Capitolo primo

"Todas as coisas são difíceis, antes de se tornarem fáceis."

(Thomas Fuller)

Corri atravessando a enorme propriedade da família Grazzo, meu avô havia deixado tudo para mim em testamento, ele me fez prometer que jamais contar ao meu pai, pois ele jamais aceitaria que seu filho bastardo fosse o único a ter direito sobre todo o patrimônio da família. Vovô acreditava que meu pai destruiria até a última grama do jardim antes que eu tivesse idade para detê-lo.

Mas eu suspeitava que ele já soubesse de alguma forma, pois ele está cada vez mais furioso comigo. Suas dívidas eram crescentes, e em vez de pagá-los, meu pai me forçava a matar seus credores. A imagem era tudo o que ele tinha, e jamais deixaria que alguém de fora da família, tivesse conhecimento de sua decadência.

O ódio que meu pai alimentava ano após ano pela família Rizzo, seria a causa da sua queda, mas como o covarde que ele era, meu pai descontava suas frustrações em sua mulher e suas filhas, e claro em mim. E desta vez eu teria que impedi-lo.

Eu sabia que ele descontaria nelas, mas não podia cumprir suas ordens desta vez, não podia sacrificar uma vida inocente para que os propósitos escusos dele fossem bem sucedidos.

Domenico matou a minha mãe, ela estava grávida de minhas irmãs, Kiara e Giovanna. Muitas vezes eu assisti impotente as lágrimas da minha mãe, embora ela tentasse disfarçar. Ele batia nela, sua violência não conhecia limites, embora evitasse machucar seu rosto, braços ou pernas.

Eu vi seu corpo machucado enquanto ela estava em seu quarto em uma manhã, eu não deveria ter visto, mas meu pai estava gritando com ela, e quando ele saiu fui ao quarto dela e vi os hematomas em suas costas coxas e costelas. Desejei poder protegê-la, mesmo eu sendo só um garotinho.

Quando minha mãe morreu, eu jurei mata-lo, jurei quando ainda era apenas um garotinho apavorado e sozinho. E a única coisa que me mantém longe da promessa feita no túmulo de minha mãe, era a promessa feita no leito de morte do meu avô. Ele me pediu para cuidar do nome Grazzo, para não deixar que meu pai destruísse o seu legado, era meu dever proteger não apenas o nome e o império Grazzo. Era meu dever mantê-las a salvo proteger a minha família.

Meu pai era mais poderoso do que eu, e quando se é criado pelo medo, é inevitável curvar a cabeça diante de qualquer imposição de força. No entanto, meu ódio me mantém a espreita, em algum momento terei a vida dele em minhas mãos, - Una vita per un'altra vita - eu vingarei o sangue de minha mãe e de minhas irmãs mortas, e darei ao meu avô o descanso dos justos quando der a Domenico Grazzo a paga por seus pecados.

Entrei em casa e procurei por Flora, ela estava no jardim, como sempre, pintando suas belíssimas aquarelas.

- Flora! - chamei por ela, - preciso que pegue as meninas e vá dar um passeio, vá visitar suas amigas, ou vá às compras, pode fazer isso por mim?

- Aconteceu alguma coisa Enzo? - ela perguntou deixando de lado a sua paleta godê.

Flora confiava no meu julgamento a respeito de meu pai, e sabia que devia me ouvir pelo bem de sua segurança e de suas filhas.

- Você ficará bem?

- Nada que eu não tenha vivido antes, ele está bravo comigo e não quero que ele desconte em você e nas meninas.

- Filho, porque faz isso? Domenico é um homem perigoso, não deve enfrentá-lo.

- Eu ficarei bem e você também, agora vá! - eu pedi e ela foi.

Meu estaria furioso, por ter que limpar a bagunça que deixei para trás ao me recusar a dar cabo de suas ordens. Os homens que faziam parte da sua guarda pessoal, foram os primeiros alvos de sua fúria, mas nada comparado ao que ele reservava para mim, então comecei a contar os passos...

- Um, Dois, três... Vinte e sete vinte e oito... e quarenta e seis - contei em voz alta, esse era o tempo em que ele levava para ir da porta de entrada até a sala que um dia foi da minha mãe. Eu aprendi a contar suas passadas longas e furiosas, e quanto menos tempo ele levava para chegar maior era a sua fúria e consequentemente o castigo. Sua bengala muitas vezes usada como arma, estava marcando os nós de seus dedos. Meus olhos foram instintivamente para ela, pois já conhecia o estrago que ela podia causar.

- Nunca mais, entendeu? Nunca mais ouse a me desafiar - ele gritou caminhando a passos largos em minha direção - você aprenderá de uma vez por todas seu bastardo!

Mas ele parou a pouca distância de mim ao perceber que eu não me encolhi, eu estava pronto para levar aquilo às últimas consequências e de alguma forma ele percebeu.

- Se tocar em mim, em Flora ou nas meninas eu não vou me tornar homem feito - meu pai me olhou com fúria, pois sabia que ele não poderia me impedir de falhar e o envergonhar diante de todos.

- Você não ousaria, não falhará com esta família, eu o matarei antes que o faça - gritou furioso.

A ascensão à fase adulta acontece aos dezesseis anos na máfia, é claro que se é muito jovem para tomar tais decisões, mas vivemos em um mundo perigoso, e nossos inimigos não pedem atestado de maioridade antes de enfiar uma bala em nosso peito.

E a cerimonia que faria de mim um homem feito para a máfia e para os Titolare di Segretti estava mais próxima do que Domenico queria.

Tráfico de drogas, extorsões e assassinatos, fiz o trabalho sujo do meu pai por mais tempo do que me lembrava, e me tornar oficialmente membro da máfia, poderia ser libertador para mim, e Domenico temia isso tanto quanto temia ser exposto diante de todos se eu fracassar.

- Você não vai destruir o que levei anos para construir, não permitirei que me envergonhe seu bastardo de merda.

- Construir? Eu jamais vi tal coisa, tudo o que você deixa é um rastro de destruição e morte por onde passa.

- Não ouse dirigir a palavra a mim seu fedelho de sangue ruim eu te matarei antes que me destrua.

- Como fez com a minha mãe? Como meu avô morreu pai? Foi um acidente também? - perguntei com voz firme, não o deixei ver o quanto estava amedrontado.

- Amanhã você estará lá, com a porra de um sorriso no rosto, e fará o melhor tempo. Eu te treinei para isso, não fraquejará diante de qualquer desafio, e quando tudo terminar estarei lá para receber as honras. E se falhar comigo, acabo com você, capisce?

Não respondi, pois, a fúria que estava fervendo no meu peito ameaçava sair pelos meus punhos, e eu perderia uma luta com ele. Não podia arriscar a vida das minhas irmãs e o império do meu avô.

- Responda bastardo, você me entendeu?

- Si, Io capisco, papà - chama-lo assim o irritava além da morte, mas ele já havia feito o seu ponto.

A minha total submissão o acalmou de certa forma, e quando Flora chegou com as meninas ele já parecia mais calmo. Como sempre ele não dirigiu a palavra a Flora e nem a Serena, mas de alguma forma ele tinha algo em relação à pequena Valeire, e isso me preocupava, pois, ele era capaz de vender a própria alma para o diabo se tivesse uma. Essa era uma das razões pelas quais eu ainda lutava, protege-las dele.

A família, para a máfia é um bem inviolável, pelo sangue se vive e por ele se morre, mas não se podia confiar em tradições seculares quando se tratava dos interesses de meu pai, havia um seguro de vida para cada um de nós, coisa que não era comum na máfia. Nós confiamos em nosso próprio braço para proteger nossas famílias.

Não haveria necessidade de dinheiro para ele se meu avô não tivesse deixado tudo para mim, mas ainda assim Domenico fez uma fortuna incalculável com seus negócios sujos.

***

Fabrizio Sorrentino estava nervoso quando chegou a minha casa na véspera da cerimônia, seu pai embora não fosse um mostro como o meu pai, era também muito orgulhoso e jamais aceitaria que seu filho falhasse na iniciação.

- Non preoccuparti mio fratello, você vai tirar de letra. A gente já nasceu com essa porra gravada em nosso DNA.

- Se eu falhar meu pai vai me deserdar, e esta pode ser a minha única chance de carimbar meu passaporte para estudar em Oxford e ficar longe de toda essa merda.

Eu nunca consegui entender essa fixação dele para ir para tão longe, não há como fugir da máfia, isso é o que a gente é. Fabrizio era meu único amigo, não é fácil fazer amizades quando se tem mais ódio do que sangue correndo nas veias, nunca fui muito sociável, mas esse cara sempre esteve lá para mim, mesmo ele sendo um pé no saco.

- Você vai conseguir, é só focar no que você quer e quando ficar difícil pensa que estará a um passo de sair fora dessa merda. Além disso, se você chorar eu mesmo atiro em você, frocio faccia culo.

- E você Enzo, sempre quis ficar longe dele, por que não vai agora? Seu pai não poderá te negar.

- Não posso sair daqui até as meninas estarem em uma idade segura, você sabe que eu não me vejo em uma universidade. Sou um chefe como meu avô, meu pai ainda não sabe, mas eu possuo a bunda dele.

E possuía mesmo, não era só pela herança, mas também por provas que eu estava juntando contra ele. Meu pai estava tramando algo perigoso, e eu suspeitava que quem estava junto com ele nessa é muito mais esperto e perigoso do que ele. Quem puxava as cordas do meu pai não deixa pontas soltas, eu estava atento a isso e um dia ele cometeria um erro e eu estaria lá para vê-lo cair.

Enquanto esse dia não chegava, eu estava indo atirar a sorte na cara do meu mais uma vez, participar de lutas clandestinas que Fabrizio ajudava a organizar era uma forma de controlar minhas emoções em fúria, e ainda me divertir um pouco no processo. A única que realmente se preocupava por mim e pelo que eu estava fazendo era Flora, mas ela entendia que eu precisava de algo extremo para manter minha sanidade. E o simples fato de Domenico me proibir de fazê-lo era um combustível a mais para toda a adrenalina.

Lutas de rua, disputas de velocidade com carro e moto, além dos esportes radicais, isso me ajudava ter controle, ainda assim, algumas pessoas acreditavam que eu estava prestes a perder minha alma.

Como se eu tivesse uma.

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