VINTE E UM

— Não sabia que era tão bom em curativos, Peter — Ian disse enquanto saía da casa do pequeno Lenon, que agora dormia em paz.

Peter suspirou e falou:

— Quando era mais jovem, eu tinha o sonho de ser médico também — ele comunicou seu antigo desejo, e Ian se surpreendeu. Nunca poderia imaginar. — Contudo, minha família não tinha posses e o futuro que me esperava era realmente ser um trabalhador no casarão.

— Nunca tentou uma forma de realizar seus sonhos? — Ian questionou.

O jovem deu uma risada e colocou as mãos nos bolsos do casaco para aquecê-las.

— Tentei. Fugi para a Capital a fim de conseguir um emprego, porém nada deu certo. Fui posto numa situação em que somente tinha um caminho a percorrer e era a volta para casa — explicou um pouco do seu passado.

Ian pensou sobre como a vida poderia ser tão diversa em relação a sonhos. Ele quis ser médico e o Senhor o abençoou com uma ajuda financeira que custeiou seus estudos. Peter obteve o mesmo anseio e não foi atendido.

— Não ficou aborrecido? — Ian perguntou. — É tão difícil ter os sonhos frustrados e os planos mudados.

Ele ainda sentia o remorso por sua vida ter tomado caminhos tão diferentes. Agora precisava se casar e ficar. Outrora sonhava em partir para outras partes do país a fim de exercer a profissão aos mais desfavorecidos. Era uma honra que gostaria de ter e sentiu-se roubado por isso lhe ser tirado.

— Os desejos existem para também avaliar nossos corações, dr. Turner! — Peter respondeu e soltou uma lufada de ar cuja fumaça branca saia de sua boca e rodopiava no ar.

— Como? — Ian declarou, apertando firme sua maleta.

O lacaio parou sua caminhada e virou-se para o médico, que tinha um olhar curioso para ele.

— Ser médico, ajudar pessoas e tudo mais realmente é um sonho digno. Afinal, você quer ser útil no mundo! — Peter olhou para o lado e estreitou o cenho. — Mas Deus sabia que a intenção do meu coração não era isso em sua inteireza. Eu queria ter um meio de fugir de minha família. Ir embora de casa e não lidar com os problemas.

Ian Turner não declarou nada, mas permaneceu em sua posição, motivando o rapaz a prosseguir.

— Minha família não tinha paz. Todos os dias eram brigas entre meus pais e com meus irmãos. Vivíamos um inferno! — O rapaz voltou a encarar Ian. — Eu queria ser alguém na vida e era muito bom com os animais doentes. Tudo isso alimentou o desejo do meu coração.

— Não entendo, pois já vi você com seu pai andando pelas rendondezas da casa e pareciam se darem muito bem — Ian falou com o cenho franzido.

— Com o tempo, ele tornou-se um bom amigo, porém atravessamos diversos vales para chegar aonde estamos agora como família. Quem olha nem imagina o caos que imperava! — o jovem empregado apertou os lábios. — É por isso que digo que Deus sabe a intenção do nosso coração.

— Está dizendo que frustrar seus planos foi a maneira santa de Deus de transformar sua família?

— A mudança da minha família foi uma consequência, mas a realidade foi a transformação do meu caráter. Deus sabia como eu era raivoso e cheio de amargura. Fugir não resolveria nada.

Ian incomodou-se um pouco com aquela história.

— Antes de querer me ver feliz, Deus desejava que eu fosse santo. Uma coisa é consequência da outra. — Peter expeliu o ar e balançou a cabeça. — Naquele momento da minha vida, arruinar meus planos era sua forma de demonstrar seu amor por mim. Ficar transformou meu caráter e eu me tornei, ainda que em pequena parte, alguém mais parecido com meu Jesus. Não é esse o propósito de Deus ao salvar o pecador?

O jovem médico nunca havia pensado naqueles termos sobre a salvação. Percebeu ter um conhecimento limitado sobre a própria ação de Deus na vida do homem.

— As escrituras dizem que Ele preparou as boas obras para que nós a cumprissemos.* Quando somos salvos temos nossos planos, mas Deus tem os dEle cuja estrada nos leva para sermos mais parecidos com Cristo, a estatura do homem perfeito — Peter declarava com convicção.

Ian não falou, mas permaneceu parado como se uma força maior o segurasse ali a fim de ouvir o jovem empregado.

— No entanto, uma hora o plano do homem colide com o plano de Deus. Um deve desistir e, certamente, esse não será Deus. Afinal, Ele prometeu cumprir sua boa obra em nós* — Peter sorriu. — Então, podemos nos irar e sofrer porque queremos ter o controle de nossas vidas, e o Senhor parece que toma isso de nós e leva-nos a fazer sua vontade de uma maneira que não esperamos.

A verdade é que aquela conversa golpeava com força o coração de Ian. Não era ele que havia sentido todos esses sentimentos quando foi lançado no noivado com Emily? Tinha a odiado tanto por isso. Ela havia sido uma pedra de tropeço para seu caminho e sonhos. Indagou-se naquele instante se não estava irado com Deus todo o tempo.

— Ouvi uma frase uma vez que diz: Até mesmo as poeiras que voam no ar fazem seu caminho de acordo com a vontade de Deus". — Peter citou. — O cristão precisa aprender que não é dono da sua própria vida. O caminho que traçamos para a gente deve morrer junto com o velho homem. Porque fomos salvos para cumprir a vontade eterna se Deus, que é ser como seu filho. E nossos sonhos muitas vezes não cooperam para esse propósito. Meu sonho de ser médico não contribuia para o meu bem, mas ser um empregado no casarão sim.

— Você aprendeu tudo isso através de perder seu sonho?

— Foram anos, dr. Turner. Mas sabe, sofrer para aceitar a vontade de Deus é melhor do que teimar em fazer a nossa, pois o fruto da obediência é de real felicidade e paz.

— E agora não tem mais planos e sonhos? — Ian inquiriu com os olhos semicerrados.

— Tenho vontade de ir para o oeste conseguir minha própria terra, mas estou orando. Por enquanto, procuro cumprir o que Salomão fala em Eclesiastes 9.10 "Tudo que vieres à tua mão para fazer, fazes conforme as tuas forças." — Peter esfregou as mãos para aquecer. — No momento, procuro honrar meu trabalho e fazer o melhor porque é o que Deus me deu.

Ian assentiu com a cabeça e suas ponderações foram graves sobre suas grandes falhas. Toda aquela simples conversa foi um exortar Divino. Deus sabia de sua condição rebelde. Seu ódio contra Emily só escondia sua ira velada contra Deus, afinal, se ele estava naquela condição, ainda era permissão divina.

O pecado de Emily serviu para mostrar seu próprio pecado, que era tão terrível quanto. Ele sentia o amargor de suas ações. Não era tão justo como imaginava. Sentiu-se humilhado. Que cristão era ele cujo coração se revoltava contra o Deus que dizia servir? Suas orações eram vazias e a sentiu-se um hipócrita. Condenou tanto a jovem noiva por sua "loucura, mas era cego a ponto de não enxergar a imundície de sua justiça própria. Ele era terrivelmente culpado.

— Peter, enfim, encontramos você! — Meredith chegou por trás do jovem empregado e sua fala eufórica assustou os dois homens.

— O que foi? Alguém morreu? — Peter perguntou nervoso. 

— A Emily não está passando bem, precisamos voltar e levá-la! — disse exasperada, e Ian ao ouvir aquilo se sobressaltou.

— Onde ela está? — ele falou com um tom imperativo.

— Há algumas quadras daqui com a Corina. Ela está realmente mal.

Ian não declarou mais nada e começou a andar a passos largos e rápido até encontrar sua noiva. Ele a achou com a cabeça encostada nos ombros de Corina, que olhou com desconfiança para o médico que se aproximou de maneira bastante abrupta.

— Emily, o que sente? — Ian perguntou com preocupação. Ele a tocou na fronte para checar a temperatura. — Está quente!

A jovem o olhou com o semblante abatido e pálido. Ian nunca havia visto a saúde de sua noiva tão fragilizada. Meredith e Peter chegaram as pressas.

— Precisamos voltar imediatamente! — Ian não explicou mais nada, e Peter assentiu. — Venha comigo. — Ele a tomou nos seus braços. — Está fraca demais para andar.

Corine crispou os olhos para aquela ação do médico. A sua desconfiança aumentava cada vez mais, contudo, seguiu a frente com Meredith e Peter para ajudá-los.

— Ian — a voz de Emily era fraca —, está nos expondo outra vez.

— Não me importa mais — ele disse com sinceridade. — Descanse. — Emily o obedeceu e descansou a cabeça na curva do pescoço de Ian, onde sentia o calor e o pulsar dele.

Ian sentiu o encaixe de Emily e não poderia negar o quanto era agradável tê-la tão perto. Existia algo nele que queria escondê-la em seus braços e protegê-la.

— Podem subir, pois está tudo pronto — Peter declarou para o médico, que subiu com a noiva na carroceria atrás.

Na frente foram Meredith e Peter, pois Ian explicou que era mais útil ele ir atrás para caso de piora, portanto, Corina seguiu com eles dois para servir de dama de companhia.

Emily tremia com o frio da madrugada. Ian a tinha perto do peito e a aquecia com seu corpo.

— Por que está fazendo isso? — ela indagou baixo para ninguém mais ouvir, Corina cochilava a frente dos dois.

— Fazendo o quê?

— Entregando nossa relação? Não teme seu nome ser arrastado na lama por um escândalo?

Ian nada disse e soltou o ar pesado.

— Eu seria outra vez o motivo de sua ruína, não? — Emily disse e as lágrimas chegaram junto.

— Nunca disse isso! — Ian declarou de ímpeto.

— Não precisava, suas ações falaram por você! — Ela lançou as palavras e fechou os olhos.

O jovem sentiu o impacto daquelas palavras. Enfim, percebeu o quanto Emily tinha profundas feridas causadas por suas ações. A ira dele com Deus foi despejada em nela, mesmo que sem saber, afinal, ela era um ser visível e ele precisava ter um culpado. Feriu-a grandemente. Ela era atrevida, porém, nunca negou sua sensibilidade com as ações dos outros. Ian ponderou que ambos ainda estavam tão distantes e precisavam quebrar aquele muro de pedra que construíram  com palavras ferinas e ações estúpidas. Será que ele e Emily poderiam superar todas aquelas ofensas?

🍁

Ian precisava também acordar para a realidade!

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