VINTE E TRÊS

23 de dezembro de 1873

O baile anual de Madeline Wood chegou!

Emily terminou de vestir-se com o uniforme preto, diferente dos dias comuns, afinal, era um baile da elite e todos usavam trajes diferentes na noite especial.

Antes de descer, avistou sua bíblia em cima da cama e sorriu. Uma semana passou desde o incidente no vilarejo. A saúde estabeleceu-se e o espírito encontrou paz nas sagradas escrituras que lia com esmero todos os dias. Estava compreendo mais sobre a graça do Salvador.

— Não podemos nos atrasar. Vamos, Emily! — Corina a chamou da porta, e ambas desceram. Elas se posicionaram em fileira ao redor da mesa junto com os funcionários.

— Todos vocês aqui serviram os convidados! Sejam atentos. O baile anual de natal da Sra. Wood é uma tradição e nada. Absolutamente nada. Pode sair errado!

Os empregados em uníssono assentiram.

— Quaisquer imprevistos podem me comunicar. Podem começar! — A sra. Montclair saiu e os empregados começaram a buscar suas bandejas para servir aos convidados.

— A tradição é mais importante que a vida dos pobres — Meredith declarou com um tom revoltoso ao lado de Emily e Corina.

— Por que diz isso? — Corina indagou.

— Veja esse frio e essa guerra miserável que assola nosso país. Todos os dias notícias dos massacres, mas aqui estamos servindo a aristocracia! — A criada manifestou seu sentimento.

Emily nada disse, porém ponderou sobre o assunto. Deveria orar por aquela guerra que se arrastava a longos meses. Ela caminhava no corredor com os pensamentos distantes, segurando a bandeja com as entradas nas mãos e inalava o ar com profundidade.

— Mil libras por seus pensamentos! — O timbre de Peter ecoou em seus ouvidos.

— Eles não estão valendo muito. — Ela deu sorriso um tanto desconcertado.

— Permita-me dizer que seus olhos têm um brilho de tristeza durante esses dias — ele disse com compaixão. — Nada lembra a srta. Brown de espírito vívido como outrora.

— Você é um bom observador — ela declarou e o olhou. — Acredito que em partes é a saudade de casa.

Ela não mentia. A memória de seu pai estava a visitando constantemente. Lembrava-se das conversas e abraços dele. Era o único homem que a amava por completo e não a culpava por tê-la ao lado. As lágrimas se amontoaram ao redor dos olhos.

— Eu compreendo! — ele disse com misericórdia. — Hoje a noite é agitada, mas prometo que amanhã farei que a minha missão seja colocar um sorriso nos seus lábios.

Emily sorriu para o gentil amigo. O evento dos criados era um dia após ao da patroa. Ele estava empolgado por aquela ocasião, e Emily achou que poderia realmente utilizar desse momento para espairecer. Afinal, Peter era um cristão mais experiente e poderia aprender com ele.

— Eu vou esperar! — ela declarou com a voz um tanto emocionada.

Os dois chegaram ao salão de eventos e uma das primeiras pessoas que encontraram, que estava numa posição ereta, séria e de mão para trás era Ian Turner, que cerrou o maxilar ao vê-la com Peter ao lado. Ambos se contemplaram à distância e nada puderam falar.

Emily reparou nas vestimentas elegantes do noivo. Ian era realmente um homem de feições atraentes e sua postura e voz o recomendavam como um bom parceiro a qualquer mulher. Ele estava em compromisso com ela, mas aquilo não a fazia ter segurança nenhuma, o que apertava mais seu coração.

Ela desviou a atenção dele e resolveu servir aos convidados que chegavam. As jovens damas eram elegantes, e os rapazes afortunados. Bem diferente dos bailes de seu vilarejo. Ela reconheceu como ali as meninas eram mais petulantes e arrogantes. Elas nem a olhavam e quando isso acontecia as julgavam de cima para baixo. Ela perguntou se suas ações no passado eram terríveis assim. Que vergonha seria!

— Com vocês a Lady Wood! — Um homem anunciou alto após todos os convidados terem chegado.

Os olhares se voltaram para o topo da longa e esbelta escada, Madeline apareceu diante de todos com um perfeito vestido rodado azul e dourado. A saia possuía o caimento ideal e o busto acentuava seus atributos corporais com decência. O penteado alto e a tez branca e corada da patroa a atribuiam uma elegância nata.

Emily pensou que Ian estivesse admirado ao olhar para a beleza fascinante de Madeline, ainda que querendo fugir dessa comprovação, ela ousou olhá-lo e se surpreendeu ao vê-lo com os olhos fixos nela e não na dona da festa. Ela conseguia identificar a seriedade e indagação no olhar dele, afinal, desde seu mal-estar procurou fugir do noivo. Emily não sabia discernir o que sentia e, portanto, não podia enfrentá-lo.

Ian sentia o coração queimar ao ver sua noiva. Ele sabia que Emily estava fugindo dele e, para piorar sua situação, não poderia ir atrás dela a qualquer momento, apesar de ter considerado essa ideia muitas vezes. Sentimentos desconhecidos percorriam todo seu peito fazendo-o desejar mais do que tudo estar com ela. Céus! Não compreendia tamanho anseio.

O contato visual foi quebrado quando um cavalheiro se aproximou para pegar um dos aperitivos que ela carregava na bandeja. Era isso. Precisava concentrar-se no trabalho. Porém, suas intenções foram anuladas assim que observou os passos de Ian em direção a ela. Ele caminhava como se estivesse indo à guerra e talvez fosse isso.

— Boa noite, srta. Brown! Como tem passado? — ele perguntou, assim que se posicionou ao lado e pegou um dos aperitivos da bandeja para disfarçar.

— Bem, senhor. Certamente, sabe que já me recuperei do mal-estar. Quero agradecer por sua ajuda — ela disse, dando-se conta de como seu anseio de fugir não a fez considerar sua ajuda naquele dia.

— Que ajuda? Pois se minha memória ainda não foi afetada por uma amnésia grave, por certo, não lembro de tê-la auxiliado. Pelo contato, foi pedido que eu me retirasse do quarto. — Ele mordeu o aperitivo, e Emily notou como o maxilar de Ian estava rígido.

— Aquilo era para o seu bem, Ian. Por que você é sempre tão difícil? — Ela olhou para frente e respirou fundo.

— Como sair daquela forma seria para o meu bem, minha querida? Por favor, clareie meu entendimento que está obscurecido. — Sua fala era entre os dentes e não havia tanta compreensão como da última vez. — Ian pegou outro alimento de entrada e também fitou o salão à frente. Os dois estavam lado a lado, fingindo visualizar algo a diante.

— Ora, estava salvando-o de um escândalo. — Emily suspirou cansada. — Compreende muito bem que situação extrema estamos. Não podemos estar a sós.

Ian ouviu e soltou o ar.

— Sabe como precisamos conversar, Emily. Não pode simplesmente fingir que não precisamos resolver algumas questões e até mesmo ir embora daqui. Pelos céus! Minha paciência está no último fio.

— Ian, eu sei que precisamos conversar, mas eu... Eu... — Emily sentia um nó engatar na sua garganta.

— Como vão, pessoal? — Peter apareceu, e Ian quis enforcá-lo ali mesmo. Bufou!

Peter percebeu o olhar sério de ambos, mas não se ateve a nenhum problema que pudesse surgir ali.

— Esses bailes são um pouco massantes. Não acha, dr. Turner? — Peter perguntou, e Ian assentiu. — Eu disse para Emily que hoje a gente tem que suportar, mas amanhã ela saberá realmente o que é um baile. Nossas músicas são alegres e as danças percorrem pela noite toda. — Peter tinha um sorriso feliz no rosto.

Ian sentia a ira ser como um fogo que começava a fazer seu sangue nas veias ferver.

— Ora não diga. Um baile? — Ian indagou de forma retórica.

— Sim, a sra. Wood permite que os empregados comemorem logo após seu baile. Ela é gentil conosco — Peter respondeu e olhou em volta, pois sabia que não podia ficar conversando.

— Você vai, srta. Brown? — a voz de Ian era grave e ácida.

Emily o encarou, percebendo como seu semblante estava nervoso e sentia-se a ponto de explodir.

"Oh, homem do temperamento difícil!" Ela pensou.

— Peter, convidou-me há um tempo e eu aceitei — ela disse com a voz abafada, pois sabia que os ânimos do noivo estavam prestes a se elevarem.

— Claro que aceitou, afinal, a senhorita não tem  compromisso com ninguém. — Ele balançou a cabeça e sorriu para Peter, mas não era gentil.— Por certo, a srta. Emilly possui tanta liberdade que pode fazer o que quiser com ela.

Peter crispou os olhos, pois não compreendia tal conversa por parte do médico. A voz de Ian não possuía seriedade, mas era carregada de ironia. Ele olhou adiante e viu Corina o chamando. Não podia simplesmente dizer que não ia.

— Licença, preciso retirar-me. — Mas antes de sair, disse: — Emily, não fique muito tempo parada. A senhora Montclair não gosta disso. — Ele partiu.

Um silêncio pairou rapidamente sobre eles. Ian tomou uma taça de vinho e notou como as pessoas ao redor estavam detidas em conversas e a música começava.

— Preciso ir! — ela virou-se para andar, porém ouviu.

— Saiba que não irá a baile nenhum! — Na voz de Ian não tinha um pingo de tremor. A tamanha convicção a fez voltar-se para ele novamente.

— Como? — Ela o desafiou com olhar. — Não recordo-me de tê-lo pedido autorização.

— Certamente, poderia ter compreendido sua intenção de não ofender o Peter aceitando o pedido, se o meu orgulho não tivesse sido ferido. — Seu tom foi puro sarcasmo, o que fez Emily se agitar.

Há tempos não experimentava aquela sensação de agressividade dominá-la, entretanto lembrou-se do motivo ser porque estava afastada de seu noivo. Ian despertava esse lado nela.

— Seu orgulho foi ferido? — ela perguntou com a voz pesada.

— Sem dúvida! Afinal, não permito que o que é meu esteja nas mãos de outros. — Ian tomou mais um gole de vinho.

— O que o pertence? — Ela semicerrou os olhos.

Ian, com audácia, aproximou-se uns passos e disse:

— Você é minha, Emily Brown! — Seu olhar foi tão firme que não a fez duvidar. — Nunca um outro homem terá acesso a você. Nunca! Ainda que seja um bom cavalheiro como Peter Muller.

A respiração de Emily estava ofegante e variadas sensações a dominaram naquele instante. Ela percebeu como o olhar dele averiguava cada parte de seu rosto. Ela o analisou e, pela primeira vez, dentro de si reconheceu o desejo de querer tê-lo ao seu lado. Ela soube que não queria pertencer a ninguém a mais, senão a seu noivo irônico, e possuído de tamanha dominação que às vezes a aborrecia. Porém, agora a atraía de maneira inesperada. Ele também era somente dela, não? Nenhuma mulher poderia tê-lo. Aquela compreensão trouxe uma mistura de alegria e agitação.

— Ian, encontrei-o finalmente. — Madeline apareceu diante dos dois.

Ian fechou os olhos e suspirou, depois virou-se para Madeline.

— Estava aqui o tempo todo! — disse com a voz fria.

— De fato! — Ela sorriu e viu Emily.

— Olá, srta. Brown! O que tem nessa bandeja? — Madeline analisou e pegou um dos aperitivos. — Até agora nada havia conseguido comer. Estão divinos — disse depois de uma pequena mordiscada.

Emily examinou sua patroa. Ela estava belíssima. Seu sorriso para Ian ainda denunciava sua paixão por ele. Madeline nunca mais a havia pedido ajuda para conquistá-lo. Pelo contrário, parecia ceder cada vez mais. Estaria ela desistindo? Era provável que não. Porém, não sabia o que ela podia fazer para tentar conquistar seu intento.

Uma música começou a tocar e Madeline disse:

— Oh! Essa música é tão bela. Pede por uma dança, não acha? — Ela olhou para Ian. — Lembra quando jovens e dançávamos na casa da árvore?

Emily sentiu seu coração esmorecer. Não gostaria de ouvir sobre o passado deles.

— Permitam-me se retirar. Preciso servir!

Ian a olhou, porém não pode a impedir de partir.

— O que acha de repetimos aquela dança? Pelos velhos tempos? — Madeline deu um sorriso, Ian diria não, mas não gostaria de magoar a mulher que estava ajudando tanto a ele quando a noiva, ainda que indiretamente.

— Concede-me a honra, sra. Wood? — Ele a reverenciou.

— Com toda alegria.

À distância, Emily observou os dois dançando.

— Ora! Ainda quis me impedir de dançar com Peter no baile. Seu desejo não se cumprirá, Ian Turner! — Ela saiu do salão a passos rápidos e fortes!

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Os próximos capítulos nos reservam uma boa  aventura. E o que vocês acham que acontecerá com Emily e Ian?

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