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"To get a dream of life again
A little vision of the sight at the end (...)
But I only needed one more touch
Another taste of heavenly rush"

Florence + The Machine - Breath of Life

"I don't want to know
Who we are without each other (...)
I don't want to know
What it's like to live without you
Don't want to know
The other side of a world without you"

Ruelle - The Other Side


Quando Lara acordou estava chorando.

"Por quê? Eu não chorei antes, por que estou chorando agora?"

Ela buscou por ar, mas se sentia tão enfraquecida pela noite anterior e arrasada pelo pesadelo, que era difícil de respirar.

Lentamente, uma música suave invadiu os ouvidos de Lara e começou a trazer paz para seu coração em frangalhos. O dueto de vozes femininas perfeitamente sincronizadas, mais como se fosse o som de uma única voz duplicada, era quase uma carícia. Lara conseguiu inspirar fundo, começando a sentir a paz interior que aquela canção sempre lhe proporcionou. Sua respiração se normalizou e aos poucos voltou ao presente.

Acordar na Fazenda, desde que as primas mais novas aprenderam a fazer sua música, era sempre assim, cheio de calma e doçura. Sara e Isabel eram gêmeas, filhas de sua tia Sofia e 3 anos mais novas que Lara e Julia. Elas ainda não sabiam tudo o que poderiam fazer, cada uma ia descobrindo de jeitos diferentes como acessar o que tinham, válvulas que serviam para liberar e reprimir o Poder. Porém, a canção calmante e curativa sempre fora um dom.

Lara observou os cachos cor de mel de seus cabelos, que, naquele momento, cobriam seu rosto e eram iluminados por alguns raios de sol que escapavam das cortinas de voal rústicas.

O sol era um bom sinal e agarrando-se a isso ela tentou empurrar as lembranças em forma de sonhos para o fundo de seu ser e concentrar-se no que era realmente importante: Julia.

Desde que chegara à Santa Fé do Sul, Daniel esteve em seus pensamentos e aquilo era no mínimo ridículo, já que ele era a razão de Lara jurar nunca mais colocar os pés naquela cidade. Seu único e real motivo, sua missão naquele lugar, era ajudar a prima, que precisava tanto dela. Lara só percebeu o quanto na noite anterior, após vê-la dentro daquele círculo diáfano, com três bruxas tentando contê-la sem sucesso.

Jurou para si mesma, assim que tudo havia chegado ao fim, que jamais veria Julia naquele estado novamente. Nunca mais permitiria que aquilo acontecesse, pois só de lembrar-se da imagem da prima como a mais baixa das criaturas dentro daquele círculo, sentia o estômago revirar.

Pensar então na sua participação naquilo, no modo como entrou na biblioteca e imediatamente no círculo, sem hesitação, sem nem mesmo pestanejar, a fazia se sentir pior ainda. Ou isso, ou não havia se recuperado totalmente.

Lara tentou levantar a cabeça do travesseiro de penas e apoiar-se nos cotovelos para dar uma olhada em volta, mas a vertigem que a assaltou quase a jogou de volta à seus sonhos com o passado.

A última vez em que ela sentiu tão fortemente aqueles efeitos foi há quase um ano e Lara não achou que voltaria a usar tanto Poder que pudesse debilitá-la daquela forma.

Após conter Julia, só teve energia para ajudar Nicolai e a tia a colocá-la na cama e então colocar sua própria cama no lugar antes de finalmente desmaiar.

Toda energia empregada, fosse ela para correr uma maratona ou fazer um feitiço, vinha com um preço para seu corpo. Dependendo da quantidade que usava, para o que quer que seja, seu corpo sofre com diferentes tipos de cansaço. Julia desmaiou quase que imediatamente após a contenção da tempestade que ela desencadeou na noite passada. Aquilo devia ter-lhe custado muito caro, assim como contê-la estava custando à Lara.

Ainda era difícil para Lara assimilar Julia como uma força indomável e potencialmente perigosa. Uma bomba relógio, fora de controle. Das primas, Julia sempre havia sido a melhor. Um misto perfeito de delicadeza e controle, além de coragem para defender aqueles que ela amava. Mesmo parecendo frágil e de sentimentos tão puramente bons, Julia sempre foi responsável, controlada e cuidadosa.

Às vezes Lara refletia se a loucura de sua tia Alice, mãe de Julia, havia feito da prima o que ela era. Claro que Lara não se referia ao que a prima havia se tornado após a morte da mãe, naquele ano, mas sim ao que Julia sempre foi. Ter de cuidar da mãe, como se seus papéis tivessem se invertido e então depois perdê-la, era de fazer qualquer um perder o controle. Imagine só uma bruxa Dominique, com uma carga novinha em folha de Poder para assimilar.

O Poder é algo vivo e não desaparece simplesmente cada vez que uma bruxa deixava de respirar.

Ele era passado para frente. Uma Herança. Assim como Lara recebeu os poderes da mãe quando esta faleceu e mais tarde os da avó, bem como todas as suas primas e tia, Julia também herdou de sua mãe tudo o que ela tinha. Lara só não fazia ideia de que sua tia Alice fosse tão poderosa.

Ela podia imaginar muitas pessoas perdendo o controle, mas Julia não era uma delas. E mesmo que fosse, Lara não podia conceber alguém se perder daquele jeito, exceto talvez ela mesma.

Das quatro primas, Lara sempre precisou de mais atenção da avó durante as tardes de prática na biblioteca. Por ter perdido a mãe muito cedo, e por Agata ter sido uma bruxa tão formidável, desde muito pequena Lara era como uma represa prestes a romper.

Talvez fosse por isso que sua tia Sofia sempre fez o possível para mantê-la longe de Sara e Isabel. Talvez fosse por isso que ninguém nunca havia confiado nela. E talvez fosse por isso que aquilo tudo havia acontecido no verão passado.

Mas, desde então, Lara não havia tido mais nenhum episódio. A garota havia se esforçado muito para camuflar seus poderes no último ano em que passou no colégio interno na Capital. Além de extrair a própria energia diariamente e concentrá-la em pedras e cristais que carregava nos anéis e na pulseira envolta do pulso, o que também servia para armazenar energia para um momento de necessidade, Lara também mantinha o máximo de tecnologia perto de si o tempo todo.

Curiosamente, a tecnologia parecia interferir com a magia. Servia como um bloqueador, que Lara fez questão de utilizar quando não estava na Fazenda, pois se havia algo que era terminantemente proibido cruzar as fronteiras da propriedade, era tecnologia e aparelhos eletrônicos de qualquer natureza. Na casa não existia TV, ou rádio, nem sequer um telefone. A única exceção a essa regra era uma velha geladeira azul clara, que acomodava-se na cozinha desde que a vovó Toni era criança.

Lara precisou deixar o próprio celular com o tio em Araraquara.

Aquilo a fez lembrar que precisaria ir à cidade o mais cedo possível e mandar notícias pra ele, dizer que estava bem.

Lara já estava pronta para fuçar o criado mudo, em busca da pulseira, na tentativa de extrair dela alguma energia e sentir-se forte novamente, quando ouviu uma batidinha tímida na porta de seu quarto. Relaxou imediatamente e deixou-se cair em meio aos travesseiros.

Sabia quem era. Podia sentir a energia dela invadindo o quarto, passando por debaixo de sua porta, pelo buraco da fechadura, deslizando pelas paredes, pelo pé da cama, e encontrando a sua.

A energia de Julia estava diferente. Era mais densa, mais pesada. Se pudesse ser vista em cores, Lara achava que a dela havia passado de um lilás suave para o mais carregado dos tons de violeta.

A porta se abriu com um clique suave após Lara dizer que estava aberta. E então a imagem da prima preencheu o portal.

Julia havia emagrecido consideravelmente. A pele pálida de seu rosto se esticava sobre os ossos delicados. Os olhos pareciam fundos, emoldurados por olheiras escuras. Seu cabelo cor de chocolate estava maior do que Lara se lembrava, inclusive a franja que a prima cultivava havia desaparecido, lhe dando um aspecto mais adulto.

Apesar de parecer exausta, Julia carregava duas xícaras fumegantes nas mãos, os lábios de boneca rachados e repuxados em um sorriso triste. Ela parecia melhor do que ontem, quando despencou nos braços de Lara, depois de ter a magia finalmente contida, mas ainda sim, não era a mesma garota que ela havia deixado na Fazenda há quase um ano.

Julia ficou parada no arco da porta do quarto de Lara, como se estivesse receosa da reação da prima ao vê-la depois da noite anterior. Ela ergueu as canecas no ar, como se fossem uma desculpa.

— Poção restauradora. — murmurou com a voz trêmula.

Lara apenas estendeu os braços para ela, fraca demais para se levantar, mas ansiosa pelo abraço de Julia, que se precipitou ao sinal da prima, deixou as xícaras sobre o criado mudo e caiu no abraço de Lara.

— Me desculpe. — Julia sussurrou.

Lara afagou o cabelo da prima, apertando-a, com toda a força que tinha, contra si. Inspirando aquele cheiro de lírios, fresco e suave. O cheiro de sua casa.

Xiiii. — fez ela, enquanto Julia fungava — Vai ficar tudo bem. Estou aqui agora. Vou cuidar de você.

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