VINTE E DOIS
O sol começava a nascer quando a carroça chegou aos casarão. Ian segurou Emily nos braços e a conduziu para o quarto que ela compartilhava com Meredith e Corina. Ao ser posta na cama, deu as costas para todos e fechou os olhos. Seus sentimentos eram doloridos a ponto de torcer a alma por inteiro. Desejava unicamente seu pai, pois nos braços dele sentia-se acolhida e guardada.
— Busquem água fria e panos limpos — falou para as duas criadas. — Peter, acenda a lareira do quarto. O frio está intenso! — O jovem criado assentiu e saiu rápido. Ian segurou uma das mãos geladas de Emily e apertou. — O que aconteceu com você?
Emily sentiu a diferença na tonalidade da voz. Não parecia mais carregar o peso de tantos dias antes, porém uma gravidade calma dominava.
— Estou doente — ele respondeu sem se virar para ele. — Muito doente.
— Não entendo. Você está bem quando fomos para o vilarejo. — Ian lembrou-se de vê-la pálida antes de irem à casa de Lenon. — Tudo bem, eu imagino que ver tudo aquilo foi um tremendo desconforto para a sua realidade.
Ela então virou-se para ele.
— Minha realidade? É claro, você estava certo. Eu não sabia nada sobre a vida dos mais desfavorecidos. — Um nó prendeu a garganta de Emily, mas ela, com esforço, continuou: — Estava certo sobre dizer que não passava de uma menina mimada. Sim, Ian Turner, você acertou em tudo!
Ian sentiu o peso e o amargor nas palavras de Emily. Nunca a viu tão abalada e com os ânimos desestruturados como naquele momento. Notou como a rigidez de suas palavras anteriores manifestavam-se de modo grave e ferina no coração da jovem.
— Emily, o que aconteceu realmente? — Ele precisava descobrir a raiz de toda a situação vivida por sua noiva. — Há dias você tem portado-se com distanciamento, abrupta seriedade e tristeza no olhar.
— Talvez seja porque Deus abriu meu olhos! E isso dói muito. — Lágrimas caíram dos olhos dela. — Preciso ficar sozinha.
Com aquela declaração, Ian sentiu que a noiva se afastou mil quilômetros para longe dele.
— Emily...
— Por favor, eu não posso mais... — Ela chorou ainda mais e sentiu o polegar do noivo limpar suas lágrimas das bochechas.
— Trouxemos tudo que foi pedido! — Corina declarou e a cena de consolo de Ian e Emily não passou despercebida diante das duas.
Emily tirou as mãos de Ian de seu rosto e disse:
— Você precisa ir!
Ele a fitou com seriedade, e deu-se conta dos olhares das duas criadas sobre ambos. Estava farto daquilo!
— Voltarei a noite para vê-la. Anunciarei a sra. Montclair sobre seu estado e como deve repousar— disse rápido, tomou a maleta em mãos e assentiu para as duas mulheres, informando como fazer a compressa e saiu dos aposentos.
Meredith e Corina aproximaram-se da colega de quarto com expressões duvidosas. Emily não tinha mais objeção de negar.
— Emily, precisamos conversar com você — Corina declarou, colocando o pano na água fria e pondo na testa da colega. Meredith sentou na beirada da cama da jovem Brown.
— Eu imagino sobre o que desejam falar, certamente...
— Voltei! — a voz de Peter ressoou no quarto. — O doutor Turner saiu?
— Ele precisou averiguar outros assuntos! — Meredith disse.
— Vou acender a lareira e deixá-las!
— Obrigada, Peter! — Corine disse.
O jovem fez o devido serviço e antes de partir aproximou-se de Emily e a desejou melhoras. Assim que saiu, as meninas retornaram ao assunto.
— Desculpe-me não desejo ser intrometida, mas não poderia deixar de dizer que é estranho o comportamento do doutor Turner com você, Emily!
Meredith somente ouvia.
— Eu contei a Maredith como, eu e Briana, os encontramos no quarto juntos e sozinhos e você não sabe, mas, naquele mesmo dia, depois que você saiu e foi juntar as maças, eu vi como o sr. Turner seguiu na mesma direção que a sua. — Corina colocava para fora todas as suas inquietações. — Não pude deixar de ver vocês de mãos dadas no caminho do vilarejo hoje. — A moça ruiva suspirou. — De início, podia achar que era um incoveniente, depois uma perseguição, mas agora sei que é algo compartilhado entre os dois.
— Vocês têm um caso? — Meredith perguntou de ímpeto.
Emily sentiu sua mente dar voltas, não sabia para onde recorrer a não ser pela verdade. E, por certo, não gostaria mais de pegar atalhos para as mentiras. Precisava arcar com as consequências de seus atos. Ela sentou-se sobre a cama e olhou para as duas colegas.
— Somos noivos!
A realidade exposta gerou confusão nas expressões de Corina e Meredith que se aproximaram ainda mais da jovem. Os olhos arregalados, as mãos nervosas e a boca aberta revelava o assombro com a natureza da revelação.
— Como isso pode acontecer? Céus! — Corina pôs a mão na boca. — Nunca poderia prever tal possibilidade.
— Por favor, Emily, não nos deixe no escuro! — Meredith tinha uma súplica na voz.
Emily sentia que era hora de tirar, ao menos em partes, aquele peso dos ombros.
— Eu sou de um vilarejo chamado Scarbourogh Fair. No início deste ano, eu conheci um homem chamado Nathan Scott, ele era tenente do exército da coroa.
— Que incrível! Nunca consegui ver um militar de perto. Dizem que muitos deles são bonitos — Corina declarou entusiasmada.
— Sem dúvida, fiquei fascinada por ele. Porém, o tenente Scott só tinha olhos para uma mulher.
— E quem seria? — Meredith perguntou curiosa com o desenrolar da história.
— Angelina Jones!
Emily ainda lembrava-se dos olhares do tenente Scott para Angelina. Hoje ela percebia bem, outrora estava cega.
— Nesse meio tempo, Ian chegou na minha casa junto com meu primo Josh. Ele ficariam por um tempo servindo como médicos no vilarejo. E ele era amigo do tenente Scott.
— Ah! Então, o doutor Turner estava hospedado na sua casa e a convivência fez vocês se apaixonarem? — Corina tentou deduzir.
Emily deu um sorriso sem graça.
— Isso não poderia estar mais longe da verdade. Eu e Ian nunca nos suportamos! Vivíamos brigando.
— Como poderiam ficar noivos dessa forma? — Meredith não compreendia.
— Espero que entendam que minha ações foram motivadas por uma cegueira interna e falta de sabedoria. — Ela abaixou a cabeça envergonhada. — Mesmo sem nenhuma motivação de Scott, eu continuei sonhando com ele e com um possível casamento entre nós. Porém, numa manhã, escutei a conversa dele e Ian, onde desejava ajuda para pedir a mão de Angelina em casamento. Dentro de mim, não poderia deixar aquilo acontecer. Afinal, eu acreditava que o amava.
Corina e Meredith se olharam.
— Então, elaborei um plano. Promovi uma festa na minha casa com toda as pessoas importantes do vilarejo e o corpo militar, pois eles estavam recrutando jovens e os desaparecidos para a guerra do Leste. Sem dúvidas, o tenente Scott e Angelina foram convidados.
— Emily, você promoveu uma festa?
Naquele instante, a jovem explicou sobre seu pai, nobre comerciante e rico. Os olhos das duas jovens se arregalaram mais.
— Agora entendemos porque você não sabia nada! — Corina disse, o que entristeceu mais Emily.
— Sim, muito imatura. — Ela suspirou. — Enfim, meu plano era atrair Scott para a biblioteca de minha casa e quando ele chegasse eu o beijaria, logo seríamos obrigados a casar. Então, o teria para sempre ao meu lado. — Ao contar sua armadilha não teve coragem de olhar para as meninas. A vergonha cobria sua alma. — Porém, minha criada alterou o plano ao informar Ian sobre a conversa com Scott.
— Eu não entendo. Por que ela teria que informar o doutor Turner disso? Não que eu esteja apoiando, é claro! — Meredith declarou.
— Eu havia dito para ela informar ao Scott que Ian, o amigo dele, gostaria de conversar com ele na biblioteca. Ela não sabia que era uma armação minha.
— Ah! Agora compreendi. Porém, a criada acabou vendo o doutor e achou estranho ele não estar na biblioteca para conversar com o tenente.
— Você compreendeu bem, Meri! — Emily sorriu de leve. — Enfim, eu esperava na biblioteca e quando a porta se abriu nem enxerguei quem era, apenas o beijei e meu pai viu. No momento, fiquei feliz porque achava que meu pai vendo o decreto de casamento era certo, entretanto, quem eu beijei foi...
— Oh, meu Deus! — Corina levou a mão à boca. — Você beijou o doutor Turner! Vocês já se beijaram! Eu nunca beijei um homem.
— Corina, nessas circunstâncias não é bom beijar um homem! — Meredith repreendeu a colega e voltou a Emily. — Assim, vocês foram obrigados a se casar.
— Depois de uma semana, afirmamos nosso compromisso diante da família e da sociedade do nosso vilarejo.
As duas amigas ficaram caladas por um tempo.
— E como veio parar aqui? — Corina perguntou.
— Como disse antes, eu e Ian nunca tivemos uma boa relação. Porém, tempos depois do nosso noivado o ouvi dizendo: “Ter de suportar isso é um dos piores castigos! Quem poderia ser feliz vivendo nesta condição? Certamente não poderia conviver com esse espinho na carne!” — Relembrar aquelas palavras ainda trazia dores para a jovem.
Meredith se remexeu no lugar e disse:
— Ele não poderia estar falando sobre outra coisa?
Emily crispou os olhos para ela.
— Não sei o que pensar. Na época, nos odiavámos tanto que não seria difícil estar falando sobre mim. Então, motivada por um impulso, fugi para a Capital. Cheguei a feira e sem querer fui comprada pela Sra. Montclair. — Ela expeliu o ar pesado dos pulmões.
— Acredito que vocês precisam conversar abertamente e resolverem seus inconvenientes. Nós temos inclinação a tirar conclusões a partir de nossas observações. Acontece que nem sempre observamos o certo! — Meredith explanou, e Corina assentiu.
Emily sabia que estava certa, porém não achava-se pronta para lidar com aquilo. Tinha medo de ferir mais seu coração.
— Mas como o doutor veio parar aqui também? — Corina tinha muitas perguntas.
— Ele veio atrás de mim, porém, no caminho foi assaltado. Madeline o encontrou e o trouxe, pois o conhecia do passado — Emily explicou e sentiu o peso no peito ao relembrar de toda a história de Madeline e Evan/Ian.
— Quantas coincidências! Seu noivo veio parar no mesmo lugar que você! Parece que Deus não deseja mesmo que se separem. Ah, eu amo uma história de amor! — Corina colocou as mãos no queixo e suspirou.
— Não acho que é uma história de amor. — Emily encolheu-se na cama e abraçou o travesseiro. — Não sei se iremos nos casar!
As duas a fitaram com assombro.
— Não há como fugir desse enlace, Emily — Meredith disse. — Seu noivado não foi feito às escondidas, mas perante todos. Não tem como escapar!
Ela sabia disso e possuía uma mistura de felicidade e tristeza por tamanha certeza do seu casamento.
— Desculpe-me dizer, não creio que o doutor Turner a odeie. Ao menos, não mais — Corina expressou, e Meredith balançou a cabeça concordando.
— Ele a olha com amor. — Meri segurou as mãos gélidas de Emily. — Pelo visto, deseja permanecer sempre ao seu lado. — Corina abriu um largo sorriso.
— Em algum momento de sua relação, o coração dele se abriu para você — Meredith tocou na perna de Emily e sorriu.
A jovem noiva suspirou. Não sabia no que acreditar. Queria ter fé de um futuro com Ian, mas sentia-se longe dele e de seu coração.
— Não se preocupe, não contaremos isso a ninguém. Vocês terão nossa proteção! — Corina disse com empolgação.
— Nossa proteção? — Meredith semicerrou os olhos para a jovem ruiva.
— Sim! Ah, meu Deus! — Corina bateu as mãos nas coxas. — O Peter! Agora entendo porque você disse que não poderíamos alimentar nada. Tudo ficou tão claro.
— Oh, céus! Realmente é um conflito. Afinal, ele parece gostar mesmo de você. — Meredith apertou os lábios, olhando para Emily.
Emily colocou as mãos sobre o rosto e derramou suas lágrimas. Sua vida era um eterno impasse. Como poderia ser livre de todas aquelas cadeias?
— Vocês estão aqui e não podem contar nada para ninguém. É certo que se souberem que um casal de noivos estão fugindo, ainda que não tenham fugidos juntos, porém, estão debaixo do mesmo teto o escândalo seria alarmante. O doutor Turner perderia a reputação e você...
— Eu seria tida como uma meretriz! — Emily quis chorar mais!
As meninas se aproximaram dela e abraçaram. Emily nunca havia desfrutado tão profundamente o poder de uma amizade sincera, mas, naquele momento, soube que Deus a estava abençoando. O abraço trouxe um breve refrigério ao seu penoso coração. Corina afastou-se rapidamente e disse:
— Agora conte-me como é beijar um homem?
Meredith colocou os dedos nas pálpebras e balançou a cabeça em negação. Emily não segurou a risada.
— Ah, não! Isso você deveria descobrir por si própria um dia! — Emily respondeu, e Corina murchou os ombros.
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Amizades são boas e aliviam os fardos!
Lembrem-se que a história da Emily e Angelina passam no mesmo período de tempo!
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