei a luz, ao invés acendi a do abajur. Ela virou o rosto para que não me olhasse na cara.

- Oi. Voltei. – Disse eu.

- ...

- Eu peguei comida no Friends'. Dois hamburgueres e batata. Você quer?

- ...

- Ok. Vou deixar na geladeira...

- ...

Encostei a porta novamente.

Jane estava assim desde que se deu conta que estava para perder o marido. O que me é de natureza difícil de entender. Antes de Ewalyn ela não fazia esforço algum. Se eu tentava puxar conversa com ela, me dispensava. Se eu não puxava, me acusava. Não fazia nada por mim. Nem compras. Nem janta. Nem limpar a casa... Não conseguia nem dormir comigo no mesmo quarto. É como Ewalyn falou: o casamento era uma merda! Então já que está assim é melhor que seja acabado de uma vez, não? Eu estava tão acostumado com o estilo de vida que não tinha pensado que era tão simples de mudar. Será que Jane pensou a mesma coisa? Por acaso ela pensou que eu ficaria à mercê de sua afronésia durante o resto da vida? Logo eu, a porcaria do tenente do departamento de casos especiais? Simplesmente imaginou que ia ser a dona e eu o cachorro?

Uma pessoa normal aceitaria o fato concreto do esfriamento daquele relacionamento. Eu não amo mais Jane e ela já não mais me ama. Ponto final . Porque continuar? Para mentir para os outros? Status? "Como vai sua esposa? Ah vamos indo muito bem."

Mas as pessoas reagem das maneiras mais estranhas.

Agora ela ficava o dia inteiro encolhida, enrolada naquele lençol deixando sua maquiagem escorrer pelo rosto. Contemplando sua decisão de ter deixado a coisa toda chegar àquele ponto e agora não tinha mais volta. Eu estava apaixonado por Ewalyn e queria terminar. Era isso.

E por mais que eu saiba que falar com os advogados, trazer o assunto à tona mais e mais e acabar com isso logo seja o certo a fazer... Testemunhar aquela cena toda vez me dá um embrulho no estômago. Tenho sempre a sensação de que estou fazendo algo de errado.

Odeio isso.

Odeio voltar para casa.

Quando eu falei com a mediadora ela disse que a melhor saída era conversar com minha esposa e convencê-la de que a melhor solução para o futuro de ambos seria o divórcio. Soa fácil com a mediadora falando, ela que provavelmente que tem um casamento perfeito e que sai com o marido e o filhinho pequeno no fim de semana para tirar fotos no parque e ver o aquário. Ela não está aqui para olhar a minha realidade. A casa escura, a cozinha revirada. A mulher na cama ignorando tudo o que eu digo.

Sinceramente não sei o que eu faço.

Provavelmente postergo de novo. Uma hora ela tem que ceder.

Eram quatro e pouco da tarde então estava na hora de tomar o SPP. Não me importo mais de fazer em casa, pois sei que Jane não sairá do quarto para ver, mesmo. Atravessando a cozinha vou até a pia da lavanderia como de costume e faço um corte no braço, adicionado ao acumulado de cicatrizes. Cirurgicamente... Exatamente no ponto marcado pela especialista para que não deixe uma marca nova.

Corto, deixo sangrar e então engulo o comprimido.

E depois uso o mesmo pano de sempre para estancar o ferimento.

O SPP é um comprimido que serve estimula o sano de um humano alterado. Temos que tomá-la diariamente. O uso contínuo faz o organismo se curar muito mais rapidamente que o normal, mas a droga é viciante e não pode ser usada sem que o corpo esteja ferido devido os danos colaterais, então por isso muitas vezes é usado em combinação com uma auto-mutilação.

Depois que tomo o SPP fico cansado então preciso me deitar. Claro que não vou tentar cavoucar um lugar ao lado de Jane. No estado mental que ela se encontra...

Se bem que seria engraçado fazer isso para ver a reação dela. O que ela vai fazer? Me bater? Com força humana? Hunf.

O que estou pensando? Deixá-la mais ainda contra mim seria prejudicial. Preciso dar a entender que estou ao menos tentando uma trégua que beneficie ambos lados.

Por fim termino decidindo colocar deixar a parte dela do lanche na geladeira conforme o combinado e fico com o sofá, mesmo.

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