Capítulo Quatro: Idiotony
Naquela noite de sábado, Peter estava mais feliz do que o normal. O garoto dançava ao som de London Calling do The Clash.
Spider foi vítima e foi para o colo do dele enquanto dançava pulando sobre a cama. O felino não se via tão feliz sendo chacoalhando pelo dono.
O motivo da felicidade era Peter ter sido liberado de usar a bengala metálica. Ele ainda não podia correr como um atleta profissional, mas já era um grande avanço.
Era libertador poder andar sem segurar aquele bastão metálico que para ele na verdade só servia para chamar atenção. Ainda teria que realizar algumas sessões de fisioterapia, mas isso era o de menos.
Aos poucos ia sentindo sua vida entrar nos eixos.
A escola ainda era complicada, no entanto, Peter tinha uma sensação boa. Ele só queria ter problemas normais de adolescentes.
Estava sozinho em casa, sua tia May havia saído para um encontro e provavelmente voltaria tarde. Isso significava que a casa era só dele.
Peter aumentou o som alto o bastante para satisfazê-lo, mas não muito, para não incomodar os vizinhos.
Agora caminhava pela cozinha, colocando cereal em uma tigela e derramando leite dentro dela. Ele já havia jantado, mas ainda tinha fome, ou era só ansiedade mesmo.
Ele ouviu o telefone da sala tocar e correu para atender, por estar usando meias, quase escorregou no piso de madeira por estar usando meias.
-Alô? -ele atendeu.
-"E aí, cara!" -Disse uma voz que Peter pôde reconhecer instantaneamente.
-Ned?
O quê o rapaz queria àquela hora da noite?
-"Não, é o Darth Vader te ligando."
-O que você quer? -indagou o castanho.
-"Queria saber em quais aulas extracurriculares você vai se escrever." -Era perceptível que Ned mastigava algo do outro lado da linha, a voz o garoto estava meio abafada.
-Ah, eu não faço ideia.
Peter tinha esquecido da lista que recebeu na sexta. O papel continha uma lista com vários grupos e aulas extracurriculares para os alunos se inscreverem. Se ele participasse de alguns, isso traria benefícios para ele quando fosse requisitar uma avaliação na universidade.
-"A gente podia fazer algo juntos." -sugeriu Ned. -"O que acha do clube de gibi?"
-Caramba Ned, isso é Nerd demais até para nós. E eu não acho que seria algo muito legal para ter no histórico.
-"Culinária?"
-Ah, eu posso ouvir daqui que você manda bem na culinária!
-"É só um cachorro quente. E tem mais, as meninas estão todas nessa aula."
Peter suspirou.
-Ned, você sabe que eu não curto meninas.
-"Ah é... Foi mal." -O outro ficou em silêncio por um momento fazendo com que Peter pudesse ouvir claramente a mastigação. - "E se você entrasse no time de luta greco romana? Tem um monte de cara lá, a maioria tudo sarado. Você não ia gostar?"
-Hmmm não, Ned. Isso não é a minha praia. Seria constrangedor ficar excitado enquanto eu me agarro com um cara na frente de uma monte gente. Além do mais, não posso fazer nada que ponha em risco o treco que tem na minha cabeça.
-"Teatro é uma boa né? Tem um monte de caras gays lá. A MJ está lá também, vocês têm estado bem próximos agora, não é?"
-Acho que também não. Se vou ficar na escola além do tempo que sou obrigado, que seja algo que eu goste, ou que me ajude. -Peter refletiu por um momento. -E se nós entrássemos para o jornal estudantil?
-"Nah." -disse Ned. -"Wanda Maximoff parece meio psicopata. Eu não ia querer que ela mandasse em mim."
-Então deixa pra lá, Ned. Eu vou olhar a lista e depois te falo se rola da gente fazer algo juntos.
-"Então tá, mas não diga que a ideia da luta greco romana é ruim."
-Tá bom Ned, boa noite. -Falou Peter colocando o telefone no gancho.
De volta para cozinha, agora com sua mochila em mãos, o garoto vasculhava para achar o formulário. Ele o achou e começou a ler.
Haviam vários grupos; arco e flecha, debate, escrita, grupo de leitura, clube de gibi, entre outros.
Peter passou os olhos sobre os nomes dos grupos e sua breve descrição. Um dos grupos chamou atenção. Era de auto ajuda. As pessoas iam para conversar sobre seus problemas e serem auxiliadas por um orientador.
Era peculiar que a ideia de conversar com pessoas desconhecidas sobre seus medos lhe parecia reconfortante.
Havia alguns assuntos que Peter não conversava com ninguém, nem a tia May. Algumas coisas pareciam precisar de um suporte externo. Talvez fosse melhor despejar essas coisas com pessoas que não conheciam muito bem, ou o suficiente.
Eram tantas questões sobre sua vida. Por mais que ele não passasse vinte quatro horas pensando sobre seu acidente, havia um medo nele que o incomodava. O fato de sua cabeça ter um dispositivo que podia falhar e lhe causar sequelas graves, sobre ele ter pânico de andar de ônibus e a mais nova ansiedade que Flash lhe causava.
Talvez fosse bom falar e ouvir os problemas de outras pessoas. Não sabia se isso seria bom para ter em seu currículo escolar, mas sabia que seria benéfico para ele.
Se não gostasse, poderia mudar. Mas tentaria. Ele sentia que era uma decisão madura. Enfrentaria seus monstros por conta própria.
Então estava decidido, Peter entraria para o grupo.
*~*
Pelo corredor na escola Romanoff não havia ninguém tão feliz e confiante quanto Peter naquela manhã de segunda. Ele podia andar livremente sem a bengala que mais parecia um farol. As pessoas sempre a reparavam no objeto antes mesmo de enxerga-lo. E seria ótimo andar sem que Flash tentasse dar uma rasteira nele puxando o objeto.
Os corredores estavam apinhados de gente, mas só Peter andava como uma criança feliz segurando sua mochila nas costas.
De repente alguém que passava atingiu seu ombro com força e o impacto fez com que os livros da pessoa caíssem no chão.
Peter se abaixou rápido para pegar o material quando ergueu os olhos logo reconheceu o cabelo escuro e o meio sorriso da pessoa que estava a em pé na sua frente.
-Caramba, Bela Adormecida. -Tony disse. -Acorda pra a vida!
Peter juntou os materiais e empurrou os mesmos contra o peito de Tony, que trajava a jaqueta bomber azul e amarela do time da escola Romanoff.
-Bom dia para você também, Tony. -O castanho falou revirando os olhos.
-Você sempre anda no mundo da lua. O que será que seus pais diriam se soubessem que o filho deles dorme na escola?
O castanho olhou com raiva bem nos olhos de Tony e falou rispidamente:
-Eu não sei o que eles diriam, porque eles estão mortos.
Tony parou de sorrir no mesmo momento e abriu a boca para dizer algo, mas a fechou. Peter deu as costas e saiu pisando duro em direção a seu armário.
Como o outro rapaz podia ser tão babaca? Ele não tinha um pingo de noção ou filtro do que falava.
Em sua cabeça, Peter havia o apelidado de Idiotony Stark. Nada mais justo.
Enquanto guardava algumas coisas dentro de seu armário, o garoto sentiu alguém de aproximar e parar bem ao seu lado. Ele fechou a porta de ferro do armário e pôde ver a cara cínica de Tony novamente.
-O que você quer? - indagou Peter.
-Er... foi mal o que falei. -Anthony parecia sem graça. -Eu não sabia que seus pais tinham falecido.
-É claro que não. Tudo o que você sabe é fazer piadinhas de mal gosto. - Peter saiu andando e Tony o seguiu.
-Eu tô falando sério, Peter. Eu não sabia.
-Ah, agora você sabe meu nome?
-Só me desculpa tá? Não queria ofender...
Peter fez que sim, sem dar muita importância ao garoto.
O castanho parou em frente ao quadro de avisos e colocou seu nome na lista de pessoas que participariam do grupo de auto ajuda.
-Você vai participar disso aí? -Tony perguntou enquanto encarava o quadro junto com Peter.
Até então o castanho não havia percebido que Tony ainda estava ao seu lado.
-Você ainda tá aqui? -falou ele, irritado.
-Por que participar de um grupo onde as pessoas só lamentam sobre seus sofrimentos?
Sabendo que o moreno não iria parar de falar, Peter ficou em frente a ele e cruzou os braços o encarando.
-Porque algumas pessoas preferem falar sobre seus sofrimentos do que mascarar eles com sexo, bebidas, drogas e piadas idiotas.
-AU! -Tony levou a mão ao peito, como se tivesse sido atingido.
-Vê se cresce, Anthony.
Peter se afastou do rapaz e viu que o mesmo ficou encarando o quadro, pensativo.
Se tivesse a chance, com certeza gostaria de socar várias vezes a cara do Idiotony. Seria um deleite para ele.
*~*
-Vocês vão ao baile de primavera? -Ned perguntou enquanto cortava a carne em sua bandeja.
Agora que Peter tinha Michelle como amiga, ele se arriscava almoçar no refeitório.
Um dia a garota chamou ele para o intervalo e falou que se Flash se aproximasse, ela torceria as bolas dele. E de fato Flash nunca se aproximava de Peter quando MJ estava próximo.
Ele até pensou que poderia estar usando a garota, mas ela deixara claro que gostava de ter Flash com medo dela. Era divertido.
-Com certeza não. - Michelle respondeu.
-Eu também acho que não. -disse Peter.
-Qual é, pode ser divertido. -Ned falou.
MJ revirou os olhos, deu um gole no suco de caixinha e respondeu:
-O baile nunca é divertido para pessoas como nós.
-Pessoas como nós? -Ned e Peter perguntaram juntos.
-É. Perdedores. O baile é para pessoas como eles. -MJ apontou para a mesa central do refeitório onde se sentava Thor, Pepper, Wanda, Pietro, Tony e Clint, que conversavam e riam um bocado.
-É verdade... -soltou Ned em um muxoxo, enquanto cutucava a comida no prato.
-Todo mundo sabe que Natasha ou a Pepper vão ser coroadas rainha. E Tony ou Thor serão os reis. É previsível. Eu não sei vocês, mas eu não curto ir a um lugar para ver gente perfeita sendo feliz.
-Porque você tem tanta raiva do mundo, Michelle? -perguntou Peter.
-Porquê eu sei exatamente o que me espera lá fora. Você devia saber disso também, Peter.
O castanho fez que sim e a mesa ficou em silêncio.
Tudo o que Michelle havia dito era verdade, de todos ali, Peter era o menos abastado. Até mesmo Ned e Michelle tinham família rica, mas Peter caíra de paraquedas naquela escola. Ele não pertencia ali de jeito nenhum. Então a ideia de um baile era completamente fora de questão.
E mesmo que ele cogitasse a ideia de ir, com quem iria?
*~*
O sol estava se pondo, e tudo que Tony fazia era tragar o cigarro de maconha enquanto assistia ao espetáculo da natureza. Nuvens acinzentadas e o céu manchando em uma aquarela laranja e rosa.
Suas calças estavam dobradas até o joelho e os pés mergulhados dentro da piscina no quintal da mansão Stark.
Fazia alguns dias que ele não tirava o pai da cabeça. Quando Tony finalmente teve coragem de entrar no escritório do pai, acabou descobrindo fitas cassete em um antigo baú, mais tarde Tony ouviu algumas fitas e descobriu que o pai gravava um diário.
As fitas eram gravadas em datas aleatórias, não parecia ser algo que o pai fazia diariamente. Era algo que Howard faziam quando queria dizer algo, como se o gravador fosse alguém disposto a ouvir seus pensamentos.
Tony puxou o toca fitas que estava ao seu lado, colocou os fones e deu play na fita que ele havia pego aquele dia.
Primeiro ele ouviu um ruído, depois seu pai pigarreando, algo que ele Tony notou que ele sempre fazia antes que começar a gravar. Então, a voz de Howard começou a ser reproduzida fielmente pelo aparelho.
Deus, era como se o velho estivesse ali do seu lado. Tony fechou os olhos.
-"Dia 22 de setembro, 1984. Hoje eu estava conversando com Happy, ele parece ser o certo para dirigir a empresa enquanto Anthony não tiver o preparo. Happy tem visão, é responsável e justo. É necessário mão firme para lidar com os negócios.
Quanto a Anthony, me preocupo que o garoto fique atordoado pelo resto da vida. Depois do que aconteceu com Maria, ele nunca mais foi o mesmo. Nós nunca mais fomos os mesmos.
Mas ele é um Stark, sei que vai conseguir. Infelizmente o garoto se parece demais comigo. Seja em qualidades ou defeitos. Anthony é minha maior obra... E por mais que ultimamente seu comportamento tenha sido complicado, sei que ele vai lidar com isso.
Ele não sabe da minha doença ainda. Não quero contar agora."-Howard suspirou e ficou em silêncio por alguns instantes. Só se ouvia sua respiração ao fundo. Então ele continuou:
-"Depois do que vi na TV, eu realmente decidi ajudar o garoto. Eu e Richard fomos tão amigos na faculdade, mas a vida nos levou para caminhos diferentes. Nunca mais nos vimos.
Richard Parker era um bom homem, um bom amigo. Acho que ajudar seu filho seria o mínimo que eu poderia fazer em nome de nossa antiga amizade. A vida foi trágica para o garoto. Perder ambos os pais e ainda sofrer um acidente como aquele? Isso é muito para uma criança.
Temo que Tony tenha que passar por isso também, sei que em breve não estarei mais aqui. Espero que ele tenha força, e o garoto Parker também. Espero que ambos saibam lidar com o peso da vida..."
Ouviu-se um ruído e a fita acabara.
Então era isso? Tony sempre se perguntava o porquê do pai ter ajudado Peter. Howard parecia preocupado com o garoto. Então Peter era filho de um amigo. Era por isso que ele havia se comovido com a situação do garoto.
Tony descobrira dois dias antes que Peter havia perdido os pais também, em uma besteira que ele havia dito para o garoto. Acabara sendo uma bola fora.
Talvez Peter entendesse seu vazio mais do que ninguém.
Tudo o que Tony fazia era afastar as pessoas dele. Começou sendo proposital, até se tornar uma hábito. Ele não queria se apegar, a nada e nem a ninguém. Porque isso só lhe causava dor.
Primeiro sua mãe, depois seu pai...
Tony se lembrou do dia em que estava no refeitório, almoçando com os colegas, Natasha começou a reclamar da mãe, Pepper fez o mesmo e então Thor. Ninguém se tocou que o assunto era delicado para ele.
A palavra Mãe já lhe causava um frio. Era como um gatilho. Na mesma hora aparecia a imagem da mãe com olhos vidrados, cabeça tombada para o lado e mergulhada em uma banheira cheia de água escarlate. Ele nunca esqueceria. Porque foi ele que a encontrou. Preferia que tivesse sido o pai, ou Jarvis. Eles teriam aguentado a cena, não um Tony de oito anos.
No dia do refeitório, Tony teve o impulso de se levantar e sair correndo para o banheiro da ala oeste. Ele não conseguiu segurar. Prendeu a respiração até a porta do local fechar atrás de si. Então ele deixou que a dor escorresse por seu rosto.
Esse era o problema se negar e sufocar seus sentimentos. Quando explodia, ele não tinha controle. Era por isso que o álcool e as drogas eram bem vindas. Eles colocavam aquela cortina em sua mente. Aquela fumaça que fazia com que ele não sentisse mais nada.
Tony apenas flutuava a deriva em um universo do qual não queria mais fazer parte.
*~*
O dia passara rápido para Peter e logo as aulas haviam terminado.
Ele estava ansioso para participar do grupo de auto ajuda, queria conhecer mais pessoas.
Após guardar seu material no armário, Peter seguiu pelos corredores da escola a fim de achar onde seria a sala do grupo. Ele se perdeu um pouco, pois ainda era novo ali e a escola era grande demais.
Não demorou muito e logo achou a sala em questão.
Ele entrou no recinto um pouco ressabiado. Havia um círculo feito por cadeiras, mas a maioria estava vazia. Só tinham seis alunos sentados e uma mulher mais velha em pé no meio do círculo, todos estavam conversando casualmente.
A mulher notou Peter na porta e disse:
-Oi. Veio participar do grupo?
-Acho que sim... -Peter respondeu um pouco envergonhado.
Agora ele sentiu o medo de se abrir para desconhecidos se aflorar dentro dele.
-Então venha e se sente. No fim da reunião você não vai mais achar, só ter certeza. -Ela falou dando um tapinha em um assento.
-Obrigado. Eu sou Peter Parker.
Peter se aproximou e sentou, cumprimentando brevemente os outros colegas. Não havia nenhum rosto conhecido ali.
-Bom, acho que pelo horário ninguém mais vem. -A mulher olhou em seu relógio de pulso checando a hora. Em seguida ela sentou em uma cadeira junto ao grupo.
-Boa tarde a todos, meu nome é Maria Hill. Sou psicóloga e a orientadora escolar de vocês. Hoje nos reunimos aqui para conversar sobre assuntos que nos afligem, para tentar entender ou decifrar anseios que carregamos. Saibam que não precisam esperar para me ver somente nas sextas, podem me procurar em qualquer hora que sentirem necessidade, okay?
Todos assentiram.
-Bem, vamos começar. - Maria distribuiu panfletos sobre saúde mental para todos na roda.
Peter se distraiu com um que falava sobre estresse pós traumático.
-É aqui a sala do grupo de auto ajuda? -Alguém falou ao entrar pela porta.
-Sim, seja bem vindo. -falou Maria Hill. - E qual o seu nome?
Peter ergueu os olhos e se deparou com a figura já conhecida.
-Anthony Stark, mas pode me chamar de Tony. -Para a sua surpresa, o moreno não carregava um sorriso de convencido nos lábios, nem uma postura que mostrava excesso de confiança. Para ele, Tony aparentava estar...Envergonhado?
Peter achou estranho e suspirou, mais alto do que gostaria.
Tony não havia percebido ele ali. Então seus olhares se cruzaram.
Ah, sério? Até ali? Idiotony era uma pedra em seus sapatos, e das grandes...
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