XIII - O Passado de Liska

A fera selvagem de pelos avermelhados corria desnorteada pela floresta, sua visão estava limitada, sua mente uma verdadeira bagunça. Tudo o que a garota dentro da gigantesca raposa lembrava, era de correr com seu cavalo, freiar bruscamente ao ver uma mulher no meio do caminho, e então, cair do cavalo tombando a cabeça para trás. Embora a dor da batida não existisse mais, ela ainda podia sentir as unhas afiadas daquela mulher roçando em sua garganta enquanto ela entrava em sua cabeça, despertando todas as memórias adormecidas de seu passado, tanto as felizes quanto as ruins. E conforme Lárissa lembrava de cada minucioso detalhe, sua mente se abria para trazer à tona memórias passadas de uma vida que ela não sabia ter vivido. Lárissa lembrou-se até mesmo de seu primeiro nome, Liska. Em meio a balbúrdia de suas memórias perdidas, Lárissa viu um rosto que fazia seu coração bater, o rosto de alguém que ela amou, mas que agora já não existia mais.

Quando a garota voltou para o presente, sabendo do que perdera em sua outra vida, sua consciência foi tomada por um ódio visceral, sua garganta seca anseava por sangue, por morte. Lárissa não era mais a mesma depois de tudo o que vira passar diante de seus olhos. Transformada na enorme raposa, ela corria descontroladamente seguindo o cheiro de uma presa cujo cheiro inundava suas narinas e quando ela avistou longos cabelos dourados, ela acreditou ser aquela a sua presa, contudo, a mão pálida estendida da garota de cabelos dourados, criou uma barreira tão poderosa que jogou Lárissa para trás. Atordoada, a raposa levantantou-se rangendo os dentes, preparada para atacar quantas vezes fosse preciso até rasgar aquela pele pálida em mil pedacinhos.

- Liska? - A voz doce e amável chegou aos ouvidos da garota-raposa como um afago, acompanhada de um rosto deveras familiar. Aquelas linhas ovaladas, as bochechas coradas, os olhos verdes brilhantes e o sorriso meigo... Certamente era ela. A garota por quem deu a vida no passado. A garota por quem se apaixonou perdidamente. A garota que a encontrou na floresta quando era apenas uma filhotinha abandonada. Essa mesma garota agora tinha o rosto emoldurado por cabelos dourados, mas com certeza ainda era a mesma de quem agora se lembrava. - Liska!

Os pelos arrepiados da raposa se aquietaram e Lárissa, ou Liska, reconhecia a garota que fora sua dona quando em sua vida passada, Lárissa era apenas um animal místico considerado raro.

. . .

PASSADO

- Peguei você! - Murmurou o homem de longos cabelos pretos e lisos, agachado no chão para enfiar suas mãos numa minúscula toca no tronco de uma árvore. Lá, naquele minúsculo buraquinho, escondía-se um filhote de raposa. Mas, não uma raposa comum. - Você é especial, pequenina! Que olhos escuros mais lindos!

A pequenina raposa rosnou para o homem que a segurava nas mãos, mordendo-o logo em seguida, enfiando seus dentes profundamente no braço exposto dele, sentindo o sangue escorrer pela sua garganta. Porém, ao invés de ficar assustado, ele afagou a cabeça peluda do filhote e sorriu bondosamente.

- Você pode me machucar à vontade se isso a fizer se sentir mais calma. Sei que entende o que eu digo, porque você é de fato muito especial. Raposas da sua espécie tem incríveis habilidades e são fiéis companheiras. - A raposa fincou seus caninos afiados ainda mais profundamente, tornando seus olhos muito mais escuros.

O homem sentou-se no chão e continuou acariciando a cabeça daquela filhotinha atrevida, cheia de personalidade e estratégia. Aquela pequena era uma das últimas, senão a última de sua espécie. Ela estava sozinha desde que nasceu e não teve sua mãe para lhe ensinar como caçar, ou muito menos como sobreviver. Há dias que ela não se alimentava e andava sozinha em busca de sua família. No seu primeiro dia de vida, ela abriu os olhos sozinha, sua mãe partiu e nunca mais retornou. Aquele ser diante de seus olhos era estranho, diferente de tudo que ela conhecia, portanto ela o considerava uma ameaça. O homem sorria amigavelmente, entao usou sua mão livre para abrir sua bolsa de couro e tirar de lá filetes de carne que cheiravam muito bem nas narinas da filhote. Quando o homem ofereceu os pedaços, ela não pensou duas vezes antes de soltar o seu braço e abocanhar aquela carne tão cheirosa.

O homem virou sua bolsa de cabeça para baixo e sacolejou, derramando vários pedaços de carne igualmente saborosos que a raposa não pode evitar de comer.

- Eu fazer um trato com você. Eu te dou toda a comida que quiser, garanto uma vida boa e feliz para você. Em troca, você protege alguém para mim. Se comer toda a comida, é porque concorda com o trato. - Então o homem se levantou e caminhou mais à frente, revelando uma gaiola coberta por um pano vermelho e outra gaiola totalmente vazia.

Quando a raposa terminou de comer, o homem abriu a gaiola e ela entrou mansamente nela, honrando com seu acordo. Raposas daquela espécie são muito fiéis, portanto quando comprometidas com um acordo, obedeciam fielmente aqueles que lhe conquistassem. E aquele homem era muito generoso e gentil, cobrindo sua gaiola com outro pano avermelhado e levando ambas as gaiolas que carregava até um um córrego para levar água para a raposa e o outro animal na outra gaiola.

- Eu sou Timus, a propósito. - Disse o homem, abrindo a gaiola para servir água à raposa. - Beba, está limpa.

Depois de dar de comer e beber para ambos os animais em gaiolas separadas, Timus as carregou durante bastante tempo, atravessando um caminho longo em Tihrel. Fora esse o nome que ele mesmo dera aquele lugar tão misterioso, cheio de vida, vegetação, córregos e uma energia poderosa, além daquele enorme sol vermelho que se espalhava no céu todos os dias ao amanhecer. Antes de ser banido para aquele lugar, Timus pensava o mesmo que todos os outros plandarianos, que não poderia haver vida nas Trevas. Timus sorriu para si mesmo, caminhando tranquilamente ao som dos pássaros da noite que dormiam em suas tocas abaixo de seus pés. Os seres das Trevas eram maiores, majestosos e misteriosos, porém os plandarianos chamavam os pássaros da noite de dragões. Tudo para eles era terrível, assustador e indigno no mundo das Trevas. As Trevas que cobriam o céu todas as noites não eram nada além da versão oposta das nuvens de Plandar.

- Qualquer ambiente pode ser inóspito se não houver quem semeie, construa e cuide dos animais. - Timus falava tanto para si mesmo quanto para os animais presos nas gaiolas. - Este mundo é incrível e peculiar, assim como todos vocês. A dimensão de onde eu vim, no entanto...

O homem ergueu os olhos adiante onde o sol ia se escondendo no horizonte e ficou muito satisfeito ao constatar que estava muito perto do seu destino. Ele já até podia ouvir os sorrisos das duas crianças que brincavam no bosque em frente sua casa. As meninas tinham longos cabelos pretos como ele, possuíam a mesma altura, os mesmos rostos angelicais e a mesma idade. A única diferença entre elas, eram os olhos. Uma tinha belos olhos verdes como duas esmeraldas e a outra incríveis petecas azuis. Enquanto uma delas, a mais esperta e ativa, aquela que corria de um lado para o outro, usava seu poder para puxar a água de um balde e fazer chover sobre o local onde estava, a outra concentrava sua energia para curar um marmor, uma criatura muito semelhante aos peixes, porém de estrutura mais esguia e com maior resistência para respirar ar puro. E aí invés de apenas curá-lo, a garotinha o transformou em dois e os soltou no córrego de onde pegara o marmor ferido.

- Se você tiver uma outra metade, você nunca vai ficar sozinho e também nunca ficará doente. - Dizia a garotinha chamada Krear.

- Krear! O papai chegou! - Gritou Teresa, correndo para abraçar seu pai, quase o derrubando no encontro. - Por que demorou tanto?

Timus pousou as gaiolas sobre o chão e afagou a cabeça de sua filha Teresa, dando um beijo em sua testa e logo em seguida, convidou Krear para se juntar a eles.

- Eu estava atrás de um presente para o aniversário de vocês. - Timus disse, sendo mais uma vez atacado por uma garotinha muito empolgada com a notícia.

- Qual é o meu? - Perguntou Krear olhando para as gaiolas dispostas sobre o chão enquanto sua irmã gêmea se pendurava no pescoço do seu pai.

O homem apenas apontou para a gaiola da esquerda, onde debaixo daquele pano repousava um pequenino filhote de águia, de olhos atentos e uma expressão fechada. Krear sorriu timidamente, abrindo a gaiola e enfiando sua mão para dentro dela, convidando o animal a subir no seu braço, porém ao invés disso, ela foi beliscada, sangrando no local.

- Você está bem? Que passarinho mal... - Murmurou Teresa, se escondendo atrás dos ombros da irmã.

- Ela não é má, só está assustada. - Krear disse, estendendo a mão para acariciar a cabeça da águia. - Sinta o meu cheiro, Agnes.

- Gostei desse nome, é muito bonito. - Disse Teresa de olhos curiosos por trás de sua irmã.

- Não estava curiosa pelo seu presente, Teresa? - Timus sorriu, vendo a reação da sua filha ao sair animadamente de detrás de sua irmã para espiar a pequena raposa que cochilava na outra gaiola.

- Eu amei, papai! Essa é uma daquelas raposas especiais, não é? - Disse Teresa, atirada no chão vendo a raposa cochilar embaixo do pano.

- Dois presentes especiais para duas garotinhas incríveis. Vocês gostaram? - Sorriu Timus de olhos fechados numa expressão bondosa. Só pela expressão naqueles rostinhos miúdos, Timus tinha certeza de que havia acertado em cheio nos presentes que escolhera.

Agnes era de uma espécie rara de viama, muito similares com as águias de Plandar. Contudo, uma viama, como todos os seres fantásticos das Trevas, ficaria gigante quando atingisse sua idade adulta, dotada de consciência, julgamento e honra. Aves muito carniceiras que quando maiores ganham muita resistência e agilidade. Enquanto Liska vinha de uma espécie de diazo, raposas gigantes com habilidades incríveis e inimagináveis, igualmente dotada de consciência e lealdade, podendo ser muito temperamentais e cobrir o corpo em chamas sob stress. Animais muito perigosos para duas garotinhas, Timus sabia muito bem disso. Mas, serviriam de proteção para elas quando o dia chegasse. Quando a deusa dos deuses descobrisse a existência delas, pois não havia como escondê-las por muito tempo, do jeito que eram habilidosas para usar seus dons, assim que Hevele viesse visitar o deus exilado, ela certamente ficaria furiosa. "Liska, Agnes... protejam minhas filhas. Pois, haverá um dia em que eu não serei capaz de fazê-lo."

. . .

PRESENTE

Stacy arregalou os olhos, virando seu olhar para a porta fechada do seu quarto. Antes de dormir, ela havia a deixado propositalmente entre-aberta, esperando que Camie aparecesse em algum momento, para vigiá-la e ter certeza de que ela estava bem. Os dias estavam sendo muito longos e barulhentos com Hevele inquieta no palácio e Camie sem conseguir dormir por achar que Stacy poderia estar sendo possuída por Thamuz outra vez. Após os dois últimos episódios, ela passou a dormir menos, vigiar mais, comer menos e observar sua filha ainda mais. A garota suspirou pesadamente, jogando as pernas para o lado de fora da cama, relembrando de cada detalhe daquele sonho envolvendo duas meninas, um pai amoroso e bichos perigosos como animais de estimação.

- Agnes... - Stacy testou o nome familiar em sua voz. - Agnes... Agani... Agani e Agnes, reincarnações ou coincidências?

Stacy ponderou, unindo os pontos. Testando a teoria em sua cabeça de que aquele sonho, bem como todos os outros não foram sonhos, eram memórias. As memórias proibidas que Camie tanto se esforçava para fazê-la esquecer, usando selos, consumindo a própria energia para evitar que a filha se recordasse de seu passado, de sua outra vida, de sua primeira vida onde talvez tenha se chamado Krear e talvez tenha tido uma irmã chamada Teresa que agora se chamava Andreena.

- Andreena... Teresa... São uma só. E quem seria Liska? - Stacy balançou a cabeça, como que tentando espantar aquele pensamento tolo. Aquele homem bondoso e fraterno chamado Timus não poderia ser o mesmo Thamuz. O mesmo Lorde Thamuz responsável por tantas crueldades e massacres. O mesmo Lorde Thamuz que a transformara numa arma de guerra. Certamente aquilo não passava de um devaneio derivado de sua raiva por Hevele.

Afinal, sonhos poderiam ser muito traiçoeiros. Tão traiçoeiros quanto uma janela aberta soprando a cortina e revelando um rosto redondo e curioso de uma bela mulher com olhos de águia e uma expressão curiosa. Stacy levantou-se da cama e caminhou descalça até a janela, encorajando Agani a se revelar por inteiro na varanda externa daquele andar, de onde espiava Stacy há várias horas, esperando que ela acordasse.

- O que faz pendurada aí? Se queria me ver trocando de roupa, poderia simplesmente me dizer. Também não tenho pudor. - Disse Stacy numa expressão complacente.

- Eu não pude evitar... - Agani pulou a janela, baixando o capuz e revelando seu rosto macio por inteiro. - Desde aquele dia, eu tenho sonhado com você todas as noites. E são pesadelos horrendos onde vejo você ser tratada como um monstro...

Agani estendeu a mão para tirar os cabelos brancos rebeldes que cobriam os ombros de Stacy e sorriu amigavelmente, tomando a mão da garota na sua e abrindo um corte com as garras da sua mão direita. Stacy apenas assistia mansamente Agani derramar seu sangue, fazendo gotejar o líquido avermelhado manchando o piso. Agani se curvou para lamber a palma da mão de Stacy, provando do seu sangue e vendo o ferimento cicatrizar em instantes. Agani cheirou a palma da mão de Stacy e acariciou o próprio rosto com ela, seus olhos penetrantes e brilhantes, alaranjados como os olhos de um predador.

- Conheço esse sabor. - Agani inspirou profundamente. - E lembro do seu cheiro como fosse hoje a primeira vez em que nos encontramos...

- O que disse? - Falou Stacy, recolhendo sua mão rapidamente.

- As memórias de um animal são muito melhores que as dos deuses. - Respondeu Agani, deixando que seus olhos voltassem a ser castanhos novamente.

- Seja mais clara. - Stacy fechou o semblante, erguendo o braço para deter a garota e puxando seu capuz na tentativa de fazê-la ficar exatamente onde estava.

- Você pode me chamar de Agnes, Krear. - Agani sorriu maliciosamente, trazendo seus olhos alaranjados de predador novamente à tona, para revestir o seu corpo de penas e saltar tão rápido quanto era possível ver, se atirando pela janela e se transformando na águia enquanto voava.

Stacy arregalou os olhos, numa expressão de incredulidade, correndo até o parapeito para ver enquanto a linda garota, agora transformada em águia, levantava vôo com suas poderosas asas, soprando o vento tão forte, que abalava as árvores abaixo de si. Stacy colocou a mão no peito e por um momento, ela sentiu doer. Uma dor descomunal e crescente, que dominava seu coração. Uma dor apertada, quase tão pior quanto levar uma facada e sangrar até a morte. De repente, ela sentiu como se algo tivesse sido arrancado dela. Algo de que precisava muito e que sem isso, cada segundo respirando era uma tortura. Aquele era apenas o prelúdio do caos que se aproximava na vida daquela não tão jovem garota. Um anúncio das Trevas, uma espécie de lembrete para todos os plandarianos e aqueles que lutavam com eles: uma nova guerra certamente se aproximava, e esta não seria apenas um massacre causado pelas Trevas, mas sim uma batalha de deuses.

Assim dizia a profecia do Oráculo que tanto preocupava a Rainha dos Deuses, Hevele. Há muitos anos, na era em que o deus do tempo, Azor, ainda era vivo, antes de Thamuz degolar suas três cabeças e finalizar o ciclo de reencarnação do deus. O Oráculo previu tudo. O que o Oráculo escrevia, estaria atrelado ao destino de todos nas três dimensões existentes. Bem como Hevele se lembrava, assim aconteceria. O Oráculo, era ninguém menos que uma cria de Azor, um ser nem humano nem deus, uma criatura sem uma verdadeira face, sem um lar, lembrando muito à imagem da Entidade Original, Moth. O Oráculo não possuía nome, tampouco poderia habitar em qualquer dimensão, pois apesar de seus dons, nenhum deles era de ataque ou defesa, sua única função era viver para sempre prevendo o futuro e permitindo que todos seguissem a ordem natural.

- Alguns dizem que o Oráculo é também o destino. O que você acha disso, Rosalind? - Perguntou o deus Asck sentado à mesa da varanda bebericando sua xícara de chá de hortelã.

- Nunca parei para pensar nisso. Mas, não acho que o destino é absoluto. Veja bem, meu destino era morrer esmagada por uma pedra em Braedon. Porém, olhe como estou muito bem viva. - Respondeu Rosalind, cruzando as pernas sob a mesa.

- E se foi escrito que Camie a resgataria e faria de você uma imortal? - Brincou Asck, agora muito mais leve depois de ver sua querida amiga Agani.

- Então, eu precisaria aceitar que existe alguém capaz de evitar várias catástrofes. Porém, não o faz. - Rosalind disse, pousando sua xícara sobre o pires florido. - Se eu recebesse um dom assim, eu não permitiria tantos males.

- Todos devemos andar em consonância, minha querida. - Interrompeu Hevele, aparecendo repentinamente na sala de música atrás de Asck. - É um equilíbrio. Não existe o bem sem o mal, bem como não há luz se não houver trevas. Onde há caos, também há paz. Ou seja, todos somos um mal necessário ou um bem indispensável.

- Minha Rainha! - Rosalind levantou-se apressada de olhos arregalados pela presença repentina, curvando-se para cumprimentar Hevele. Porém, Asck foi mais rápido, interferindo a mesura da conselheira.

- Para quê isso? Você não precisa se curvar para ela. - Disse Asck, segurando firme o ombro de Rosalind e disparando uma olhada fatal para Hevele. - Não precisa se curvar para ninguém.

- Oh, deixe-a! Eu não me incomodo. - Sorriu Hevele maliciosamente, desviando o olhar para longe.

- Sei muito bem disso. - Asck respondeu, soltando Rosalind e a deixando sentar-se novamente.

- Diga-me Asckin... Estamos do mesmo lado? Estamos juntos contra o Lorde Thamuz? - Hevele lhe desferiu um olhar perigoso, colocando uma corrente dourada sobre a mesa, cujo pingente era um singelo sol. Asck segurou o colar entre os dedos e olhou com tristeza para ele, apertando-o no centro de sua mão. - Quero que me diga que quando chegar a hora, você a eliminará. Ela já nos causou problemas demais.

- Ela é inocente. - Murmurou Asck, com o olhar perdido no colar.

- Ela deixou Godfrey cego. E por muito pouco, quase matou Reya e até mesmo você! - Retaliou Hevele. - Se eu não tivesse chegado a tempo, você não teria sido feito apenas um prisioneiro no Império de Thamuz. Você estaria morto. Eu salvei a sua vida.

- Você sabia... É claro que sabia. Você apenas escolheu me deixar apodrecer naquela cela imunda longe do sol da nossa dimensão. Você me abandonou para mofar e ser devorado por ratos. - Asck levantou-se num rompante, espalmando as mãos sobre a mesa e encarando mortalmente Hevele.

- Asck, por favor... - Pediu Rosalind com os olhos enormes, vendo o ambiente se tornar cada vez mais perigoso. Os olhos de Hevele faiscando e seu semblante sendo cada vez mais de pura contentação.

- Você está certo, Asckin. Eu quis que fosse torturado. Permiti cada pequeno sofrimento, para que aprendesse a lição. - Respondeu Hevele, sentando-se tranquilamente sobre uma cadeira, aproveitando muito a situação que causou.

- Pare de me tratar como se eu fosse seu filho, sua megera dos infernos! - Esbravejou Asck, fazendo seu corpo esquentar e seus olhos ficarem luminosos.

- Asckin... - Ela começou.

- Não me chame de Asckin! - O deus aqueceu tanto o seu corpo ao ponto de queimar as mãos de Rosalind que o segurava pelos ombros. Após ouvir o grito agudo da conselheira, ele virou-se para ela com um olhar preocupado, apagando a ira de seu semblante. - Rosalind, eu sinto muito...

- Era assim que Andreena o chamava, por isso o perturba tanto. - Hevele murmurou baixo, porém um som audível o suficiente para que Asck a olhasse de canto de olhos enquanto acudia Rosalind. - Mas, você não acha que deveríamos chamar ela de Briar? É assim que ela gosta de ser chamada agora. Seu passado com ela acabou, Andreena não existe mais. Abra seus olhos antes que acabe machucando aqueles que realmente se importam com você.

- Eu vou esperar por ela. Tenho uma eternidade inteira de reincarnações para encontrá-la. Enquanto minha consciência existir, eu a procurarei e esperarei. Você gostando ou não. - Ele respondeu, virando de costas para levar Rosalind até uma curandeira.

Hevele sorriu um sorriso malicioso enquanto via o casal de amigos se afastar, ela tamborilou os dedos sobre a mesa e inspirou profundamente, levantando-se novamente para rodear a mesa e voltar seus olhos para a fronteira longínqua. Ela podia ouvir o som perturbador dos rugidos da nova Lárissa. Hevele podia ouvir e sentir muitas coisas, afinal ela não recebera o título de rainha dos deuses por mero acaso.

- Não existe salvação para um ser nascido das Trevas. Todos são involuntariamente nascidos para corromper tudo o que há de equilíbrio e luz. Todos eles foram feitos para morrer sob a lâmina da minha espada. - Hevele escorregou a mão esquerda no parapeito, falando consigo mesma.

E quem seria corajoso o bastante para contrariar a Deusa dos deuses?

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