20 Anos
— Não acredito que trancou a faculdade!
— Não aguentava mais, a rotina estava... Quer dizer, era só casa, trabalho e estudo. O clima em casa vivia pesado, a minha irmãzinha estava se adaptando á novos remédios, mãe Fernanda voltou a trabalhar e a saúde de mãe Giseli começou a ficar instável.
— Porém aconteceu algo bom, não foi?
— Consegui meu primeiro emprego de carteira assinada.
— Aonde?
— Na igreja que fui batizada. Uma das secretarias que era próxima a mãe Fernanda me indicou ao novo padre e ele aceito me contratar. Foi muito gentil comigo, me ajudou a tirar a carteira de motorista, trabalhar com computação e arte visual.
— Um bom chefe, presumo.
— Não tenho do que reclamar, pegava no meu pé, no entanto me incentivava a estudar e tudo mais.
— E quanto as suas colegas de trabalho?
— Tenho muita afeição por elas, por causa da amizade delas também que minha família não passou fome quando estávamos no declínio total.
— E qual o lado negativo de trabalhar lá?
— O pior de tudo, era a pressão moral que tinham sobre mim. Para eles, mãe Fernanda era o cérebro e pernas das reuniões, os eventos que tinham na igreja e era como se eu tivesse que ser assim também.
— Como assim?
— Quando fazíamos algo, por exemplo, arrumar café da manhã para um missa que viria todos os padres, o assunto que sempre vinha a tona era: sua mãe que organiza as equipes para arrumar tudo, equipe de limpeza, de cozinhar, de arrumar e dávamos muito risadas, trabalhávamos muito, mas também era divertido.
— Dava a entender que você deveria ser altruísta e prestativa.
— Sim! Claro que devo ser uma pessoa que ajuda o próximo e fazer favores sem esperar nada em troca, mas caramba, era como se eu devesse ser a perfeição em pessoa, seguir os passos da pessoa insuperável que mãe Fernanda era. Estava cansada disso.
— E quando percebeu que sua mente estava abalada?
— Antes de trancar a faculdade, houve um dia que fui para a aula, me encontrei com a Karina em um dos corredores e a prima dela, no mesmo instante tio Carlinhos me ligou para perguntar algo e eu comecei a chorar, só de ter escutado a voz dele eu chorei.
— O que mais?
— Houve outros momentos em que eu segurava a vontade de chorar. Quando involuntariamente minha mente voltada aos episódios dolorosos da minha infância e passei a entender o significado das coisas dolorosas que escutava. Quando pensava em conversar com mãe Fernanda, mas mudava de ideia já que era constante sua feição de brava.
— Já havia pensado em sair de casa?
— Muitas vezes. Recentemente mexendo em coisas guardadas no fundo do guarda-roupa, reencontrei meu antigo diário e quando abri para relê-lo, fiquei espantada com tamanha amargura com que escrevia. Ter que guarda só para mim minhas frustações e ficar remoendo tudo, ou me sentir culpada quando agia espontaneamente e em troca recebia maus olhares, era tão doloroso não conseguir agir como eu queria, como eu era. Ter que vestir uma armadura, entrar em outro personagem.
— Como estava os gastos com seu salário?
— Meu salário era dividido entre compra de sapatos e roupas. Tudo que eu via e gostava, eu comprava e com coisas fúteis. Com o que poderia me dar um momento de euforia, eu gastava, ou quando mais nova não tinha condições de comprar, eu gastava com o que queria ter.
— Assim como uma estante de livros.
— Sim! Não sosseguei enquanto não consegui comprar todas as sagas que li anos atrás, até mesmo no ensino médio quando Melissa me emprestava alguns, comprei. Quando você lê os mesmos livros tempo depois, você tem outra visão da história além do romance, isso é muito incrível.
— Com tudo isso, chegou a pensar na fatalidade de... Sabe? Autocídio?
— Já sim, não com frequência, mas duas ou três vezes. Talvez assim eles teriam menos dívidas, ou poderiam ir atrás de alguém que desce nota dez em matemática e um diploma para eles, então eu respirava fundo e me corrigia. Não poderia parecer uma ingrata.
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