DOIS
Ian desfrutava do café da manhã sozinho. Aquele horário que escolhera para se beneficiar da paz era eficaz. Não se arrependia de ter tomado a decisão de acordar um pouco mais cedo a fim de usufruir daquilo, mas suas meditações deleitosas e confortáveis foram brutalmente roubadas com a fúria do dono da casa.
— Está vendo isso aqui?
Sr. Joseph bateu na mesa com a mão e deixou o bilhete de Emily diante de Ian. O homem estava alterado, certamente, os impulsos e anseios se assemelhavam com os de um lunático.
Ian levantava da cadeira devagar enquanto lia as palavras de despedida de sua noiva. Não! Emily não teria feito uma loucura daquelas! Será que suas infantilidades não teriam fim? Aquela era mais uma das provas do quanto era insensata e inconsequente.
Não desejava, porém, seus sentimentos não poderiam ser piores, mas a aversão dobrou. Já não bastasse tê-lo enfiado naquele arranjo, agora o faria revirar o país para encontrá-la. Céus! Que mulher louca!
— Isso aqui é fruto da péssima relação de vocês! — Sr. Joseph esbravejou para o futuro genro.
O jovem fechou os olhos e trincou o maxilar. Que os céus o ajudassem a não cometer tamanha insanidade. Os últimos dias já haviam sido agitados demais.
— Todos nesta casa podem testemunhar o quanto se ignoravam. — O homem mais velho lançou palavras furiosas para o rapaz. — Não se suportavam, não conversavam, simplesmente, não conseguiam conviver...
— Basta! — Ian soltou sua fúria. — A culpa disso não é minha. Primeiramente, a ideia deste casamento é somente sua. Depois, quem criou uma filha com um forte ego, irresponsável pelas suas escolhas e achando que tudo é possível basta estalar os dedos foi o senhor. Será que seu orgulho cobre tanto suas falhas que é incapaz de reconhecê-las? — Ele chegou mais perto do homem que apenas ouvia. — O senhor foi homem para criá-la assim, seja homem para reconhecer o péssimo trabalho que fez.
Sr. Joseph já havia começado a sentir suas falhas, mas sendo faladas tão abertamente o perfurava o espírito. Sentou sobre uma das cadeiras e a fundou o rosto nas mãos.
Ian o encarou mais uma vez, e não teve piedade de vê-lo naquele estado de autocomiseração. Estava farto de ter que viver com aquela família e sendo obrigado a algo que não dispunha de qualquer suavidade de espírito para aceitar. Tomou com rispidez aquele bilhete em mãos e saiu da sala de refeições. Os passos largos e duros refletiam bem a ira instalada no peito em relação a mulher que chamaria de esposa.
— Else! Else! — Ian entrou na cozinha do casarão a procura da dama de companhia de Emily. Não somente a jovem, mas todos os empregados que se encontravam ali se assustaram com a aparição inesperada dele.
— Sr. Turner, o que deseja? — Else perguntou com rapidez, largando os legumes que cortava para a cozinheira.
Ele indicou a cabeça para a jovem criada e a conduziu até a área externa da casa para questionar:
— Você viu a Emily hoje?
— Eu a vi logo pelo raiar do dia, senhor. O sol ainda nascia — respondeu com nervosismo ao notar a aparência alterada de Ian. — Ela levava uma pequena mala com roupas para doar a igreja e ajudaria na organização a fim das peças serem levadas para as pessoas necessitadas com a guerra.
Ao ouvir aquela explicação, Ian soltou um profundo ar. Ele pensou em como sua noiva conseguiu armar um argumento tão convicente para a criada. Deveria saber o quanto Emily era boa de tramóias. Na verdade, era uma mestra naquilo, a ponto dele mesmo cair numa delas. Ele bufou.
— Está certo, obrigado. Pode voltar aos seus afazeres.
Else acatou a fala do jovem e se retirou para a cozinha. Ian permaneceu ali com os pensamentos acelerados sobre como encontraria aquela menina. Ele passou a mão entre os cabelos negros e fartos e teve ideia. Sem demora pegou um dos cavalos no estábulo e partiu rumo a igreja.
Else não tinha errado, realmente havia mulheres trabalhando com a organização de roupas, sapatos e alimentos que seriam enviados aos necessitados. Ele entrou no ambiente e sua presença chamou a atenção de algumas das mulheres, mas uma mais conhecida foi ao seu encontro:
— Sr. Turner, o que faz aqui?
— Sra. Nagael, como tem passado? — Ele desejou ser cordial com aquela mulher que o ajudava nos preparativo de sua nova casa depois do casamento.
— Vou bem, mas desejava falar algo sobre a casa? — A senhora amorosa quis compreender o motivo daquela aparição repentina.
Ian não tinha por intenção expor dos seus conflitos com Emily, logo ponderou as palavras sobre o que seria útil anunciar a fim de conseguir alguma informação.
— Else, a criada de minha noiva, informou-me que Emily veio a igreja para ajudá-las com essas doações. Desejo saber onde ela está. — Ele começou a girar a cartola entre os dedos.
— Perdão, Sr. Turner, mas nenhuma de nós teve o prazer do auxílio da Srta. Brown nesta manhã — declarou a Sra. Nagael.
Ian apertou os lábios e segurou com mais força a cartola na mão. Com a intenção de não passar um semblante nervoso ou confuso, respirou fundo, deu um sorriso e reverenciou a mulher.
— Compreendo, Sra. Nagael. Talvez a criada tenha entendido errado. — Tentou justificar. — Agradeço a atenção.
Ele girou o calcanhar e estava pronto para partir, mas ouviu.
— Sr. Turner — mulher o chamou e ele se virou —, oriente a Srta. Brown para não sair por aí livremente. Nestes tempos de guerra é uma completa tolice fazer passeios ou se aventurar em qualquer outra atividade longe dos arredores de casa.
Ian deu um sorriso seco. O que mais desejava era que sua "noiva" tivesse tamanha sensatez, porém, deu-se conta de que ela sempre ansiava contrariar a realidade.
— Avisarei sim.
Ao sair da igreja, Ian bufou com tamanha raiva acumulada no peito. Pelos Céus! O que Emily tinha na cabeça para sumir desse jeito? Tomou outra vez o bilhete na mão e leu as palavras de despedidas. Ele fechou o punho com força, amassando o papel e caminhando firmemente em direção as saídas dos comboios.
O local estava em completo alvoroço. Muitas pessoas caminhavam com suas bagagens nas mãos, carruagens saiam e outras chegavam. Era o som de choro de bebê, relinchado de cavalos e ruídos de conversas para todos os lados. Ian desceu do cavalo e o prendeu num lugar a parte e começou a andar para conseguir alguma informação sem precisar expor a situação. Ele seguia para o pequeno estabelecimento de compra de passagem, quando ouviu uma jovem vendedora de frutas o chamar.
— Dr. Turner, tudo bem?
— Olá, Hanna. — Ele se aproximou da menina de cabelos cacheados que reconhecia muito bem ser filha de uma das suas pacientes. — Não sabia que estava vendendo frutas aqui.
A menina sorriu tímida e passou a mão suja sobre o rosto suado.
— A gente faz o que pode para sobreviver. — Deu de ombros.
— Sua mãe está melhor? — ele indagou com um pouco de pressa, pois precisava saber se Emily tinha comprado uma passagem ali.
— Graças a Deus e ao senhor, que serviu sem pedir nada em troca. — Ela deu mais um de seus sorrisos sem jeitos. — Mas espero que os morangos tenham sido proveitosos para o senhor.
— Estavam excelente. — Ian assentiu contente. — E fico feliz que sua mãe se recuperou. Agora me perdoe não mais poder conversar preciso resolver uma coisa.
Hanna o olhou com o cenho franzido por causa da luz do sol que brilhava fortemente.
— Será que seu assunto tem a ver com sua noiva?
O homem quase sentiu o sangue sair do corpo ao ouvir tal indagação. Ian sabia que o noivado da filha do maior comerciante do vilarejo era de conhecimento geral e isso lhe causava mais preocupação acerca de um escândalo para ele e toda a família. Ao chegar mais perto dela, perguntou:
— Por que diz isso, Hanna? — Ele suavizou a ansiedade na voz, mas o tom de urgência era nítido.
— Ah! Ela partiu na primeira caravana que seguia para a Capital — a moça respondeu despreocupada. — Eu a vi chegando bem cedo, ainda armava minha barraca, estava com roupas muitos simples. Nem parecia a Srta. Brown! Por essa hora já está no meio do percurso.
Ian umedeceu os lábios e soltou o ar. Ele agradeceu e a menina apenas assentiu e retornou a gritar sobre seus legumes e frutas. Porém, Ian retornou com pressa ao casarão e, sem dar explicações a ninguém, somente ao cavalariço, porque precisava trocar o cavalo que estava por um mais forte. Ajeitou alguns poucos suprimentos e começou a sua jornada rumo a capital a fim de encontrar Emily. Era por certo que o desejo de esganá-la por tal atitude infantil o predominava.
Não demorou para que ele chegasse a estrada principal. Ian viajou por cerca de quatro horas sem cessar quando o cavalo começou a dar sinais de exaustão. Sabia que precisava parar e descansar ou nunca chegaria. Ele saiu da estrada e perto de umas árvores amarrou o animal e se deitou embaixo de uma macieira para também repousar.
Por cerca de uma hora mais tarde, escutou o som de alguns cavaleiros se aproximar. Ian os avistou a distância e soube bem pelas máscaras no rosto que se tratava se salteadores e eram três homens. Ele procurou se apressar para despistar os homens, mas, infelizmente, não foi possível. Só conseguiu escutar o som de assobios atrás de si.
— Olha, o que temos aqui! — disse um homem com a máscara preta cobrindo o nariz e a boca, que parecia ser o líder dos outros dois atrás dele. O trote dele estava lento quase parando.
— O que querem? — Ian se virou para eles e perguntou seriamente.
— Vejam, rapazes, se ele não é muito cheio de altivez? — O mascarado desceu do seu cavalo e se aproximou de Ian. Os outros dois homens desceram logo atrás dele.
Ian analisou bem a situação e sabia que o cerco se fechava ao redor dele.
— Vamos logo resolver isso. O que você tem aí e passa para nós? — o líder do bando questionou.
— Não tenho nada para entregar! Vão embora! — o tom enraivecido de Ian reverberou no ouvido dos homens.
— Mas vejam como é autoritário! Que você pensa que é para dar ordens? — a indagação veio acompanhada de um soco, que fez o médico ir ao chão. — Peguem ele, rapazes.
Sem demora, os dois homens seguraram Ian e o ergueram pelos braços para que o líder realizasse seu mal intento de agredi-lo sem piedade. O jovem foi agredido a socos e chutes no estômago, rosto e tórax. Já enfraquecido o largaram no chão e o chutaram mais uma vez o levando a se virar para o outro lado e bater a cabeça numa pedra, desmaiando.
Os homens vendo que o deixaram desacordado, roubaram-no o cavalo, o seu relógio do bolso e o dinheiro na carteira. E sairiam em seguida galopando a toda velocidade para mais longe do homem — agora — moribundo.
Ian permaneceu desacordado e ensaguentado. O rosto estava ferido tal como as roupas agora rasgadas e surradas. Sem uma ajuda imediata, era bem certo não resistir ao calor e frio daquele lugar. Duas horas se passaram para que o som de uma carruagem aparecesse pelo caminho.
Uma dama pela janela do veículo, avistou o jovem desacordado. Ao chegar mais perto, a portinhola se abriu e a dama vestida de um fino vestido azul desceu do transporte.
— Sra. Madeline, não deveria parar no meio de uma estrada. — Uma senhora que a acompanhava dentro da carruagem lhe aconselhou.
— Ora, não devemos ajudar um necessitado? E se fosse um filho seu, Aquila?
A mulher contrariada não desejou travar mais uma batalha para lidar com sua senhora. A dama se aproximou mais ainda do homem abandonado na beira da estrada e arregalou os olhos ao contemplá-lo por inteiro. Ela, sem decoro, se lançou de joelhos ao chão e com forte emoção, declarou:
— Evan! — Ela passou a mão sobre o rosto ferido e ensaguentado dele. — O que fizeram com você?
— Quem é esse senhora? Como o conhece? — a senhora a questionou com incredulidade.
— Não importa agora! Ajudem-me a colocá-lo dentro da carruagem.
— Mas, como levaremos um desconhecido? — A mulher quis colocar um pouco de juízo na cabeça de sua patroa.
— Não é um desconhecido, eu o conheço — a dama disse já enraivecida.
— Minha senhora, não está se confundindo? — Aquila a tocou no ombro e fez um olhar de misericórdia.
— Não me confundo. Vamos, coloque-o na carruagem.
O cocheiro logo desceu do seu assento e ergueu o corpo do homem desacordado. Com a ajuda das suas mulheres o acomodaram no veículo. Madeline sentou-se próximo dele sob os olhos atentos de sua criada.
— Isso não será bom para sua reputação — a mulher insistiu no bom juízo da dama.
— Minha querida, sabes que minha reputação agora já não é mais tão observada. Não se preocupe, ficaremos bem. — Deu um piscadela para a mulher. Em seguida, olhou para o jovem desacordado. — Evan, não se preocupe estou aqui.
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Quantas emoções temos por aqui!
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