III - Segredos

PASSADO


Me recordo de acordar no meio da noite com o barulho da maçaneta da porta sendo virada e ouvir passos leves caminharem em minha direção. Lembro de sentir um corpo quente e pés gelados próximos de mim, alguém deitado ao meu lado. Esse alguém tinha um corpo minúsculo, braços finos e mãos pequeninas, além de uma franja preta que roçava em sua testa. Minha nova irmã, Isis, me envolveu com seus braços e afundou seu rosto no meu cabelo.

Pensei que eu poderia virar para ela e lhe dizer para ir embora, pois eu queria ficar sozinha. Mas, aquela atitude incomum de sua timidez me fez mudar de ideia. Ela estava tão confortável dormindo abraçada comigo, que parecia um erro grave despertá-la de seu sono profundo e desfazer o minúsculo sorriso que ela deixava escapar enquanto dormia. Fechei os olhos em silêncio e contemplei o vazio da noite e o vento que uivava do lado de fora. Dormir em Oceano era totalmente diferente, suas águas eram frias e o silêncio era absurdo. Dormir em uma cama fora da água era estranho, tudo fazia barulho, as cortinas, as pessoas...

O mundo aqui fora é terrivelmente barulhento. Era impossível dormir de verdade com toda aquela algazarra de pessoas falando, guardas trocando de turno, os passos nos corredores e a sensação de estar sendo vigiada pela fresta da porta aberta. Tudo era terrivelmente incômodo. E quando o sol nasceu, eu ainda não havia dormido, eu estava em alerta, mas de olhos fechados. Isis acordou cedo, se arrastou fazendo o menor barulho que podia para fora da cama e andou na pontinha dos pés para fora do quarto.

Virei de barriga para cima, encarando o teto. Eu pensava em Oceano, pensava na maresia quieta que me dava tanto sono, nos peixes que passeavam por lá e em sua voz como sussurros me dizendo que estava lá. Oceano... Eu sentia um nó no estômago só por pensar em seu nome e na tranquilidade de suas águas. Pisquei uma vez, assimilando não pela primeira vez o lugar onde eu estava e a nova realidade a que fui exposta. Então, me levantei da cama, a passos trêmulos e desajeitados, tentando mais uma vez caminhar pelo quarto.

Minhas tentativas eram frustrantes, a cada queda, um novo arroxeado no corpo e arranhões. Eles não eram problema, eu só queria conseguir chegar até o jardim. Aos poucos, cheguei até a porta e me segurei na maçaneta, a abri e me arrastei para fora, tateando as paredes. O palácio parecia vazio, não havia ninguém nos corredores. Olhei ao redor do palácio buscando por mais detalhes, porém tropecei nos pés e tombei ao chão, com um novo talho cravado no meu rosto, próximo aos meus olhos, na direção das têmporas. Nesse momento, alguém apareceu , um dos guardas rompeu pelo corredor, buscando o motivo do barulho que ouviu.

Era aquele rapaz que se engatava na cerca viva para ver aquela moça. O rapaz de feições angulosas e barba fina. Ele chegou até mim e se curvou, estendendo uma mão para me levantar do chão.

- Pronto, garotinha. Você me parece bem melhor agora. - Ele sorriu cavalheiramente. - Precisa de ajuda para chegar a algum lugar? Aonde está querendo ir?

- Ao jardim. - Respondi.

Ele concordou comigo e me segurou pelas mãos, me ajudando a dar um passo de cada vez. Levamos muito tempo para chegar até o jardim, mas ele foi paciente e gentil durante todo o trajeto. Quando chegamos até a porta do jardim, ele soltou minhas mãos e me incentivou a continuar.

- Agora é com você, tenho certeza que vai conseguir chegar até lá sozinha. - Ele fez uma breve reverência portando um sorriso amigável no rosto, deu uma piscadela para mim. - A propósito, meu nome é Gálio. Gálio Leger. Também sou novo por aqui. Nos veremos novamente, princesa.

- Silene. Silene Stacy. - Eu disse antes que ele partisse fazendo continência sem desmanchar o sorriso de sua expressão.

Depois que ele partiu, caminhei trêmula e bem devagar pelo jardim. Inspirei profundamente e senti o doce aroma das diversas flores daquele lugar. Me aproximei de uma rosa e fechei os olhos para apreciar seu cheiro. Não só senti o cheiro das rosas, como também ouvi o som de alguém molhando as plantas. Andei calmamente na direção do som e lá encontrei meu irmão, Crixus.

- As vezes eu também não consigo dormir. - Ele disse, me olhando pelo canto dos olhos, com uma pequena saliência no seu nariz avermelhado. - Se você quiser, eu te dou tampões de ouvido. Não resolvem tudo, mas podem ser bem úteis.

Estreitei os olhos para ele numa expressão confusa, porém no final estendi uma mão para ele e esperei.

- Eu, ham... Não estou com eles agora. - Ele disse.

- O regador. - Apontei para o objeto em sua mão, ele ficou com o nariz ainda mais vermelho ao entregar o regador.

Pacientemente, Crixus me ensinou como regar cada flor e planta daquele jardim, enquanto me estendia seu antebraço como apoio para que eu não caísse. Nas palavras dele, eu já tinha machucados o bastante para um fantasma. Eu sabia que no mínimo deveria ficar ofendida pela sua brincadeira, contudo eu realmente me sentia como um fantasma. Eu sabia que não sentia as coisas como as outras pessoas, que não sabia ser menos indiferente. Não sei a quê se deve, mas carrego uma impressão comigo. A impressão de que eu nem sempre fui assim, o pressentimento de ter perdido algo talvez irrecuperável. Esses pensamentos rodeavam minha cabeça desde muito nova, porque talvez eu não fosse tão jovem assim.

- Essa planta me lembra a Isis. - Disse Crixus cortando meus pensamentos. - Quando a Isis nasceu, mamãe me perguntou qual nome eu queria dar a ela e eu escolhi o nome dessa planta, Fluera Isis. A Isis é uma planta que parece exatamente igual às outras, mas ela é especial. Está vendo?

Ele abriu a planta ao meio e dentro dela havia uma semente que segundo ele, tinha o poder de curar qualquer enfermidade, da alma ou do corpo. Diferente das outras plantas, a Fluera Isis nunca morre, enquanto suas raízes estiverem no chão. Ela pode se recuperar de qualquer dano. Quanto mais velha, mais milagrosa, dizem até que quando encontram uma Fluera Isis de mais de 100 anos, o chá de sua semente ganha propriedades rejuvenescedoras. Porém, essa planta também é muito rara.

Continuamos andando pelo jardim até que encontramos uma enorme estátua de uma mulher de joelhos segurando um pendente à mão. Sua estátua representava seu tamanho real, sua verdadeira forma como deusa. Cada deus tem uma característica única que o difere dos outros deuses. Para essa deusa, é a altura.

- Não é de uma deusa de verdade. Essa deusa não existe. - Explicou Crixus. - Se trata de uma lenda sobre a ascensão de uma criatura para deus. Em sua ascensão, ela se sacrifica para salvar o povo que ama.

Toquei o pendente que escorregava entre seus dedos e o senti soltar, caindo em minha mão esquerda. Apreciei a beleza daquele colar, Crixus apenas seguiu em frente, depositando o regador sobre um pequena mesa de madeira. Me equilíbrei com dificuldade sobre os pés para segui-lo. Meu irmão parecia feliz por ter uma companhia de alguém de idade parecida, ele estava leve e aos poucos ia se soltando enquanto me mostrava o exterior do palácio, suas saídas secretas e finalmente, o estábulo onde eram mantidos todos os cavalos da corte, inclusive aquele cavalo alado que me trouxera até Paladia.

- Ah... Me desculpe, eu não quis lembrar você... Eu entendo que é difícil saber que... - Ele engoliu em seco, sem saber como terminar aquela frase.

- Está tudo bem. - Eu respondi, olhando para o portão que mantinha o animal preso. Aquele cavalo era lindo, grande e forte. Mas, havia algo de humano em seus olhos, como uma sombra. - Qual é o nome dele?

- Ele é o último cavalo alado que existe, por isso, nós o chamamos carinhosamente de Peu. - Ele disse, coçando a cabeça. - Dá para perceber que a ideia do nome foi da Isis...

- Sim. - Falei pensativa. - Posso andar com ele?

Crixus assentiu com a cabeça e foi até a portinhola, abrindo-a e liberando o animal de seu cativeiro. Crixus estendeu as rédeas para mim e eu as aceitei de bom grado, usando Peu como suporte para caminhar. Meu irmão apenas assistiu de longe enquanto eu caminhava com Peu até o campo de trigo. Peu era um ótimo cavalo, manso e bem treinado, ele aceitava facilmente que eu o usasse como apoio e quando eu perdia o equilíbrio dos pés, ele estendia o fucinho para me aparar.

Em algum momento, o animal se curvou para que eu subisse em seu lombo e juntos cavalgamos até o entardecer, colhendo frutas e cruzando riachos, espantando pássaros e sentindo o vento nos cabelos. Peu era excelente, e desde que nos conhecemos, sua lealdade se tornou apenas minha. No fim da tarde, quando voltamos ao palácio, acariciei sua testa e o deixei solto, eu senti que ele não iria a lugar algum sem mim.

.............

PRESENTE

Prender a respiração. Ouvir o som doce e suave do silêncio. Debaixo da água, os sons se espalham numa frequência quase extinta. No fundo do rio, o corpo não bóia, ele afunda. Há um pesar no peito, o coração bate tão devagar que é quase como se estivéssemos mortos. Os dedos são os primeiros a se enrugar de frio, mas esse calafrio que corre pela espinha, é na verdade reconfortante. Há também o desespero de estar se afogando, o medo de sentir a vida nos deixando. Porém, abaixo da água, até a morte é agradável. O corpo, depois de cheio e o coração parando de bater, vão descansando, os espasmos vão se esvaindo.

Stacy abriu os olhos debaixo da água vermelha de sangue que escorria do seu cabelo e pele. Ela puxou seu corpo para cima segurando nas bordas da banheira. Água escorreu pelas suas narinas, se retirando do seu corpo. A garota abraçou os joelhos na escuridão da noite enquanto ouvia os trotes dos cavalos e carruagens se arrastando até a enfermaria do palácio. Eles estavam chegando, finalmente. Ela levantou seu corpo esguio para fora da banheira, caminhando com passos molhados até a janela para ver em que situação se encontravam seus irmãos e mãe.

Mesmo de longe, ela podia ver que os três estavam bem. Sua mãe carregava no olhar um cansaço enorme, mas ainda assim esbanjava força e realeza. Isis estava inteira, com leves machucados sobre sua pele, porém nada grave. Ela parecia mais preocupada em cuidar dos ferimentos alheios do que dos seus. Crixus e Leger vinham atrás, carregando os feridos que não couberam nas carruagens, a pé. Larissa também estava lá, sem um arranhão, transbordando um monte de sensações diferentes.

- Levem-nos para a enfermaria, providenciarei mais curandeiros no reino. - Exclamou Lárissa, abaixando o tom de voz para falar com a rainha. - Minha rainha, deixe o resto comigo. Descanse. Posso cuidar de tudo por aqui.

A mãe de Stacy olhou Lárissa nos olhos tocando em seu rosto com a palma da mão e beijou sua testa. Muito bem, ela respondeu baixinho. Mais à frente, Rosalind lhes aguardava com um olhar aflito que ora era para a rainha, ora para seus filhos e ora para o general parcialmente ferido, com um de seus braços em carne viva. Stacy conseguia sentir o cheiro do sangue pingando do braço multilacerado do general. Nos olhos de Rosalind também havia uma confusão de pensamentos e emoções, seu coração palpitava tão depressa que Stacy se perdia na contagem de pulsamentos.

- Senhora, venha comigo. Preparei um banho quente. - Disse Rosalind.

- Até em um momento como este, Rosalind? Seja menos formal e menos tensa. Todos ficarão bem. - Camie respondeu, aceitando os cuidados de sua generosa serva.

- Vá descansar, mãe. Eu e Leger continuaremos a carregar os feridos. - Crixus se pronunciou.

- Não. Você e Leger irão descansar também. Deixe que Isis e Lárissa cuidem de tudo. É uma ordem. Para os dois. - Ela proferiu, engrossando a voz. - Vamos para dentro, agora.

Crixus e Leger se entreolharam e engoliram em seco. Colocaram os homens sobre um leito improvisado e adentraram o palácio junto com Camie e Rosalind. Stacy estava aliviada, porém inquieta também. Suas mãos estavam frias como gelo, ela podia jurar que estavam congeladas. Sem esperar mais, ela calçou suas luvas e colocou uma roupa escura, descendo até o quarto de Crixus. Seu irmão estava deitado na banheira, cochilando. Sua cabeça pesava para a frente e sua respiração estava ofegante. Sua irmã sentou-se próximo ao seu rosto e tirou uma luva para testar sua temperatura. Ela tocou sua testa, levantando os fios de cabelo lisos e escuros com seu toque.

Ele estava tão sereno, dormindo profundamente dentro de uma banheira de água quente, que ela fez o mínimo de barulho possível para não acorda-lo. Observou que ele não estava apenas parcialmente ferido, ele havia recebido um contra-golpe profundo na barriga, o sangue jorrava para fora do seu corpo indo para dentro da banheira. Ela esticou sua mão livre para tocar seu ferimento e enquanto ele resmungava de dor ainda sonolento, ela apertou o local do sangramento sentindo sua pele se fechando, unindo a carne até sumir a cicatriz. Logo, todo o seu corpo estava novo em folha, recuperado. Ela deu a volta no entorno de sua banheira até encontrar o tampão, puxou de lá, deixando a água escorrer pelo ralo, se livrando daquele odor sanguinário que exalava dela.

Quando a banheira ficou vazia, Stacy tampou novamente o ralo e ligou a torneira de água quente. Assim que a banheira encheu, desligou a torneira e o deixou lá, adormecido de um dia inteiro de combates, seu corpo estava tão esgotado que ele não acordou em momento algum para brindar sua irmã com seus olhos brilhantes. Ela saiu de seu quarto à passadas longas e fechou a porta atrás de si, indo ao quarto de sua mãe. O palácio estava em movimento no pátio abaixo dos seus pés, ela ouvia os gemidos, pessoas choramingando vendo seus entes queridos sentirem tanta dor. Elapodia sentir a dor deles irradiando de seus corpos.

Stacy atravessou os corredores até o quarto de Camie, porém se deteve antes de entrar, sua mãe e Rosalind conversavam entre si, enquanto Rosalind esfregava as costas cansadas da rainha.

- Você já tem guardado tantos segredos para mim, minha querida. - A voz de Camie estava fraca, rouca. - E talvez este segredo seja o mais importante de todos.

- Estou ouvindo. - Respondeu Rosalind, esfregando seus braços.

- Acho que você é a única em quem confio todos os meus conhecimentos... - Continuou Camie. - Para mim, você é uma amiga. Uma fiel amiga. Em todos esses anos em que estive viva, fui traída inúmeras vezes.

- Eu jamais a trairei, senhora! - Respondeu imediatamente.

- Ah, sem nem titubear! - Ela riu com sua voz grave e rouca. - Eu saberia se fosse mentira, eu sei de mais coisas do que gostaria. Não sei se é uma benção ou uma maldição.

- Todos os seus dons são uma benção, sem dúvida. - Disse Rosalind, jogando água no corpo de Camie. - Se não fosse pelos seus dons... Eu provavelmente não estaria aqui. Tenho uma dívida de alma com a senhora.

- Menos, Rosalind. Você está em minha companhia como uma filha, é minha sábia conselheira, não é uma serva. Uma boa rainha não dispõe de servos, todos são seus amigos e súditos, e por eles daria a vida. - Camie disse, repreendendo-a. - Pois, até mesmo eu, uma semi-deusa como todos gostam de dizer, tenho medos, receios e preocupações.

- E do que tem medo? - Rosalind perguntou, buscando uma toalha.

Stacy podia ver pela pequena abertura da porta, assistir de perto sem ser notada o que diziam e faziam ali. Sua mãe ficou de pé, seu cabelo comprido chegava à altura dos quadris. Sua conselheira a enxugou atenciosamente como se polisse um ítem de extremo valor. Depois, a ajudou a vestir uma camisola macia e confortável, levando-a para sentar-se sobre a cama. Rosalind apanhou uma escova e juntou-se próximo à Camie para escovar seu cabelo carinhosamente.

- Eu temo por todos. Temo não poder protegê-los do mal que se aproxima. Viveremos dias de paz por enquanto, mas tenha certeza, o embate de hoje não é nada se comparado ao que está por vir. E eu... Já não sou mais a mesma.

- Use seu poder. Já faz muito tempo que não o utiliza. - Retrucou Rosalind, agora fazendo uma trança no cabelo da rainha.

- Eu venho suprimindo minhas forças durante tanto tempo, tenho usado meu poder apenas para ganhar tempo, apenas para impedir que ela descubra. - Stacy atentou os ouvidos para o que ela dizia.

- Majestade, já é hora de deixá-la lembrar. De permitir que ela saiba... - Aconselhou, Rosalind.

- Posso sentir, Rosalind. Posso sentir em minhas veias que estou perdendo o controle, está começando a ser demais para mim. Até mesmo eu... - Ela se interrompeu, olhando para fora, vendo a lua gigante no céu através da janela.

- Minha rainha - Rosalind se colocou diante dela e segurou em suas mãos. - não se cobre tanto. Sempre há uma segunda alternativa. Daremos um jeito.

Camie sorriu gentilmente para ela, mas sua expressão não parecia feliz, muito menos aliviada. Quem era a pessoa de quem a mãe de Stacy guardava um enorme segredo? E que segredo era esse que não poderia ser revelado? Com aquela conversa, Stacy lembrou- se que certa vez, ouviu dizer que Camie já foi muito mais do que tem sido, muito mais forte, muito mais valente e astuta. No entanto, a princesa só teve a oportunidade de presenciar isso uma única vez, quando foi resgatada do Império das Trevas...

Stacy baixou seus olhos para o chão e encarou os próprios pés, fixando-os numa tentativa de fugir, de não ouvir as vozes ao pé do seu ouvido. Aqueles gritos de pavor assombravam seus pensamentos toda vez que ela lembrava do tempo que passou cativa naquele lugar miserável. O Império das Trevas é a junção de todo o mal e perversidade que se possa imaginar. Há naquele lugar um regime severo que pune à todos os inferiores e escravos do Mundo de Plandar.

As vozes ficavam cada vez mais altas, mais ensurdecedoras, e quanto mais rugiam as vozes, mais Stacy perdia o total controle de suas atitudes. Ela correu pelos corredores tapando os ouvidos, se arremessando contra as paredes, atravessando-as desesperadamente, indo o mais longe que podia ir, fechando os olhos com força, espremendo seu cérebro contra as paredes do seu crânio para fazê-lo pensar em outra coisa. E quando abriu os olhos, ela estava de joelhos na prisão que havia abaixo do palácio, onde ainda era mantido o homem que julgaram ser um traidor do reino.

- Você não é ela, apesar de se parecer muito. Quase não há diferenças. - Ele disse para Stacy, com a voz rouca.

Ela ficou de pé para encará-lo e olhou em seus olhos, se distraindo da recente dor que sentira. Seu olhar era o profundo desespero de quem já esteve no inferno e sobreviveu a ele. O corpo do homem estava coberto por uma manta grossa e felpuda, o protegendo do frio do calabouço.

- O que está dizendo? - Perguntou, finalmente.

- Estou dizendo que você não é quem eu procuro. - Ele olhou para o nada, encarando o vazio da sua própria resposta. - Talvez eu a tenha perdido para sempre. As vezes, mal consigo me lembrar do seu rosto e cheiro que emanava de seu corpo.

Por um momento, Stacy pensou que poderia lhe perguntar quem era essa pessoa e porque ele queria tanto vê-la, mas a resposta parecia óbvia demais. Ele estava em busca de alguém amado, uma mulher a quem ele dedicava enorme sentimento e que por ela era capaz dos maiores gestos. A princesa o fulminou com os olhos, analisando sua expressão, para então fazer a pergunta que ela realmente queria lhe fazer.

- Porque está agindo como um traidor?

- Devo merecer o julgamento. - Ele respondeu, simplesmente.

- Conheço o cheiro de traidores. Fedem como podridão. - Retrucou.

- E eu não? - Ele apertou os olhos para ela, numa expressão quase ameaçadora. - Ouça, estou aqui por minha vontade. Estas celas não podem aprisionar um deus.

- Um deus. - Ela repetiu, afirmando para si mesma. Agora fazia muito mais sentido. Um deus disfarçado de plebeu para procurar uma mulher. Que novidade há nessa história? O divino comportamento de todos os outros deuses, fantasiar-se para buscar alguém.

- Você não parecia muito bem agora a pouco. - Emendou.

Stacy apertou os punhos, lembrando-se do episódio que ele havia presenciado.

- Já vi isso acontecer outra vez. Thamuz vai tomar a sua mente pouco a pouco. Exatamente como fez com ela. - Ele falou com uma expressão muito dolorosa. - Você não pode fugir dele.

Fugir. Stacy estava fugindo ainda. Todos os seus caminhos são fugas, ela estava sempre tentando escapar desse pesadelo. E para onde quer que ela vá, Stacy sente o imperador ao seu encalço. Porém, ele ainda não tinha sua localização confirmada, não atacaria imediatamente. Não restara provas que acusassem onde ela estava, portanto ela ainda poderia continuar em Paladia e garantir que Thamuz não machucaria mais ninguém.

Mesmo nas sombras, sem que ninguém saiba, ela estaria lá para manter todos a salvo. Afinal, era o mínimo que Stacy poderia fazer. E era exatamente o que faria. Ela nunca seria a rainha que Plandar precisava, então ao menos seria sua guardiã.

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